ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

OS SISTEMAS DE SAÚDE EM TRANSIÇÃO

Nos últimos 50 anos, uma das medidas mais importantes para aferir o grau de desenvolvimento humano e civilizacional têm sido os indicadores de saúde. As sociedades modernas reconheceram, no universo dos seus valores, a relevância individual e coletiva do direito à saúde. De uma forma geral, os Estados foram-se organizando no sentido de dotar, progressivamente, os países com as respostas, em saúde, mais adequadas e ajustadas aos respetivos padrões de desenvolvimento, tendo em conta as suas condições sociais e económicas. Neste longo processo de transição, o peso das doenças crónicas – doenças cardiovasculares, doenças vasculares cerebrais, doenças mentais, cancro, diabetes – tem vindo a sobrepor-se, significativamente, à doença aguda. Esta nova dimensão dos problemas e das necessidades em saúde tem contribuído para modificar os modelos de organização e os tipos de resposta, reorientando os sistemas de saúde para uma capilaridade sistémica, baseada na proximidade e no trabalho em rede. Com efeito os sistemas de saúde, de uma forma geral, confrontam-se com um excesso de hospitais de agudos em detrimento de camas de convalescence de curta, média ou de longa duração. As áreas da reabilitação e do apoio domiciliário não estão ainda preparadas para responder a esta nova “revolução”, epidemiológica e demográfica, aparentemente silenciosa mas com graves repercussões sociais e económicas no médio e longo prazo. As questões que hoje se colocam, aos sistemas de saúde, são por estas razões muito complexas e recomendam uma reflexão muito profunda. É fundamental uma abordagem multidisciplinar que tenha em conta os contextos locais para além das questões de natureza política, social e económica. A expressão “think global act locally” ganha razão face à tendência de “microespecialização” dos problemas sociais e de saúde. A integração de cuidados é fundamental para que o cidadão possa ser a centralidade do sistema. A abordagem do doente crónico, na maior parte das vezes idoso, com problemas de isolamento, baixo nível de rendimento e de conhecimentos, requer cooperação interinstitucional e intersetorial. Problemas como a subnutrição, o excesso de medicação, a falta de adesão e cumprimento da terapêutica agravam os riscos de co-morbilidade e agravam as condições nosológicas de base. É muito importante que os sistemas de saúde sejam capazes de promover uma maior integração entre níveis, com reforço do pilar cuidados de saúde primaries e dos cuidados continuados integrados, fazendo, igualmente, um maior apelo à responsabilização individual nos atos de consumo em saúde. Em tempo de crise, a reorientação global do sistema de saúde constitui uma oportunidade para conjugar as estratégias de saúde com os modelos de organização, tendo em conta a eficácia das respostas requeridas face às necessidades dos cidadãos.