ALEXANDRE MIGUEL MESTRE

DESPORTO COMO “OBRIGAÇÃO NACIONAL”:JÁ ERA HORA! Esta é uma análise necessária ao panorama do desporto nacional, que incide sobre as leis previstas na Constituição. De acordo com o artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa, uma das “tarefas fundamentais” do Estado é “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo”. Por sua vez, no artigo 79.º consagra-se o direito fundamental, de todos, “à cultura física e ao desporto”, prevendo-se um modelo colaborativo de ação: “Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto.” Nessa linha de “universalidade” e de “igualdade”, o artigo 2.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto prevê que “todos têm direito à atividade física e desportiva, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Ainda na nossa Lei Magna, no artigo 64.º, o desporto surge como veículo do direito à saúde: consagra-se o direito de “todos” “à proteção da saúde e o dever de a defender e promover” e prevê-se que esse direito é, designadamente, “realizado” “pela promoção da cultura física e desportiva”. Não se fica por aqui a Lei Fundamental: no artigo 70.º erige-se a “educação física” e o “desporto” como forma de os jovens gozarem de uma “proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais”; no artigo 59.º prevê-se o “direito dos trabalhadores” ao “repouso e aos lazeres”. 

O que todos sabemos (mas não parece suficiente) 

Portugal tem uma das mais baixas taxas de atividade física e desportiva da União Europeia (cf. últimos euro barómetros) e em 2016 ocupava o nada honroso 107.º lugar no ranking dos países com maior nível de taxa de obesidade (cf. Social Progress Index 2018). Sabemos todos ainda que a inatividade física e o sedentarismo são responsáveis por grande parte das mortes/doenças cardiovasculares/diabetes (OMS, 2017) e de há muito se faz eco que “um dólar investido no desporto corresponde a três dólares que se poupa com gastos na saúde” (UNESCO, 2003)! 

O que constatamos (mas temos dificuldade em combater) 

Entre outras realidades, constata-se, em Portugal, o seguinte: (i) enormes custos (dificuldades várias) no Sistema Nacional de Saúde; (ii) Baixa produtividade; (iii) Desertificação do (interior) do país; (iv) problemas de coesão e inserção social; (v) necessidade de preparar o envelhecimento ativo da população. 

O que eu gostaria de ver na Constituição e na lei 

Há simbolismos que ganham força vinculativa. Gostaria um dia que, como os franceses fizeram há décadas, se consagrasse algo como o seguinte: “O desenvolvimento da prática das atividades físicas e desportivas, elemento fundamental da cultura, constitui uma ‘obrigação nacional’. As entidades públicas, em concertação com os entes privados, assumem essa tarefa” (Lei 75-988, de 29.10). 

O desporto como uma obrigação nacional: seis propostas (macro e micro) 

A meu ver, para que Portugal seja um país onde o desporto é por todos entendido como uma verdadeira obrigação nacional, será preciso: 

 1. Inserir o desporto, na Lei Orgânica do Governo, num ministériodo Desporto, na dependência direta do primeiro-ministro, maximizando a transversalidade/horizontalidade das políticas públicas desportivas (não há uma, há várias, que carecem de articulação harmónica), partindo da dignidade institucional para uma natural prioridade.

2. Aumentar substancialmente a dotação orçamental do desporto: com avanços e recuos, as verbas para o desporto teimam em ser bastante escassas. Grande parte é afeta a despesas de funcionamento/gastos do próprio Estado (rendas/pessoal/edifícios…). O IPDJ depende muito de receitas próprias e (sobretudo) da consignação/distribuição do produto das receitas das verbas dos jogos sociais, algo sempre volátil/variável. Não dá! Precisamos de transferências diretas do Orçamento do Estado para a promoção da atividade física e do desporto!

3. Assegurar a plena iniciação à prática desportiva, logo no pré-escolar, de norte a sul do país.

4. Alterar o Estatuto do Dirigente Desportivo em regime de voluntariado: o diploma é já de 1995 e recordo-me de, em 2004, se terem iniciado propostas de revisão… mas estamos em 2019 e a lei não confere aos dirigentes benévolas vantagens tangíveis para que (mais) dirigentes possam dedicar o seu tempo à dinamização do desporto em clubes/coletividades/associações/federações/comités Olímpico e Paralímpico (o relevantíssimo movimento associativo).

5. Reforçar meios financeiros e humanos na valiosa aposta dos últimos anos ao binómio desporto/atividade física & saúde.

6. Rever o regime fiscal: (i) o acesso à prática desportiva não pode continuar com o IVA a 23%: urge uma taxa reduzida, até em coerência com outras políticas promotoras de estilos de vida saudável; (ii) importa conceder benefícios/incentivos fiscais a empresas dotadas de infraestruturas desportivas para os trabalhadores; que apostem na ginástica laboral; que proporcionem acordos com clubes/ginásios a valores muito reduzidos; que flexibilizem horários de molde a viabilizar a prática desportiva dos seus trabalhadores (aumentando a produtividade e reduzindo o absentismo); (iii) urge proceder a alterações no Estatuto dos Benefícios Fiscais que alterem o paradigma do “Mecenato Desportivo”, ampliando o leque de entidades beneficiárias ao mundo empresarial e a pessoas individuais.

Já era hora!