FERNANDO LEAL DA COSTA

INDEPENDÊNCIAS

Em 2021, a propósito das eleições autárquicas, escrevi no Observador uma pequena crónica a que chamei “O Pacote”. Nela defendi a ideia, de que sou adepto, dos círculos uninominais. Círculos em que possam concorrer verdadeiros independentes, daqueles que não precisem de assinar manifestos para poderem “pertencer” e, dessa forma, concorrer em listas partidárias para, obviamente, deixarem de ser independentes. Nessa crónica deixei o seguinte parágrafo: “Ora, na defesa de um papel exclusivo na conquista e conservação do poder, os partidos criaram um sistema constitucional e administrativo onde a vida de independentes é muitíssimo difícil. A voz independente é aquela a que ninguém deve ligar, o incómodo que se silencia, não se cita e se tenta esquecer. É difícil pensar por si, ser salutarmente individualista nas ideias e na forma de ver o mundo. Nem todos querem ser de esquerda ou direita, como os partidos assim definiram o espetro nacional. Há pessoas que não se conseguem rever em nenhum partido dos que existem ou que não teriam paciência para aturar um qualquer iluminado a que se convencionou chamar de ‘líder’ mesmo quando é só ‘chefe’. Há cidadãos que gostam de dizer o que lhes apetece, mantidos o decoro e civilidade, sem quererem ser confundidos com o chorrilho de disparates em que o politiquês nacional se transformou. E, no meio dessas pessoas, ainda há quem acredite que pode fazer a diferença e aceite disputar eleições. Merecem um enorme respeito”, até porque, como também afirmei, “o problema maior é encontrar quem se queira candidatar a qualquer coisa”. Continua atual.

Os partidos parece que redescobriram os “independentes” a quem acolhem no seu seio maternal para deles fazerem bandeira de pluralidade. Mas a descoberta dos “independentes” no atual sistema eleitoral não corresponde à preservação da independência dos circunstantes. Ao serem parte de listas partidárias deixam, consequentemente, de ser independentes e passam a ser conteúdo de um continente que não é o seu. Movem-se, julgo eu, mais pelo interesse nacional, o de servir, do que pela perceção de que poderá ser bom estar dentro e não de fora. Mas aceitam limitações na expressão de opiniões, que lhes tira o que de melhor teriam, ser independentes. Têm de fazer um negócio em que vendem uma parte da alma. Alguns, é sempre assim, fazem-no pela necessidade de ser visto, ser “alguém”, talvez chegar a um lugar de governo. Estes últimos desconhecem o inferno que se dispõem a suportar e raramente antecipam o que os esperaria. Outros, como disse, querem experimentar a política e ainda há uns quantos, mais raros, que começam assim e acabam assado, ou seja, militantes. Há gostos para tudo. Seria tudo mais claro com círculos uninominais em que o candidato desse a cara, solitário.

Mas há questões que os “independentes” em listas partidárias nos revelam sobre o sistema político. Os partidos assumem que não têm quadros suficientes, em número e qualidade, entre os seus “profissionais”. Um mau prenúncio. Na verdade, com a exceção de muito poucos, a política ainda é feita por amadores que se ocupam a filosofar nos fins de tarde dos dias de trabalho ou de desocupados que não conseguiram arranjar profissão melhor. Há desses em todo o espectro. São voluntários que devemos saudar. E a senda sôfrega por independentes que vêm para dar credibilidade a partidos em que ninguém acredita, também nos revela quão frágil está a imagem dos ditos partidos, até dentro deles. Os supostos independentes acabam por ser uma amálgama sem linha que os una claramente, para lá da boa ou má vontade que os tenha feito assinar de cruz uma montra de “personalidades”. E quem nos garante que ter o apoio de sicranos e beltranos, listados em “pacotes” cheios de gente evitável, é certeza de mais votos? Em breve vamos saber. Pelo menos, se algum resultado for menos bom, já haverá uns “independentes” para crucificar. Só por isso, “merecem um enorme respeito”.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *