FERNANDO LEAL DA COSTA 

LINGUAGEM ESPECIALIZADA – Regresso ao futebol porque os últimos bombardeamentos noticiosos a isso me obrigam. Para lá das naturais desconfianças de que esta atividade circense seja mais uma das sedes de corrupção e lavagem de fundos ilícitos, ainda mais acicatada pelas ameaças dos processos com que os ditosos “presidentes” de clubes ameaçam quem tenta denunciar o forrobodó de trocas de dinheiro, transformar numa ciência um mero jogo de regras simples, próprias de cérebros simples, de gente com inteligência nos pés e sem outra educação que não seja a do chuto na bola, é obra. Confesso que para lá das aberturas de serviços noticiosos e diretos televisivos mostrando as chegadas de jogadores, as partidas de treinadores e os supostos exames médicos, o que mais aprecio é a linguagem tonitruante daqueles que se dedicam ao comentário futebol holístico. Uma delícia. Já não nos bastava a imbecilidade de reportagens sobre as refeições dos jogadores e a sua incarnação do ethos nacional. Não era suficiente a exibição das fotografias das suas musas em roupa interior, na mesma linha de exibicio-voyerismo com que compram superdesportivos, com o condão de suscitarem a inveja dos papalvos que bebem estas matérias. Tínhamos as alegres e cómicas conferências de imprensa, dignas de alguns políticos mais experientes, em que nada se dizia que não fosse o óbvio, “o mister é que sabe”, “vamos fazer tudo para ganhar”, “deixamos o sangue e o suor pela camisola” – esta é digna de um anúncio de detergentes –, até aos mais vociferantes “comemo-los todos” e, na linha do anterior, “jogo em qualquer posição”, seja lá o que isso quiser dizer. Tudo isto era fantástico. Mas agora há ainda melhor. Para começar, nada do que vou escrever tem a intensidade de ser ouvido. Simplesmente porque o comentador de futebol não fala, berra. Grita linguagem especializada. No futebol um jogador é tremendo. Quase tudo é arrepiante. Os melhores são extraterrestres, não são deste mundo, mesmo quando apanhados em fraudes fiscais ou escândalos sexuais. Os números – a saber os minutos jogados, os golos marcados e as assistências (o que corresponde a um passe que apenas deu alguma coisa porque um outro marcou) – são interessantes. E temos o portador, a transição, o jogador moderno, o box to box, o regista, o absurdo de chamarem a seleção alemã por manshaft (quer dizer seleção em alemão), o off side, o remate prensado (coisa que ninguém sabe o que é e serve para designar tudo o que é falhanço), a trivela (uma preciosidade que nada tem a ver com náutica e parece ser um chuto com a parte de fora do pé), e até há um site especializado (o transfer market) que tem valores de jogadores para as trocas e baldrocas, mas a que ninguém liga nenhuma. E já não há jogadores que marcam golos, agora têm golo, tal como têm pés redondos (coitados dos aleijados), jogam com o pé que têm mais à mão, rasgam a defesa, posicionam-se entre linhas e sofrem faltas, o que na minha juventude era sarrafada. E depois há as estatísticas (!) do jogo (tudo coisas de somar e percentar) e os maiores monumentos à estupidez humana mascarada de intelectual, que são o ADN da equipa e a inolvidável mudança do chipSinceramente, é difícil encontrar melhor coleção de disparates seriados do que no comentário sobre futebol. Mas é disto que o meu povo gosta. Do resto, do que poderia ser importante, ninguém quer ouvir falar. Na verdade, se observarmos os debates políticos em Portugal, o melhor é sintonizar um qualquer das dezenas de programas onde se palra de esférico. Em todo o caso, sendo também repetitivos e cheios de políticos, sempre nos divertem com a linguagem de pasmar. Ideias? Andam arredadas de tudo e de todos. Vêm aí eleições, não é?