JK, O NOME, A MARCA, A CONQUISTA DO MUNDO – Julia Kemper provém de uma família muito antiga na produção de muitos bons vinhos, por desporto e competição, mas nunca para comercialização. Quando herda a quinta dessas produções, inicia a sua história de conquista no mundo dos vinhos.
Julia Kemper, única e autêntica por aquilo que é e que faz, sendo fruto de um ambiente de excelência (emocional e intelectual) em que viveu, quando questionada sobre ser uma mulher do Dão, explica-nos que o Dão foi uma descoberta. Tudo começou nas visitas, em clima de férias, a uma das suas origens familiares e posteriormente ao herdar a quinta. Declara: “Tirou-me os pés do chão… e voei! Uma vez escrevi numa carta ao meu Pai que esta natureza falava comigo, ‘parece que sempre vivi no Dão (Dão terra)!’ Estava apaixonada!”
REGIÃO DO DÃO
Revela-nos que o Dão como região vitivinícola é sem dúvida a melhor. E quando ficou à frente da quinta e falou pela primeira vez às pessoas que a ajudavam a produzir as uvas, disse-lhes para tratarem bem a terra, limparem ervas e controlarem predadores, que a vinha iria brindá-los com as melhores uvas de que havia memória. Na altura em que tinha iniciado a cultura em bio e biodinâmica, que recorda como uma das melhores experiências da sua vida.
Quanto ao Dão como região produtora de vinho, a definição já centenária e como sempre foi definida diz tudo: elegante e gastronómica. Sem igual. Onde os vinhos são frescos devido à altitude e ao granito. Totalmente diferentes do xisto, que concentra muito calor, fazendo vinhos mais pesados. E é nos vinhos brancos que espanta, por serem tão tropicais, com aromas de fruta tropical. Diz-nos: “O jardim de Portugal é aqui na Beira Alta! As suas florestas diversas transmitem ao vinho tinto os aromas e sabores da fruta do bosque, da terra molhada, no outono, quando se procuram cogumelos. Nos vinhos tintos, é também essa frescura que os torna elegantes. E gastronómicos!”Julia Kemper conta-nos que com a internacionalização dos seus vinhos teve de pensar em como explicar de forma simples que características como frescura, elegância e gastronómico não eram mais do que uma decorrência de acidez. Que a acidez de que falava era uma boa acidez, aquela que promove na boca a salivação com que embrulhamos os alimentos, dizendo que essa é a origem da expressão “de fazer crescer a água na boca”, e desse modo o vinho do Dão conseguir pelos seus dotes naturais ser um masterpiece desse fenómeno. Ainda para a questão de como vê a região do Dão no futuro, confidenciou-nos que tudo o que é bom é cobiçado, e que durante muito tempo se abusou da marca DÃO, e tal como construir uma casa nova é muito mais fácil do que recuperar uma casa centenária, o Dão passou pela sua quase destruição, mas… os seus filhos (como ela) voltaram à terra. E que esses mesmos têm reerguido o Dão. Chamando muitos outros de fora, tanto portugueses como estrangeiros, atraídos por esta região maravilhosa, juntos estão a voltar a colocá-la no pedestal. Como região vitivinícola, nela existem cada vez mais playersnacionais e internacionais, que querem entrar no Dão, atraídos por aqueles que sabem realmente cuidar e valorizar o Dão, não esquecendo, claro, a atração pelas condições naturalmente preexistentes… Vinhos de uvas perfeitas, sem necessidade de artifícios e correções enológicas. “As excelentes omeletes fazem-se com excelentes ovos.”
DÁDIVA DA TERRA
A enóloga explica-nos que biológico e vegan são conceitos diferentes, embora os ligue a capacidade de poderem mudar as mentalidades, ou melhor, repescá-las. O biológico vai beber ao que se fazia bem, antes de a química de síntese e industrial tomar conta do mundo, da mesma forma que o vegan foi inspirar-se em culturas muito antigas que alimentaram milhões de pessoas com proteína vegetal. Perguntámos-lhe se é moda ou um novo conceito que está a ganhar lugar? E a sua visão é: o biológico para as grandes marcas é uma moda em que passa por uma lógica apenas de marketing e que por outro lado, para um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo, é realmente a constatação de que não há planeta B. Sendo ainda que o biológico, e foi assim que começou, é a consciência de que somos o que comemos, o que respiramos, apostando num ciclo que se pode renovar ano após ano, sem exaurir os recursos. Tratando corretamente o que a terra nos oferece e nos devolve em bons produtos. A ingestão de bons produtos fortalece todos os sistemas vitais do corpo humano no seu trabalho pela sobrevivência diária.
Confessa-nos que a intenção de permitir a exploração do lítio e outros metais e minerais no interior de Portugal é um atentado às vidas humanas e de quem vive nessas regiões, desde logo ao destruir o solo e gastar o mais escasso recurso, a água, e depois o de envenenar todos os sistemas vivos por onde irão circular as poeiras geradas, e contaminar as linhas de água e lençóis frenéticos.
EQUILÍBRIO
Para Julia Kemper a filosofia que segue no seu trabalho passa pelo equilíbrio dos mundos em que lidamos: o mundo humano e mundo natural. Que a felicidade no trabalho é algo que parece ingénuo, mas é totalmente possível quando o trabalho é a nossa vida e real. Não duvidando que está relacionado com a qualidade de vida que tem ao trabalhar com a natureza, que muitas vezes a faz esquecer da outra realidade dura que encaramos a nível social, político e económico. Muitas das vezes em que responde a certos concursos Bio, onde os preços pedidos são completamente impossíveis e irrealistas, comparado com o benefício de dar boas condições às pessoas, que é uma parte muito importante do custo do produto, o vinho! Ao terminar a entrevista, questionámos a enóloga como mulher, profissional, lutadora e persistente, sobre o que lhe faltava, esta surpreendeu-nos como uma mensagem global: “Convencer as pessoas de que não mudamos o mundo para melhor com as mesmas armas com que até agora o enfrentámos – reciclar é bom, mas o melhor é reduzir a quantidade do que tem de ser reciclado. Há pouco tempo, vi uns miúdos aqui de Mangualde a divertirem-se no rio Dão e pude ver (com muita alegria) que a par da toalha de banho traziam uma sacola para onde recolhiam o lixo (felizmente não é imenso) que iam encontrando. Esta mudança está a acontecer! Cada vez mais pessoas percebem que a natureza não aguenta mais poluição! Falta percebermos que o nosso planeta tem de ir sendo salvo por cada um de nós; implica reconhecer que há limites na sua exploração e as consequências desses abusos não se resolvem com a tecnologia do futuro, mas com o cuidar do presente.” Julia Kemper só finaliza o que dá por acabado, não sendo o caso da sua obra, que neste momento considera uma obra bonita, mas inacabada. Ainda está em processo para se tornar sempre melhor e continuará enquanto ela por aqui andar…