RICARDO JARDIM GONÇALVES

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA PREVENÇÃO DO ENVELHECIMENTO: RUMO A UMA VIDA INDEPENDENTE E SAUDÁVEL

O envelhecimento da população é um dos maiores desafios demográficos da atualidade. O aumento da longevidade traz consigo a necessidade de soluções inovadoras para garantir qualidade de vida, autonomia e eficiência nos serviços de saúde.

As tecnologias digitais emergem como um pilar essencial na prevenção do envelhecimento, permitindo monitorização remota, acompanhamento personalizado e otimização dos recursos da saúde pública. O avanço da tecnologia aplicada à saúde tem permitido uma transformação sem precedentes no acompanhamento da população idosa. Sensores inteligentes, plataformas digitais e análise de dados em larga escala possibilitam a prevenção de doenças crónicas e a deteção precoce de problemas de saúde, reduzindo a necessidade de hospitalizações e aliviando a pressão sobre os serviços de saúde.

Entre as iniciativas mais relevantes nesta área, destaca-se o projeto europeu SmartBear (Smart Big Data Platform to Offer Evidence-based Personalised Support for Healthy and Independent Living at Home, www.smart-bear.eu). Financiado pelo programa Horizonte 2020, o projeto envolveu cinco países europeus (Portugal, França, Grécia, Itália e Roménia) e teve em Portugal, na Madeira, o seu maior destaque, sendo reconhecido pela Comissão Europeia como o “Pilot of the Pilots”. Este reconhecimento deve-se ao impacto extraordinário alcançado na região, onde 501 idosos participaram ativamente no piloto, beneficiando de tecnologias digitais que melhoraram significativamente a sua qualidade de vida.

Estes participantes tinham comorbilidades identificadas, como dor lombar, dificuldade de audição, perda de equilíbrio, perda de memória, depressão, ansiedade ou doenças cardiovasculares. Para melhorar a sua qualidade de vida, tiveram acesso a dispositivos de monitorização, que permitiram acompanhar parâmetros essenciais, incluindo tensão arterial, níveis de glicose, peso, capacidade auditiva, frequência cardíaca e padrões de sono, entre muitos outros. Os seus dados eram analisados em tempo real, permitindo intervenções personalizadas e imediatas. Além disso, a plataforma facilitava a comunicação entre pacientes e profissionais de saúde, promovendo um acompanhamento contínuo sem necessidade de deslocações frequentes, com uma integração automática e direta dos registos digitais de saúde (EHR) de cada participante no sistema regional de saúde. Este modelo apresenta benefícios duplos, pois dá autonomia aos idosos, permitindo-lhes gerir ativamente a sua saúde, e ao mesmo tempo otimiza os recursos dos sistemas de saúde, garantindo maior eficiência operacional e redução de custos.

Evento final do SmartBear

A Madeira destacou-se como um laboratório vivo para inovação em saúde digital. O evento final do SmartBear, realizado entre 24 e 28 de fevereiro de 2025, reuniu mais de 700 participantes, incluindo representantes da Comissão Europeia, do Governo Português e Regional, especialistas do setor da Saúde Digital, bem como os seus participantes. O Secretário Regional da Saúde e Proteção Civil da Madeira, Pedro Ramos, enfatizou a importância do projeto para a modernização da saúde na região, sublinhando que a digitalização será um fator-chave para um envelhecimento mais autónomo e sustentável. Segundo Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, a digitalização da saúde “é o futuro e permitirá aliviar a carga sobre os serviços de saúde, garantindo que os cidadãos possam viver com mais independência e dignidade”.

A secretária de Estado da Saúde, Ana Póvoa, destacou o impacto económico e social do SmartBear, realçando que “a integração de tecnologias digitais no acompanhamento da população sénior não só melhora a qualidade de vida, como também reduz significativamente os custos para os sistemas de saúde”. Para a governante, a digitalização não é apenas um avanço tecnológico, mas “uma resposta inteligente e necessária aos desafios do envelhecimento”. O representante da Comissão Europeia, Bernd Gawlik, elogiou o impacto do SmartBear, afirmando que “Portugal demonstrou uma capacidade exemplar de inovação na saúde digital, e o caso da Madeira prova que estas soluções não são apenas viáveis, mas essenciais para o futuro da Europa”. Gawlik reforçou ainda que o sucesso do projeto “é um sinal claro de que a Europa precisa de investir mais em práticas e tecnologias de monitorização remota para um envelhecimento digno e sustentável”.

O impacto do SmartBear na Madeira foi significativo, não apenas pelo volume de dados recolhidos, mais de 6 milhões de observações clínicas registadas, mas também pela mudança na forma como os idosos percebem e gerem a sua própria saúde. A adesão foi tão elevada que o evento final precisou de adaptações para acomodar todos os interessados.

Questão central

A questão da sustentabilidade das soluções digitais para a longevidade é central para a sua continuidade e expansão. No evento final do SmartBear, especialistas debateram estratégias para a integração destas tecnologias em políticas públicas de longo prazo, garantindo que os benefícios alcançados não se limitem ao período de execução do projeto. Os avanços proporcionados pelo SmartBear são um exemplo concreto do potencial da transformação digital na saúde. Para que estas soluções sejam escaláveis e acessíveis a mais cidadãos, é essencial um compromisso estratégico entre governos, setor privado e academia, garantindo investimento contínuo e adaptação dos modelos de saúde pública à realidade digital.

O sucesso do SmartBear não foi um acaso. Foi resultado de um ecossistema robusto de inovação em Portugal, onde instituições como o IDEA (www.idea-institute.pt) e o UNINOVA (www.uninova.pt) desempenham um papel fundamental na digitalização da saúde. Estes centros de excelência foram essenciais para o desenvolvimento e implementação das soluções tecnológicas do projeto, consolidando Portugal como uma referência internacional na área da saúde digital. O Madeira Digital Health and Wellbeing (www.digit-madeira.pt), ecossistema que integra o SmartBear e outros projetos inovadores, continuará a desempenhar um papel fundamental na construção de um modelo de saúde mais eficiente e centrado na pessoa. O sucesso alcançado na região pode servir de modelo para outras partes da Europa, provando que a tecnologia, quando bem aplicada, tem o poder de transformar o envelhecimento num processo mais saudável, autónomo e digno.

A revolução digital na saúde já começou. E os seus benefícios serão cada vez mais visíveis nos próximos anos.

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