CARLOS DAS NEVES MARTINS

Na sua perspetiva, qual o potencial, na cadeia de valor económico e social, do setor da Saúde?

A cadeia de valor da saúde tem assumido uma estratégica importância nos últimos anos, destacando-se pela sua dinâmica, pelo seu valor acrescentado, pelo investimento realizado e pelo contributo na criação de emprego qualificado, pela crescente capacidade de internacionalização das empresas, através da exportação e investimento direto no exterior, assim como pela melhoria da atratividade do setor dos cuidados de saúde para pacientes estrangeiros. O progresso tecnológico, as alterações sociais e as novas configurações da ordem mundial têm proporcionado grandes alterações no setor de bens e serviços da cadeia de valor da saúde. No período 2001-2011 o comércio mundial de produtos de saúde cresceu a uma taxa média de 8,5%, enquanto o comércio mundial registou uma taxa média anual de 6,2%. Em 2011, o seu valor ultrapassou os 490 mil milhões de euros, o que significa que em termos percentuais e absolutos este foi um dos setores menos afetados pela crise internacional que começou em 2007. E se aditarmos o valor registado no setor do turismo de saúde, sensivelmente 70 mil milhões de euros, temos um valor superior a 500 mil milhões de euros. No entanto podemos fazer mais e melhor, considerando o potencial integrado que tem a cadeia de valor da saúde ou das ciências da vida, enquanto motor do crescimento da nossa economia, do desenvolvimento social do nosso país e da sua afirmação no mundo, entendendo-a como geradora de riqueza, como geradora de emprego, de progresso tecnológico e incorporadora de conhecimento e de tecnologia. É pois também fundamental, diria mesmo incontornável, criarmos uma marca de Portugal como país com uma cadeia de valor da saúde de referência e de excelência, integrando a formação e ensino, a I&D (Investigação e Desenvolvimento), a indústria farmacêutica e de dispositivos médicos e o turismo de saúde. E estimo, de forma conservadora, que podemos atingir valores de exportação da cadeia de valor da saúde, integrada num cluster mais transversal, de aproximadamente 1500 milhões de euros em 2015, incontornavelmente um contributo muito importante para o crescimento da economia e para o desenvolvimento social do país.

 

Tendo em vista a proximidade da entrada em vigor da diretiva comunitária de livre circulação de doentes na União Europeia, quais os riscos e oportunidades que poderão existir para Portugal?

É essencial adequarmos a nossa oferta ao potencial da mobilidade transfronteiriça de doentes e sobretudo continuarmos as medidas de reforma e de regulação do setor da Saúde por forma a aumentarmos a acessibilidade, reduzindo ao mínimo os fluxos externos de pacientes nacionais, o que poderá ser assegurado pelo sistema nacional de saúde, isto é pela conjugação da resposta do setor público, do setor privado e do setor social. Temos capacidade instalada suficiente, designadamente de unidades diferenciadas, de recursos humanos e de plataforma tecnológica para conseguirmos ter um balanço positivo entre a receção e a emissão de doentes. E penso que devemos entender a diretiva europeia dos cuidados transfronteiriços não só como a abertura de uma porta à livre circulação de pacientes dentro do mercado europeu, mas como uma oportunidade também para atrair investigadores e investimento para Portugal.

 

Como vê a combinação entre setores na Saúde – público, social e privado – no contexto da indispensável sustentabilidade a médio e longo prazo?

Há muitos anos que defendo que a sustentabilidade da saúde passa pela assunção, devidamente regulada, do setor público, do setor privado e do setor social. A inovação científica e tecnológica, a pressão demográfica e o crescimento de determinadas patologias exigem uma estratégia de complementaridade da oferta e de racionalização dos recursos em termos geográficos, criando-se assim respostas integradas e evitando-se duplicação de esforços, logo de aumento da despesa improdutiva. Somos o único país da União Europeia que tem quatro modelos de financiamento e de gestão de unidades hospitalares (público, público-privado, privado e social), o que constitui uma inequívoca oportunidade para um conjunto de reformas que se traduzirão em maior acessibilidade, melhor qualidade e menores custos por doente, isto é, que contribuirão de forma decisiva para a tão necessária sustentabilidade global da saúde em Portugal.

 

Na sua opinião, na relação entre setor social e setor público, na Saúde, deveremos falar de competição ou de complementaridade?

Em minha opinião teremos que em primeiro lugar praticar a complementaridade entre estes três pilares que estribam um sistema nacional de saúde moderno, eficaz e eficiente, onde poderemos e devemos incluir um quarto pilar, o das parcerias público-privadas. Na evolução desta relação terão que ser introduzidos instrumentos de regulação da relação entre os setores, de financiamento e de informação pública que permitam a competição ou, na opinião de alguns, a concorrência baseada na livre escolha do cidadão. Tem persistido entre nós a ideia errónea e geradora de ineficiência de que o Estado, para garantir o direito à saúde, tem que ser o proprietário e gestor da produção de cuidados. Não é a detenção dos meios de produção, mas sim o financiamento, que garante o acesso a solidariedade e equidade.