STÉPHANE FERREIRA
Stéphane Ferreira segue o legado da sua família na Quinta do Pôpa, trazendo inovação sem perder a tradição. É um líder nato, apaixonado por vinho e pessoas. Depois da sua família, a sua maior musa é a música.
Quem é Stéphane Ferreira?
Comecemos pelas minhas raízes. O meu pai é duriense e a minha mãe é alentejana, conheceram-se em França, ondeeu nasci e vivi até aos meus 10 anos. As minhas férias em Portugal foram passadas na maioria no Alentejo com a minha família materna, pois a minha avó paterna faleceu quando eu era bastante novo, e o meu avô Pôpa, antes de eunascer. Portanto esta ligação ao Douro e à história da minha família paterna (re)acendeu quando em 2003 o meu pai comprou a propriedade e começou a partilhar connosco este sonho que tinha com o meu avô Francisco (o Pôpa).
Academicamente, sou formado em Gestão de Marketing e Eventos e pós-graduei-me em Enologia. Portanto, a minhacarreira profissional iniciou-se na área de gestão de eventos para grandes marcas nacionais em Lisboa, e em 2010 deuum twist quando decidi iniciar o projeto Quinta do Pôpa, com o apoio da minha família e do Eng. Luís Pato.
Sou pai da Francisca (9 anos) e do Zé Pedro (7 anos), duas crianças maravilhosas, que são a minha maior alegria.
Assim como o vinho, adoro música, de diferentes estilos. E complemento que também gosto de arte e passo grandeparte do meu tempo livre a pintar ou a desenhar, inclusive com os meus filhotes.
Assume-se como um espírito livre, com uma grande paixão pela música e de um carisma muito semelhante aoseu avô. De que forma essas influências e o amor pela música estão presentes na sua abordagem à produçãode vinhos e no estilo/perfil de vinhos da Quinta do Pôpa?
Como diria o músico, foi “à procura da batida perfeita”! (risos). Encontrar o caminho certo não foi fácil, implicou e continua a requerer muito trabalho. E audácia! Pode-se dizer que este meu espírito livre, de me manter fiel aos meus valores e à minha intuição, são os pilares do meu percurso. Na Quinta do Pôpa temos vinhos com estilos diferentes, mas todos com a mesma espinha dorsal, o que lhes confere uma assinatura própria. E do que me orgulho mais é que ao longo destes anos mantive-me fiel a essa assinatura. Os nossos vinhos são precisos, elegantes e frescos com extrações reduzidas e com uso de madeira que respeita e se equilibra com a matriz do vinho. Ao provarmos a mesmareferência mas de diferentes colheitas, a diferenciação do ano em termos climáticos é percecionada, seja por casta oupor parcela, e a expressão do lugar é preservada. Quanto ao carisma, facilitou a construção de boas e longas amizades (de cariz pessoal e comercial) no mundo vínico.
A Quinta do Pôpa tem uma história fascinante e muito ligada à família, desde o seu avô Francisco Ferreira atéaos seus pais. Em que aspetos a história da família se reflete no trabalho que se faz na vinha hoje em dia? Tem algum momento ou valor que lhe foi transmitido e que o inspire no seu dia a dia como enólogo?
Desde pequenos que o nosso pai nos diz: “façam muito, com pouco”. E penso que este é um excelente ponto de partida para responder à vossa questão.
O Douro é uma região muito difícil de se trabalhar na vinha e fascinante em adega. Só quem trabalha na nossa região conhece as dificuldades que é trabalhar no terreno, principalmente quando temos vinhas íngremes e que dependem exclusivamente do trabalho manual. E o próprio clima, propício ao oídio e míldio. Talvez aí resida o “muito”! Mas o resultado são uvas de excelente qualidade. E o “menos” acompanha esta qualidade com a mínima intervenção em adega, fermentações espontâneas, micro vinificações por casta e parcela, etc., que dão origem a vinhos autênticos e equilibrados.
Relativamente ao momento, uma coisa é certa, não há momento maior/melhor do que o de abrir uma garrafa que por siconte a história dessa colheita e que me acompanhe a contar a história da minha família e do nosso projeto!
Em 2010, assumiu a liderança da quinta juntamente com a sua irmã Vanessa e, desde então, tem conseguido criar uma marca forte e resistente. Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao liderar o projeto familiar e ao estabelecer a identidade da marca neste mundo competitivo que é o mercado de vinhos?
Vejamos, os desafios continuam a existir! Mas penso que aqueles que exigiram maior resiliência da nossa parte nosprimeiros anos foram o termos como core vinhos tranquilos, quando a notoriedade do Douro estava maioritariamentecotada no vinho do Porto; e penso que a segunda foi entrar num mercado dominado por grandes marcas, com um grande historial em produto e relações comerciais.
A sua capacidade de liderança e a sua visão ajudaram a Quinta do Pôpa a conquistar destaque e notoriedade. Como é a sua gestão do trabalho em equipa e a construção de uma cultura dentro da empresa? Qual é o papel da sua equipa na criação dos vinhos que produzem?
Todos os membros da nossa equipa são pilares. E família! Acredito que a melhor forma de gerir uma equipa é sempre envolvendo os seus membros, não só no trabalho diário, mas também na criação da estratégia. Como líder, a minha principal função é motivá-los e mantê-los nesse caminho que definimos, juntos!
A Quinta do Pôpa carrega uma forte ligação à tradição do Douro, mas ao mesmo tempo, o Stéphane conseguiu implementar uma frescura e inovação aos vinhos. O que significa para si essa nova abordagem “new wavywines” aos vinhos do Douro e como se reflete no produto final?
