UM APAIXONADO PELO MUNDO DO VINHO – Produtor e enólogo, Luís Seabra gosta de fazer vinhos que mostrem o sítio de onde vêm. Iniciou a sua caminhada através do mais básico, o consumo, já que a presença de vinho à mesa era regular.
Começou a provar vinho desde a sua adolescência. Quando chegou a altura de decidir o que estudar, tinha a certeza de que não queria ficar fechado num escritório e desse modo optou pelo curso de Engenharia Agrícola, em Vila Real,sempre mais focado na viticultura, onde também deu algumas aulas como monitor. Esteve na Direção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, em investigação na área da Vinha e do Vinho, trabalhou numa adega cooperativa e numa empresa de consultoria. Ainda fez uma pós-graduação em Enologia e acabou a trabalhar numa empresa conhecida na região do Douro. O enólogo costuma dizer num tom de brincadeira que conhece todas as componentes dos setores público, privado e do ensino.
Ao fim de muitos anos a trabalhar para outros, existe uma tendência natural para construir algo “nosso”, refletiu o enólogo. Existe uma grande liberdade quando fazemos o “nosso”, podendo assumir todos os riscos “porque no final somos nós que pagamos as contas”. E assim tomou a decisão de fazer apenas os vinhos de que gostasse, sem concessões e ao mesmo tempo com uma grande vontade de mostrar diferentes zonas de produção muito baseadas no tipo de solos, quase como um trabalho de zonagem qualitativa. Para o enólogo sempre foi desconcertante a ideia de a região demarcada mais antiga do mundo, como o Douro, não ter uma carta completa dos seus solos.
Na ideia de que todo o ser humano tem uma base, perguntámos ao enólogo quem são as pessoas que considera importantes neste seu projeto. Partilhou que a mulher o acompanha desde o início, que faz também parte dele. As primeiras vindimas foram feitas a dois, com ajuda de amigos e do filho, sempre que podia ajudar. Considera que ao seu lado estão todos os que o ajudaram de forma interessada desde o início e que têm estado presentes vendo o projeto crescer. Agora com uma filha também interessada na área do vinho, sente que há possibilidade de a cadeia se prolongar.
O SOLO
O seu objetivo sempre foi fazer vinhos que mostrassem o sítio de onde vêm. No mundo do vinho há a questão do terroir muito debatida. Pela sua experiência, o enólogo acha que a vinha, o sítio onde está plantada, o clima que varia consoante os anos e as pessoas que os trabalham são o que mais condicionam o resultado. Independentemente de depois, com as técnicas utilizadas, poderem esconder esse terroir ou conduzi-lo em determinada direção.
Desde o início que o seu projeto assentou muito nos solos, por isso o nome dos vinhos – Xisto Cru, Granito Cru. O esforço foi sempre de tentar não sobrepor a técnica ao lugar, as vinificações são até certo ponto semelhantes para poder comparar as diferenças e na adega não extraem muito os vinhos por uma questão de gosto pessoal e não utilizam os produtos enológicos normalmente utilizados em muitas adegas.
AS REGIÕES
Questionado sobre o que o fascina nas regiões onde produz, o enólogo explica-nos que é impossível ficar indiferenteao Douro, onde produz mais e onde a empresa tem as suas raízes, pela sua magnificência quando se visita. São 45 mil hectares com uma diversidade de castas, solos e microclimas que podem produzir um infinito de vinhos diferentes.
Refere a região de Melgaço nos vinhos verdes, por um dos melhores binómios que conhece no mundo dos vinhos, as condições do local e a casta Alvarinho. Há já muitos bons Alvarinhos produzidos pelo mundo fora e pelo resto do país, mas nunca serão como os da zona Monção-Melgaço ou das Rias Baixas na Galiza.
Na região do Dão, o que mais o fascina é a possibilidade de fazer vinhos elegantes e quase etéreos, vinhos que podem ter grande finesse, o que é mais difícil de conseguir por exemplo na região do Douro.
Com a grande quantidade de viagens que faz pelo mundo inteiro, pedimos ao enólogo que nos referenciasse algo que ele vê lá “fora” e que poderia ser feito em Portugal. A sua resposta foi que todos aprendemos e evoluímos uns com os outros, e é a curiosidade o que nos faz querer ir mais além. Não defende que se copie o que se faz lá fora, mas cada vez que viaja procura sempre, no seu regresso a casa, conhecer melhor o seu próprio país, vinhas e vinhos. E que sente que Portugal está de igual para igual: tal como vai lá fora para conhecer, também muitos estrangeiros nos vêm visitar pelos nossos vinhos, quer sejam consumidores, produtores ou enólogos. O importante é manter uma mente aberta e conhecer outras formas de pensar os vinhos.
O VINHO
Perguntámos ao enólogo como é que sabe, quando prova os seus vinhos, que tudo o que deseja se encontra neles e ainda, quando produz, se idealiza premeditadamente o vinho para um determinado público e paladar, ou se é sempre uma descoberta trabalhar com o que a natureza lhe dá, ao que nos respondeu: “não existe o vinho perfeito, é uma quimera. O interesse está em procurar em cada vinha, em cada vindima. Os vinhos têm os seus humores e nós temos os nossos, há dias que nos parecem quase perfeitos e outros em que não nos entusiasmamos muito com eles”. No entanto há alguns pontos basilares em que se foca – frescura, densidade, intensidade, profundidade, complexidade e estrutura. Estes pontos, unidos num equilíbrio onde nada se sobrepõe no vinho, são o que faz, na sua opinião, um grande vinho. E faz vinhos a seu gosto, faz aquilo que gosta de beber. É normalmente a vinha que lhe diz como o vinho vai ser, tenta não ir contra a natureza da vinha. Existem também diferenças entre as vindimas, que considera que devem estar patentes entre os diferentes vinhos.
Todos esses detalhes passam a características únicas que podemos encontrar nos seus vinhos, como uma acidez equilibrada e uma boa estrutura. E o melhor elogio que pode receber aos seus vinhos é mesmo quando não há palavras para os descrever e quando lhe dizem que a garrafa acabou depressa de mais.
Para terminar, como habitual, pedimos ao enólogo que partilhasse algumas das palavras que vai deixando de modo a influenciar o mundo vínico: “Eu partilho garrafas, mais do que palavras. Temos que saber ‘calçar os sapatos dos outros’e colocarmo-nos na posição dos outros para melhor os entender, não só no mundo do vinho mas na vida em geral. Existe uma série de certezas no vinho que são discutidas com alguma histeria e muitas vezes a razão está dividida pelos dois lados. Temos de procurar fazer vinhos com um carácter particular que nos distinga dos demais. Para pequenos produtores, até uma determinada dimensão, não parece que uma busca permanente por estar na moda seja o caminho, temos que encontrar o nosso próprio trajeto e trilhá-lo. É da responsabilidade dos mais velhos, ou com mais conhecimento, partilhar garrafas, partilhar grandes vinhos clássicos que nos ajudam a colocar os outros vinhos em perspetiva. Muitas vezes no vinho o mais interessante é a filosofia que está por trás da sua criação ou a história que o conduzaté aos dias de hoje.”