Nas últimas semanas foram-nos chegando algumas notícias preocupantes relativamente à evolução do sistema de saúde. Do ponto de vista do acesso, surgem sinais de abrandamento da atividade, sobretudo nos cuidados de saúde primários (relatório anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS 2012), ao mesmo tempo que vemos, com preocupação, uma desaceleração na criação de novas unidades de saúde familiar. O acesso aos cuidados de saúde aparece, nalgumas circunstâncias, condicionado pelo efeito das vulgarmente designadas ”barreiras económicas”. Sinais indiretos deste efeito podem ser encontrados no impressivo aumento da cobrança de taxas moderadoras, que revelaram, no primeiro trimestre, um crescimento de 57,5% face ao período homólogo. Um outro aspeto a ter em consideração foi-nos apresentado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde que, no seu último relatório, refere que “cerca de 30% dos idosos inquiridos através de um questionário realizado em 2013, pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), responderam que já deixaram de utilizar alguns recursos de saúde por não poderem comportar os custos, sendo que, destes, cerca de 60% referiram a consulta particular, 48% a medicina dentária, 47% a aquisição de óculos e aparelhos auditivos e 25% serviços públicos de saúde de primeira necessidade”. Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Médicos referiu, em declarações públicas recentes, que “existe um bloqueio aos medicamentos inovadores, havendo doentes que estão a ser prejudicados pela sua não aprovação”. Mais recentemente, o Instituto Nacional de Estatística afirmou, na publicação do relatório referente à conta satélite da saúde de 2012, que “a contribuição direta das famílias para o total de despesas de saúde aumentou, significativamente, entre 2010 e 2012 (passando de 27,4% para 31,7%), contribuindo o Serviço Nacional de Saúde com cada vez menor percentagem”. Neste domínio Portugal encontra-se, atualmente, no grupo dos cinco países da União Europeia com maior peso de pagamentos diretos, em saúde, por parte das famílias.Do lado da sustentabilidade económica e financeira emergem alguns sinais de agravamento da dinâmica de crescimento da dívida e do aumento dos prazos de pagamento. Isto apesar do importante exercício de regularização efetuado no final de 2012 e do significativo esforço realizado pelas entidades prestadoras que integram o Serviço Nacional de Saúde, no que diz respeito à contenção da despesa.Este quadro de sinais, muitas vezes contraditórios entre si, parece indiciar, como referiu o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, haver alguma dissonância entre a “realidade oficial” e o “mundo real” dos cidadãos e dos profissionais. Numa área tão sensível como esta, é muito importante que esta dissonância seja esclarecida e, sobretudo, evitada. Existe, em Portugal, um grande consenso sobre a necessidade de reformar o sistema de saúde para melhor garantir o seu equilíbrio, qualidade e sustentabilidade económica e financeira. Para que tal aconteça, é fundamental garantir clareza nas políticas, tornando percetíveis os seus objetivos, os respetivos processos de implementação e, sobretudo, quais os efeitos esperados e os resultados obtidos.