Esta questão é bastante controversa. Vejamos, a decisão de produzirmos vinhos mais frescos, precisos, a revelarem a sua proveniência, não significa que não estejamos a respeitar a tradição. Pelo contrário, estamos a revelar (no copo) o Douro de uma forma mais purista e não a camuflá-lo.
Com a sua paixão pela música, é impossível não o questionar se existe alguma relação direta entre a sua experiência musical e a forma como cria ou interpreta o vinho? Como é que a música influencia o ambiente de trabalho ou até mesmo o processo de vinificação?
Eu gosto e procuro sempre o equilíbrio, quer na música quer no vinho! Se existirem boas ferramentas (melodia, instrumentos, vozes, letras…) e uma excelente técnica (assim como no vinho) fazem-se excelentes músicas. Contudo, segundo o meu ponto de vista, a forma como se decide equilibrar ambos é o que garante uma assinatura. Daí eu ser fiel a bandas ou produtores de música, e não tanto de singles. E enquanto produtor de vinhos, é neste enquadramento que quero que o consumidor se relacione com a minha marca – como um todo e não exclusivamente a um vinho! E também há aqui um ponto, que não está na questão mas que penso ser importante relembrar: tanto uma boa música como um bom vinho (ou juntos) trazem-nos memórias! E quando excelentes, bem feitos, podem tornar-se intemporais! Emocionalmente gosto da partilha de momentos de que os nossos vinhos fazem parte, assim como dos momentos que os nossos visitantes usufruem na nossa quinta em contacto com o nosso projeto, a nossa equipa, a nossa essência. E sendo um projeto relativamente recente, também me marca muito o abrir de uma garrafa das primeiras colheitas (2007, 2008…) e perceber que esse vinho está vivo! Deixar-me-á ainda mais orgulhoso se as minhas próximas gerações também sentirem tudo isto!
Quanto à música no ambiente de trabalho, sozinho ou acompanhado, ela está sempre lá! Na vindima está sempre com o volume máximo (risos); a playlist é extensa e o estilo influencia o nosso ritmo, e acredito que o das fermentações também.
Assim como os nossos antepassados, eu acredito bastante que não só as vibrações, como as fases lunares, entre outras coisas, nos influenciam a nós, à vinha e ao vinho!
A sua irmã Vanessa tem um forte foco na sustentabilidade e no enoturismo. Como é que essas áreas se integram com o seu trabalho como enólogo? Em que medida aplicam esses conceitos e práticas de sustentabilidade no projeto e se é uma prioridade para a Quinta do Pôpa essa intervenção e equilíbrio dos recursos?
Eu e a minha irmã dedicamo-nos a áreas diferentes no projeto, mas complementares. No que diz respeito ao enoturismo, é um serviço de fidelização de marca, in loco, que acrescenta conhecimento e experiência aos nossos visitantes aquando em contacto com o nosso projeto e os nossos vinhos. Costumo sempre dizer que não há melhorforma de conhecerem o nosso trabalho e os nossos vinhos, do que aqui em casa! Referente ao plano de sustentabilidade da Quinta do Pôpa, é integrado e transversal a toda a empresa, i.e. abrange todas as nossas decisõese práticas diárias, sejam estas ambientais, econômicas e/ou sociais. E tem como propósito maior garantir que todos osnossos recursos também possam ser explorados pelas nossas gerações futuras.
O Douro é uma das regiões mais emblemáticas e cheias de história e tradição, mas de forma natural está a passar por mudanças e adaptações significativas. Como enólogo e líder de um projeto inovador, como vê o futuro da viticultura na região do Douro? Que tendências ou transformações acha que podem marcar o futurodos vinhos nos próximos anos?
As mudanças continuam, só gostaria que fossem mais promissoras! Vou tocar num ponto sensível mas que teve um impacto avassalador nesta última vindima, que foi a cessação de contratos de compra de uva de grandes produtores com pequenos e médios viticultores, pelo excedente de vinho que têm em adega. Que, a meu ver, pode ter um impacto negativo, nomeadamente levar ao abandono dessas vinhas e cessarem essa atividade; por outro lado, que estes viticultores comecem a dar oportunidade de compra a pequenos e médios produtores que não estejam focados na quantidade, mas sim na qualidade de parcelas únicas, das diferentes sub-regiões, com diferentes personalidades. Que é o nosso caso!
No que respeita ao produto/vinho, há já todo um trabalho de valorização da região (da marca) Douro, mas a meu ver – por parte do consumidor – há toda uma perceção excessiva de complexidade associada aos vinhos da região, assim como do vinho do Porto. O consumo de vinho do Porto desceu imenso por ser percecionado como um produto complexo, comunicado como sendo complicado de se consumir, requerendo técnicas até na abertura da garrafa, etc. e a verdade é que deveríamos produzir e promover este produto único de forma ajustada às novas gerações.
Para terminar como habitualmente nas nossas entrevistas, se existisse uma cápsula do tempo que palavras ouconselhos gostava de deixar a serem recordadas para as próximas gerações? Quer seja numa perspetivaprofissional ou pessoal, o que deixaria escrito?
Deixo o nosso mote – “Always Follow your Dreams” – pois somos todos muito mais felizes a batalhar e a trabalhar nos pelos nossos sonhos. E a nossa assinatura – “Dream, Create and always Celebrate” –, pois para além de sonhar e trabalhar em prol dos nossos sonhos, devemos criar-nos individualmente no nosso processo através da experiência, da aquisição de conhecimento e de experiências; e, nunca esquecer, de celebrar sempre, pequenas e grandes vitóriasjunto daqueles que nos apoiaram neste percurso!