MIGUEL GUIMARÃES

SAÚDE MILITAR

A pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV2 contribuiu também para um momento crítico de mudança na geopolítica mundial. A guerra na Europa e no Médio Oriente precipitou alterações marcadas na geoestratégia e políticas de alianças, com impacto significativo na complexidade e imprevisibilidade na relação entre países e blocos políticos. A própria North Atlantic TreatyOrganization (NATO) sentiu a necessidade de se reorganizar e reforçar a sua capacidade militar de defesa, prevenção e segurança.

O Estado Português tem também a missão de cumprir a Constituição da República Portuguesa e de acompanhar as decisões europeias de reforçar as suas Forças Armadas. Para além do nosso papel no âmbito tradicional estritamente militar, temos, cada vez mais, de reforçar a nossa resposta em missões internacionais humanitárias e de paz, e estar em estado de prontidão para colaborar com as autoridades civis, nomeadamente em situações de emergência.

A Saúde tem sido considerada como uma prioridade fundamental pelos governos e pelas pessoas. Neste momento, o défice de profissionais de saúde é uma realidade incontornável a nível mundial e continuará a agravar-se nos próximos anos. As causas são conhecidas. As alterações demográficas e consequentes políticas públicas,associadas à rápida evolução da medicina e da ciência e às elevadas expectativas dos cidadãos, constituem fatores decisivos na elevada pressão que existe sobre os serviços públicos de saúde.

Repensar o SSM

Em Portugal, o Sistema de Saúde Militar (SSM), em termos genéricos, acompanha as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em geral. Mas, de uma forma maisserena, à margem dos holofotes públicos. O SSM constitui uma parte essencial das Forças Armadas em cenários de guerra, em missões humanitárias ou em tempo de paz, e na cooperação entre instituições civis e militares, como aconteceu, por exemplo, durante a recente pandemia. Apesar do papel essencial do SSM e das Forças Armadas durante a pandemia que provocou a doença Covid-19, a Saúde Militar (SM) atravessa uma crise complexa a nível nacional e internacional, em que a concorrência, por capital humano e pela inovação tecnológica, com o setor civil tem limitado a sua capacidade operacional e assistencial. Por isso, o SSM necessita de ser repensado à luz de uma reforma centrada na reorganização, no reforço de equipamentos e meios tecnológicos, e na capacidade de retenção de capital humano. E para tal, a valorização do papel essencial da SM tem de ser refletida num conjunto de medidas que possam servir o objetivo de reforçar o SSM, fortalecendo um sistema integrado que seja transversal aos diferentes ramos das Forças Armadas, com uma gestão moderna e flexível, capaz de melhorar o estado de prontidão, a qualidade dos recursos humanos e dos equipamentos e a prestação de cuidados de saúde qualificados aos militares e às suas famílias.

Para além da restruturação em curso no Hospital das Forças Armadas (HFAR) e das sugestões contidas nos relatórios do Estudo de Avaliação do Sistema de Saúde Militar e da auditoria do Tribunal de Contas ao HFAR (que podem ser consultadas nos respetivos documentos), a capacidade militar do HFAR e das outras estruturas orgânicas do SSM, devem desenvolver componentes específicos para melhor atingir objetivos internos e externos. O Gen. Carlos Lobato Sousa no seu trabalho de investigação individual (2023) deixa-nos pistas importantes, devidamente avaliadas, que merecem ser conhecidas, debatidas e, na minha opinião, implementadas. A doutrina constitui o elo de ligação que une um conjunto de componentes das capacidades militares. Por isso, o seu conhecimento e potencial adaptação ao momento atual constitui um momento essencial neste debate.

Pilares principais

Existem quatro pilares principais que devem ser tidos em conta para reforçar o SSM, a nossa capacidade de resposta e o nosso estado de prontidão.

Tornar atrativa a carreira militar em geral e para os médicos e outros profissionais de saúde, melhorando a capacidade de recrutamento e de retenção; sem recursos humanos especializados e diferenciados é muito difícil responder aos múltiplos desafios que temos pela frente.
Aumentar o Orçamento do Estado para a Defesa Nacional, cumprindo as diretivas emanadas pela União Europeia, para que Portugal possa fazer os investimentos necessários em recursos humanos e em equipamentos e infraestruturas, dando também condições às Forças Armadas para desenvolver e investir em treino diferenciado, formação, investigação e inovação.
Criação de parcerias com os hospitais do SNS, com as universidades e com outros hospitais militares de países da NATO, potenciando a cooperação bilateral, ainteroperabilidade e a formação e desenvolvimento profissional contínuo; nesta perspetiva, é igualmente importante que o SSM, e em especial o HFAR, sereorganize, modernizando várias áreas de intervenção, no sentido de lhe ser reconhecida competência, idoneidade e capacidade formativa para ter internatos médicos (tempo total ou parcial) em algumas especialidades críticas para as Forças Armadas.
Implementar e valorizar, em paralelo com a carreira militar, a carreira médica e a carreira de outros profissionais de saúde, e promover formação pós-graduada nas áreas da liderança e gestão de unidades de saúde, estabelecendo para tal as parcerias adequadas.

O SSM é essencial para toda a família militar, para as Forças Armadas, para a sociedade civil. E este é o momento certo para reforçar a capacidade operacional e assistencial das Forças Armadas, incluindo o SSM.

Referência: Trabalho de Investigação Individual do CPOG 2022/2023: O HOSPITAL DAS FORÇAS ARMADAS NA MANUTENÇÃO DO POTENCIAL DE COMBATE.General Carlos Lobato Sousa

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