Os últimos dois anos têm sido devastadores relativamente ao capital de confiança, dos cidadãos, nas instituições democráticas e no sistema político. A Europa deixou de ser vista como um projeto de vida comum orientado para o desenvolvimento económico e social, para o aprofundamento da justiça e da solidariedade entre os povos, tornando-se numa confederação de egoísmos nacionais. De uma forma progressiva e inquietantemente consistente, foi sendo minada a relação de confiança entre os povos europeus e os seus dirigentes. O primado da política soçobrou face ao poder do sistema financeiro, conduzindo as democracias europeias para um grave estado de desalento. Entre nós, face à dura realidade, decorrente da restrição orçamental, o Governo optou por uma abordagem restritiva impondo severos cortes concentrados, no essencial, nos rendimentos do trabalho e das pensões e no aumento de impostos. O resultado traduziu-se num impressivo avolumar das desigualdades sociais, dos níveis de pobreza e de exclusão social, com especial enfoque nos grupos mais vulneráveis da população – crianças, jovens e idosos. A inexistência de um modelo económico sustentado e sustentável, a fragilidade do sistema produtivo e a enorme dependência de largas faixas da população do papel protetor do Estado, no emprego e na segurança social, contribuíram para agravar a expressão social da crise económica e financeira. Ao nível interno parece hoje evidente que faltou uma linha clara, estável e coerente que correlacionasse, com transparência, o cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação do MoU com as exigências decorrentes dos sacrifícios pedidos e o trajeto de recuperação e do desenvolvimento. Um dos argumentos que tem sido utilizado para neutralizar a ideia de poderem existir opções alternativas tem sido o reduzido grau de liberdade que o Governo português teria face às imposições dos credores internacionais e dos diretórios políticos europeus. Valerá, contudo, a pena questionar se, apesar da reconhecida adversidade do contexto externo, o Governo português não poderia ter ido mais longe no exercício de soberania política, delineando uma estratégia de intervenção externa que fizesse apelo à responsabilidade da União, claramente expressa nos Tratados, nos domínios do aprofundamento da governação política e económica, da solidariedade entre os Estados e da necessidade de conciliar exigência e rigor orçamental com desenvolvimento social e humano.