CARLOS MARTINS

 

BIORRESÍDUOS – Um novo desafio à governança e aos comportamentos ambientais. Portugal conheceu, no final da década de 1990, um caso de grande sucesso nas políticas públicas de resíduos, com particular foco na gestão dos resíduos urbanos. Em cinco anos, entre 1997 e 2002 foi possível proceder ao encerramento de mais de 350 lixeiras, construir uma rede de novas infraestruturas de eliminação, tratamento e valorização de resíduos urbanos, cumprindo as mais exigentes normas ambientais comunitárias e instalar um sistema logístico de ecopontos, viaturas e unidades de triagem para promover a recolha seletiva do fluxo de embalagens de papel/cartão, vidro, plásticos e metálicas. Mas os sucessos passados não asseguram sucessos futuros e por isso é importante prosseguir um caminho que promova maior nível de ambição e um alinhamento de vários instrumentos de política que possam dar contributos decisivos para uma convergência com os desafios ambientais globais atuais. O Pacto Ecológico Europeu aponta para objetivos ambientais mais ambiciosos e integra alterações de paradigma em matéria de ação climática, alinhados com Acordo de Paris, que concorrem para a Neutralidade Carbónica e para uma Economia Circular. Em matéria da gestão de resíduos, essa ambição está plasmada nas orientações de três novas diretivas: Diretiva Resíduos, Diretiva Embalagens e Diretiva Aterros. Uma leitura conjugada desses instrumentos legislativos implica mudanças muito significativas nas metas de reciclagem e valorização de resíduos urbanos. Teremos de, num prazo de 10 anos, duplicar os valores de reciclagem e valorização e reduzir a um terço o encaminhamento atual de resíduos para aterros. Estes novos objetivos vão implicar alterações muito significativas nos modelos de gestão a que estamos habituados em Portugal. Alterar hábitos nesta área implica mudar os comportamentos dos cidadãos, mas sobretudo uma profunda reavaliação do modelo de governança pelos municípios e pelos sistemas de gestão intermunicipais e multimunicipais.

Articulação entre operadores municipais –A obrigatoriedade de generalizar as redes de recolha seletiva de biorresíduos ou a sua separação e valorização na origem vai determinar uma alteração profunda na forma como se processa atualmente a recolha de resíduos indiferenciados, implica grandes alterações nos comportamentos de rotina dos cidadãos e, seguramente para assegurar sucesso a custos comportáveis, determina a criação de parcerias intermunicipais para ganhar eficiências de escala, ao mesmo tempo que se impõe uma maior articulação entre operadores municipais e sistemas de gestão intermunicipais e multimunicipais. Tendo em conta que um importante número de municípios recorre a prestações de serviços de empresas privadas para a prestação dos serviços públicos de recolha de resíduos indiferenciados, também os modelos de contratação e os mecanismos de remuneração dos serviços terão de ser repensados à luz de um quadro de operação diferenciado. Alguns casos-piloto desenvolvidos a partir de 2018, com apoio de fundos comunitários, trouxeram indicações e dados que permitem dar os próximos passos com maior nível de confiança. A título de exemplo, o caso piloto desenvolvido pela empresa municipal de ambiente de Cascais, baseado em sistemas de sacos de cor diferenciada, mas utilizando a logística de recolha já instalada e os mesmos meios, aproxima a solução de uma situação próxima das rotinas dos cidadãos, sendo-lhes apenas pedido uma separação na origem.Essa experiência evidenciou a importância de articular os sistemas municipais com a empresa de gestão regional responsável pelas infraestruturas de tratamento e valorização, neste caso com a TRATOLIXO. Ficou também evidente num primeiro balanço a adesão dos cidadãos, relevando o importante papel da sensibilização e mobilização dos mesmos para as causas ambientais. É comum noutros casos-piloto a relevância da articulação entre entidade gestora municipal e os cidadãos e também melhor articulação com a entidade regional que vai valorizar os biorresíduos.

Recolha seletiva de biorresíduos – Em Portugal os biorresíduos, representam, em peso, um valor de cerca de 40% dos resíduos urbanos produzidos, o que nos dá uma sensibilidade à complexidade que a sua separação e recolha de forma seletiva vai representar. Este novo desafio colocará mais evidente a importância dos cidadãos adotarem práticas de redução de desperdícios alimentares, que atualmente na sua cadeia de valor podem representar quase 30%.Os municípios terão de reorganizar as suas rotas de recolha, pois os biorresíduos têm períodos de recolha bem mais exigentes que as restantes frações indiferenciadas ou recicláveis, implicando uma reflexão que não deve deixar de equacionar, em muitas regiões do país, a possibilidade de promover soluções de natureza intermunicipal, para redução de custos operacionais e captar economias de escala. Melhorar a articulação entre sistemas de recolha, com as entidades gestoras regionais intermunicipais e multimunicipais é também um imperativo, para um planeamento adequado dos investimentos e das soluções tecnológicas a adotar.Os custos de uma recolha seletiva de biorresíduos podem ser muito significativos, em áreas de baixa densidade populacional e em municípios de povoamento muito disperso, pelo que sempre se impõe uma avaliação que pondere os ganhos ambientais com a sustentabilidade económica e impactos sociais. No que respeita à prioridade da hierarquia de gestão de resíduos, a prevenção, traduzida numa redução da sua produção, temos uma situação mediana no contexto europeu, sendo certo que o comportamento deste indicador tem sido mais influenciado pelos ciclos económicos e pelo rendimento das famílias do que por medidas estruturais do lado de novos modelos de consumo.

 Valores ambientais – A trajetória da recolha seletiva do fluxo das embalagens permitiu que Portugal fosse cumprindo metas, sempre no limiar dos valores mínimos dos objetivos e metas, mas mesmo assim numa situação que coloca o nosso país na média europeia. Infelizmente assistimos a uma estagnação dos indicadores de recolha seletiva destinada a reciclagem, sendo que, pese embora uma crescente adesão a valores ambientais, os cidadãos que têm comportamentos alinhados com esses valores não ultrapassam os 65%.A pandemia Covid-19 tornou muito claro, em Portugal e no mundo, que o sucesso de algumas políticas públicas passa em larga medida por comportamentos cívicos dos cidadãos e que devemos valorizar valores coletivos face a interesses e visões individuais.O futuro da nossa economia vai passar por matérias-primas alternativas que têm origem num modelo assente na Economia Circular, em que para além do ecodesign, terá de se aumentar a vida útil de produtos, a facilidade da sua reparação ou recondicionamento, suportado numa sociedade que promova maiores taxas de reciclagem, pois não existem matérias-primas virgens para alimentar o modelo linear tradicional.

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