ALEXANDRE MESTRE

A INFLUÊNCIA DO DESPORTO – SÁ CARNEIRO: Não foi mesmo um “Desportista de  Bancada”! Tinha 6 anos quando Francisco Sá Carneiro faleceu. Apenas muitos anos depois me interessei por saber quem foi este homem, terreno como nós, mas que se tornou num mito, pelo que era, pelo que fez e pelas circunstâncias da sua morte: uma morte prematura e pressentida pelo próprio, e que foi tão trágica quanto de causa pouco esclarecida.

Trata-se de um homem que é, hoje, quase consensual, e que marcou indelevelmente a política portuguesa, cujo percurso desperta toda a atenção. Foi na busca de conhecer mais, de saber mais sobre o homem, o advogado e o político, que fui em busca do seu trajeto, dos seus discursos, da sua obra. Quis conhecer a sua vertente humana, seus defeitos e suas virtudes, até porque quanto mais leio biografias, mais constato o quão o lado pessoal do biografado explica as suas façanhas. Ora, nessa busca detive-me, a dado passo, na forma como o desporto esteve presente na vida de Sá Carneiro. Há um momento, polémico e marcante, nas suas funções políticas, que ocorreu há quarenta anos, então como primeiro-ministro, e que se prende com o “boicote português” aos Jogos Olímpicos de Moscovo, matéria que conto analisar, ainda este ano, mas noutro contexto e num prisma jurídico-institucional. Aqui, socorrendo-me de várias obras e testemunhos, quero apenas deter-me na influência da prática do desporto na vida de Sá Carneiro, enquanto vetor que também ajuda a explicar o seu perfil, o seu caminho. 

Educação pelo desportoHá um primeiro registo que queria assinalar, ligado à importância que Sá Carneiro sempre deu à família, à educação e aos valores inerentes, e que no caso se materializa na educação pelo desporto. Foi na família que Francisco Sá Carneiro herdou os hábitos desportivos, aliás, ecléticos, diversificados. Como conta Maria João Avillez (1), na conceção que o casal Sá Carneiro tinha de uma ‘completa educação’, a prática do desporto assumia uma espécie de ponto de honra. O pai chegou a fazer instalar no último andar da casa um ginásio com vários aparelhos – um espaldar, uma barra fixa, um banco – onde o professor Marques exercitava a prole nas virtudes da ginástica respiratória. E, muito cedo, começaram a montar a cavalo. O picadeiro, situado ao cimo da Rua Passos Manuel, pertencia ao cavaleiro Mário Moreia que lhes dava lições de equitação, à vez ou em grupo. Francisco vivia com um entusiasmo sereno lições e passeios. No entanto, preferia o ténis”. E, claro, esse legado foi passado por Sá Carneiro, já como pai, aos seus filhos. Miguel Pinheiro (2) conta o que se passava na casa de Barcelos: “além da natação, seguiam os programas organizados por Francisco: jogos de futebol, partidas de ténis, passeios e idas à pesca num pequeno barco a remos cor-de-laranja que, por causa da fata de jeito de todos, acabava quase sempre por se virar. 

