SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA

MEDIDAS FISCAIS – O que aí poderá vir. Foi recentemente aprovado o Orçamento Retificativo, sendo que as projeções económicas para a zona euro e para Portugal antecipam uma recessão severa com uma quebra global do PIB da EU até 7,3%, e uma quebra em Portugal entre 6,9% (Governo) e 9,4% (projeção da OCDE). Aos indicadores que apontam para a maior quebra da história recente do produto, teremos de acrescentar o crescimento do desemprego para níveis de 2011 – entre 9,6% e 13,9%, um saldo orçamental (déficit) de cerca de 7% a 8% e a dívida pública a disparar para mais de 130%. São projeções avassaladoras e envoltas em grande dose de incerteza, pois que a retoma parcial de 2021 estará integralmente dependente das condições sanitárias e de saúde pública face a uma eventual segunda vaga da pandemia e a necessidade de novo confinamento (parcial ou total) no próximo inverno/primavera. O que parece certo é que diversos setores vitais para a economia portuguesa – como o turismo, a restauração e por via indireta o imobiliário – terão quebras significativas e a recuperação será lenta.  

É bom não esquecer que boa parte do investimento imobiliário em Portugal está suportada em investimento estrangeiro e alavancado nos programas do RNH [Residente Não Habitual] e do golden visa. A crise está aí a bater à porta, com o fim progressivo dos regimes de lay-off e o desemprego a explodir no último trimestre do ano. Importa recordar que ao abrigo do regime lay-off simplificado, as entidades empregadoras estão impedidas de cessar contratos de trabalho durante o período de aplicação das medidas de apoio e nos 60 dias subsequentes. Passado o verão e descontados os efeitos do desconfinamento e do verão, as empresas irão reajustar os seus quadros de pessoal face às necessidades de assegurar a liquidez e as projeções futuras de procura (para 2021 e 2022). Temos todos de estar preparados para o que aí vem. 

Orçamento RetificativoÉ neste contexto que deve ser lido o Orçamento Retificativo aprovado no Parlamento. O diploma contém diversas medidas que vão na direção certa em termos fiscais. Em bom rigor, o Governo ataca as 3 frentes principais: (1) prejuízos fiscais, com um regime especial para os prejuízos fiscais de 2020 e 2021, os quais passam a ser reportáveis para a frente por 10 anos (ao invés dos 5 anos para os demais prejuízos); (2) liquidez, ao prever a redução dos Pagamentos por conta em 50% ou na totalidade, consoante o nível de quebra de faturação nos primeiros seis meses de atividade e o setor onde a micro ou PME se insere; (3) investimento, com um regime fiscal de aquisição e transmissão de prejuízos fiscais de empresas em dificuldade e a criação de um incentivo fiscal que se traduz numa dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021, sendo o montante acumulado máximo das despesas de investimento elegíveis de € 5 000 000 (até 70% da coleta de IRC elegível). Claro que seria sempre possível ir mais longe, mas deve ser considerado o impacto orçamental de tais medidas, sendo que mais despesa fiscal significa menos receitas e maior pressão orçamental.  

Há aqui um equilíbrio difícil de gerir entre o apoio às empresas neste contexto de enorme dificuldade e a necessidade de manter alguma folga orçamental caso os impactos da crise perdurem para além de 2020. Acresce que nem todos os instrumentos de apoio assumem natureza fiscal, sendo que, nesta fase, se mostra vital: (1) assegurar liquidez e mecanismos de apoios de Estado em setores particularmente visados pela pandemia; (2) assegurar a viabilidade económica de empresas saudáveis até à pandemia; (3) assegurar a manutenção do emprego, sob pena de forte impacto social e nas contas do Estado. É um desafio complexo e no caso português depende dos mecanismos de apoio comunitários que vierem a ser acordados em sede do Conselho Europeu, bem como a manutenção das restrições sanitárias com forte impacto no setor do turismo, o qual representa quase 9% do PIB e cerca de 17% das exportações nacionais. Podemos sempre argumentar que eram necessárias mais medidas, mas estas vão na direção certa. 

Austeridade à vistaTodas estas medidas – as atuais e as futuras – terão um custo orçamental elevado e implicam mais dívida pública. Sem reformas estruturais e investimento produtivo e em tecnologia, dificilmente teremos taxas de crescimento que permitam gerar excedentes orçamentais significativos (que ocorram por via do crescimento económico). Diria que, abstraindo dos efeitos decorrentes do pacote de ajuda e recuperação da EU no valor global de 500 mil milhões de euros, o mais provável é o Governo continuar com as políticas atuais (de contenção orçamental do lado da despesa). O aumento de impostos contribuirá, inevitavelmente, para estrangular ainda mais a economia, pelo que o caminho terá de ser outro. Mas a austeridade pode chegar de várias formas, seja em mais impostos, seja em cortes na despesa e nos apoios sociais ou congelamento das progressões e acréscimos salariais na função pública. Não há milagres.

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