As eleições alemãs, que deixaram em suspenso os países europeus, e, sobretudo, os Estados intervencionados da zona euro, revelaram algumas surpresas para os analistas. A primeira foi a maioria quase absoluta alcançada por Angela Merkel, que lhe irá permitir ter um terceiro mandato como chanceler, feito só conseguido no pós-guerra por Konrad Adenauer e Helmut Kohl. De resto, Merkel é discípula deste último obreiro da reunificação alemã, embora com um passado diferente, dado que viveu na Alemanha de Leste e é protestante, o que lhe confere um rigor acrescido, característica muito apreciada pelo povo germânico, como se constatou nas urnas. A segunda surpresa foi a pulverização do mapa político do FDP, partido dos liberais democráticos, até agora parceiro de coligação da CDU/CSU de Merkel. O estado de choque foi enorme, dado que são uma entidade política que participou em praticamente todos os governos após a II Guerra Mundial, aliando-se ora à esquerda ora à direita. Isto significa também que, dado que não conseguiram atingir a fasquia de 5% necessária para ter assento no Parlamento, deixarão também de receber uma subvenção estimada em cerca de três milhões de euros, o que lhes tornará o regresso ao poder muito mais difícil. A terceira surpresa foi o score atingido pelo AFD, Alternativa para a Alemanha, partido criado em fevereiro de 2013 e com cerca de seis meses de vida, que defende como linha mestra programática a extinção do euro, considerando que este é uma moeda falida que ameaça a integração europeia, dado que empobrece as economias pouco competitivas, arruinando concomitantemente as mais desenvolvidas. Os seus dirigentes são reputados economistas, muitos deles dissidentes da CDU, e que já adotaram ações concretas e impugnaram a constitucionalidade junto do tribunal de Kalsruhe dos empréstimos alemães aos países em dificuldades, bem como o Fundo de Estabilidade da zona euro. Com os resultados deste partido, obtidos numa génese temporal recorde, fica aberta a discussão sobre o fim do euro ou a saída da Alemanha da moeda única, embora mais de metade da população alemã se declare profundamente europeísta e considere que a integração trouxe mais benefícios ao país do que desvantagens. A quarta surpresa foi o fraco resultado do SPD, o Partido Social Democrata e segunda força do espetro político alemão, que o líder, Peer Steinbrueck, não conseguiu contrariar. Antes poderá ter contribuído, com as suas gaffes, para o resultado que o deixa muito atrás dos tempos áureos de Gerhard Schroeder. Contudo, o SPD teve o mérito, ainda que com pouca convicção, dado que as questões europeias não mobilizam eleitorados, de dizer que Merkel estava a administrar doses mortais de austeridade ao países do Sul, defendendo um segundo Plano Marshall para resgatar as economias doentes e fragilizadas. Assim, a última surpresa é a de saber com que partido a CDU vai formar coligação, pois o sistema eleitoral germânico não permite que os partidos governem em minoria. Neste caso, dado que os Verdes foram abalados por escândalos dos seus dirigentes, mas sobretudo vampirizados por Angela Merkel após o desastre de Fukushima, ao declarar o abandono do nuclear até 2022, é pouco provável esta associação, até porque os alemães apreciam consensos alargados, o que pode reeditar a grande coligação do primeiro mandato de Merkel como chanceler com o SPD, embora agora em posição mais frágil devido ao fraco resultado obtido. Porém, a reedição desta aliança, presumivelmente, em nada vai alterar o rigor e a imposição de finanças saudáveis, designadamente em relação a Portugal, mas o SPD pode fazer lembrar à dama da cortina de ferro que não foi a inflação de Weimar, mas a violenta política de austeridade imposta aos alemães entre 1930 e 1932, que assegurou o sucesso eleitoral de Adolfo Hitler, com toda a subsequente galeria de horrores que se conhece.