Dez minutos de ginástica diáriosNum segundo momento, julgo interessante notar que Sá Carneiro privilegiava as modalidades individuais, por certo fruto da sua personalidade, que muitos descrevem, como a de um homem tímido, até individualista (no bom sentido da palavra). A este propósito, Manuel Margarido (3) revela-nos um Sá Carneiro pouco dado a atividades desportivas em equipa e reuniões sociais Conhecido igualmente por ser extremamente determinado, metódico, disciplinado e persistente, Sá Carneiro, em discurso direto, partilhou, em 1979, o seguinte: “Levanto-me todos os dias antes das oito, faço dez minutos de ginástica diários, enquanto oiço as notícias (4). Uma partilha que, diga-se, do ponto de vista do exemplo a dar aos Portugueses, quanto à importância da prática regular do desporto, da atividade física, se revelou, naturalmente, útil. E quem dera que todos os primeiros-ministros que lhe seguiram tivessem os mesmos hábitos e fizessem a mesma partilha… Lutador incansável pelas causas em que acreditava, Sá Carneiro terá, no que tange à prática do desporto, encontrado um dos múltiplos casos em que teve de encarar limites, contornar obstáculos, encontrar alternativas. Manuel Margarido (5) salienta que já no Exército descobrem-lhe um grande desvio na coluna, que o dispensa de terminar o serviço, com a recomendação de que não pratique desportos que lhe afetam o problema, nomeadamente o ténis ou mesmo andar de lambreta. Por sua vez, Manuel Pinheiro (6) lembra que Sá Carneiro chegou a ter aulas de golfe, mas foi um entusiasmo breve – mais uma vez, teve de desistir por causa das costas. A natação acabou por ser o melhor recurso. 

O gosto pelos desafiosA bravura e a luta de Sá Carneiro contra as adversidades – existentes mas também intencionalmente provocadas – encontraram efetivamente na natação um exemplo eloquente e a vários níveis. Como conta um dos seus irmãos, num documentário televisivo, foi na Granja, “na praia, na piscina, [que] aprendeu o Francisco a nadar. E nadou muito. Porque esse era o desporto que ele mais gostava e que ele pôde praticar até ao fim da vida. Ora nessa praia, onde também “fazia corridas de bicicletas” e “jogava ténis (7), Sá Carneiro evidenciava o gosto pelos desafios, sem medo, contra tudo e contra todos se necessário fosse: nessa pequena localidade de caras com o mar bravio, Francisco Sá Carneiro não se amedrontava com a ondulação traiçoeira e ia a banhos com o sorriso no semblante (8). Na verdade, quando já sabia nadar, Francisco adorava ir para o mar, apesar das correntes fortes e das ondas, que na altura se dizia que eram ‘capazes de derrubar um toiro. Maria Francisca ficava a vê-lo da praia, preocupada (9). Também num documentário se percebe que, para descansar, aos fins-de-semana, fora da vida política de Lisboa, longas braçadas na piscina eram um dos maiores refúgios de Sá Carneiro. E foi num outro testemunho televisivo que o freire Bento Domingues, seu amigo pessoal, lembrou que quando Sá Carneiro, em Espanha, estava muito doente, “muito fragilizado”, a piscina serviu de referência no traçar de metas, na busca da recuperação, da evolução: “a grande ambição dele era conseguir fazer uma piscina de uma ponta à outra”… 

E outros exemplos há que nos ajudam a melhor perceber o Homem, o Advogado e o Político, e que ilustram o verdadeiro sentido de uma frase do próprio Sá Carneiro, que virou autêntico aforismo: “Se nos demitirmos da intervenção ativa, não passaremos de desportistas de bancada, ou melhor, de políticos de café. 

(1) Maria João Avillez, Solidão e Poder, Lisboa, Oficina do Livro, 2010, p. 29. 

(2) Miguel Pinheiro, Sá Carneiro: Biografia, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010, p. 119. 

(3) Manuel Margarido, Grandes protagonistas da História de Portugal: Francisco Sá Carneiro, Planeta Agostini, Lisboa, 2004, p. 33. 

(4) Maria Antónia Pires de Almeida, Pensamentos de Sá Carneiro, Lisboa, Clube do Autor, 2011, p. 193. 

(5) Manuel Margarido, op. cit., pp. 34-35. 

(6) Miguel Pinheiro, op. cit., p. 464. 

(7) Miriam Assor, Sá Carneiro: um político de coragem, Lisboa, Presselivre – Imprensa Livre, SA, 2010, p. 33. 

(8) Miriam Assor, op. cit., p. 33. 

(9) Miguel Pinheiro, op. cit., p. 59. 

 

 

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