DOURO, VINHOS & RUGBY – Um homem de família, jogador de rugby, caçador inveterado e com uma “fome” insaciável de campo e monte. Apaixonado pelo Douro, Cristiano Van Zeller dedicou toda a vida profissional à região e seus vinhos. Herdeiro da família mais antiga no negócio dos vinhos do Douro, assume uma herança de 400 anos que não lhe pesam mas impõem uma responsabilidade para com a região.
Pioneiro no vinho de mesa do Douro, o enólogo conta-nos que o início foi na Quinta do Noval, onde entrou em 1981 e logo sentiu um grande desconforto e incompreensão com o “desperdício” com que eram tratadas as uvas que anualmente não cabiam no benefício. Assim que teve oportunidade prática, em 1985, iniciaram-se as necessárias experiências de produção de vinhos DOC Douro, devidamente pensadas e controladas, com uvas de várias castas e vinhas da quinta. Esse processo continuou nas vindimas seguintes, tendo culminado com o engarrafamento, só para consumo e controlo interno da evolução dos vinhos das colheitas de 1987, 1989 e 1990.
Na altura esse estudo foi interrompido pela evolução da situação interna da família na empresa, que conduziu à venda da Quinta do Noval em 1993. (Por curiosidade só provou alguns desses vinhos, já quase 30 anos depois, sem imaginar que vinho era, provando com surpresa o resultado de um vinho verdadeiramente soberbo.) Após a venda da Quinta do Noval, as ideias fervilharam, mal saiu da empresa, reuniu-se com o amigo Jorge Roquette, da Quinta do Crasto, onde discutiram várias ideias sobre o futuro e decidiram juntar vontades, arrancando com o projeto da Quinta do Crasto, como produtor independente e inovador de vinhos do Douro e Porto. Cristiano viajou durante ano e meio, até meados de 1995, para “vender” uma ideia, esperando pela primeira produção de vinhos DOC Douro de 1994 e pela sua oportunidade de serem provados.
Essa primeira prova acontece em Maio de 1995, na London Wine Fair, onde no primeiro dia se vendeu o dobro da produção da colheita de 1994, por valores unitários cerca de 50% acima dos objetivos, confirmando parcerias negociadas em diferentes mercados. Esse sucesso imediato foi o colher do trabalho árduo que tinham semeado, devendo-se em grande parte à mestria de David Baverstock, o responsável desde o início pelo projeto de vinhos da Quinta do Crasto, que criou vinhos que ultrapassaram as altas expectativas que Cristiano tinha criado junto de futuros parceiros internacionais. No arranque, as escolhas de mercados-alvo, preços, definição de objetivos claros e ambiciosos, o trabalho de produção, design, promoção constante no mercado, a criação de uma relação com as parcerias forte e totalmente transparente, uma equipa sólida e de muita qualidade, tudo foi definido sob a liderança clara, firme e arrojada de Jorge Roquette, seguida depois pelos filhos Miguel e Tomás, permitindo que a Quinta do Crasto se tornasse, rapidamente, um enorme símbolo do novo Douro que estava a nascer.
Em 1996, Cristiano Van Zeller foi convidado por Guilherme Álvares Ribeiro para se juntar a seus primos Francisco Ferreira e Francisco Olazabal para fazerem nascer a Quinta do Vallado como produtor independente de vinhos do Douro e Porto. Nesse mesmo ano teve a oportunidade de (juntamente com a sua mulher) comprar a Quinta Vale D. Maria, onde, com a inestimável e pronta ajuda e disponibilidade do seu amigo Dirk Niepoort, escolheram umas poucas uvas para fazer, nos lagares da Quinta Nápoles, o primeiro vinho da Quinta Vale D. Maria, “o Douro 1996”, engarrafado em cerca de 2 mil garrafas ainda no mesmo ano da compra da quinta. O enólogo assume que eram vistos como aventureiros, mas com os pés assentes na terra, servindo de exemplo a estudar e a seguir, independentemente das opiniões e estilos de vinho de cada um. E que todos, Niepoort, Crasto,Vallado,Vale D. Maria, que começaram entre as colheitas de 1990 a 1996, juntamente com mais alguns, seguiram os passos dos primeiros e mais notórios Ferreira, Côtto e Ramos Pinto. Recorda ainda que foram tempos de total aventura, que sentiu e viveu dessa forma. No entanto, foram igualmente tempos duros e difíceis, mas encarados com enorme entusiasmo.
VALORES – “Eles não sabem, nem sonham / que o sonho comanda a vida / que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança / como bola colorida / entre as mãos de uma criança.” Pedra Filosofal, poema de António Gedeão. Questionado com a sua passagem em todas essas casas notórias a nível mundial e o que prevaleceu nos seus valores e ideias, Cristiano Van Zeller contanos que sonhar é uma das capacidades que nunca podemos perder. Depois, os ensinamentos que retira do rugby para a sua vida refletem como sente e vive o Douro, os vinhos e a relação com os “concorrentes”. E partilha-nos umas palavras de muitos jogadores:“Aprendi que 15 empurram mais que 1, mas se 1 não empurra, os outros notam-no. Aprendi a saber aceitar sem reclamar; a não me resignar; a trabalhar para saber o que custa ganhar 1 metro em silêncio, e o fácil que é perder 10 por não saber estar calado.Aprendi a respeitar as decisões de uma forma férrea, a aplaudir os erros dos meus companheiros, que também são os meus e sobretudo a levantar-me 100 vezes. Aprendi o valor de uma áspera camisola às listas feita de valor e de dever. Aprendi a importância de um 3º tempo, com companheiros e adversários, onde tudo se resume a abraços, companheirismo, rigor e um até à próxima.” Para nos dizer que gostava que o Douro se refletisse em alguns destes valores e conseguisse jogar como uma equipa de rugby. E que apesar de, em muitas circunstâncias, já verificar esse espírito de equipa, tem como ideal ajudar e contribuir para uma maior abrangência a esse nível. Podendo assim, continuar a divertir-se com o que faz, que não é só trabalho, mas sim um modo de vida, e fazê-lo sempre para amanhã ser melhor que hoje e hoje melhor que ontem.