Dois anos após a intervenção da troika, como vê o sistema de saúde em Portugal?
O nosso sistema de saúde, cuja principal e determinante componente é o Serviço Nacional de Saúde (SNS), atravessa uma grave crise consequente das medidas preconizadas pela troika. O financiamento público da saúde é neste momento dos mais baixos da Europa, e a parte paga pelos cidadãos, das mais altas. Como já tive oportunidade de referir, os tratados da União Europeia e outros documentos de referência a nível europeu inscrevem a obrigação de uma posição cautelar perante o impacto das medidas económicas sobre a saúde. Infelizmente, tal não tem acontecido em Portugal. Estamos perante ameaças preocupantes e elas são consequência das políticas europeias insensíveis às questões da saúde e levantando a suspeição da existência de agendas escondidas.
Acredita que vai ser possível garantir os princípios da universalidade, da cobertura geral e da gratuitidade tendencial no momento da utilização?
Num período de crise e austeridade precisamos de mais e melhor Saúde, o que só é possível com um SNS organizado, moderno, eficiente, acessível. Para mantermos os princípios referidos, temos de conseguir responder a esses desafios, garantindo um financiamento adequado, melhorando a eficiência do serviço, com a participação motivada dos profissionais de saúde. A intervenção dos cidadãos, assumindo que o SNS é património de todos, é um elemento fundamental neste contexto.
A médio prazo, acredita na sustentabilidade do sistema de saúde?
O SNS tem-se destacado pela produção de resultados quantitativa e qualitativamente comparáveis ao que se passa nos países mais desenvolvidos. Em diversas áreas específicas tem sido um exemplo a nível internacional. Temos no entanto de saber fazer opções. Temos de saber se queremos um país com instituições de saúde próprias, eficientes, com prestígio a nível nacional e internacional, ou um país de consumidores de produtos e serviços de saúde disponibilizados por grupos transnacionais para quem os possa adquirir. Não é possível o desenvolvimento económico sem uma população saudável. Mais importante se torna a existência do SNS num período de crise económica e social, com uma parte significativa da população em sofrimento. Nesta conjuntura, é necessário assegurar um adequado nível de Saúde, através de mecanismos de proteção solidária e acesso equitativo aos cuidados e tecnologias, promovendo a coesão social. O SNS será sustentável se todos assumirmos que ele é determinante para a sociedade em termos de desenvolvimento económico e bem-estar da população e decidirmos alocar os recursos que permitam atingir esses objetivos. A completa banalização e “mercadização” do bem Saúde não responde às necessidades da sociedade. Tem provado em vários países não ser eficaz, quer em termos de resultados, quer em gastos com a saúde.
Quais considera serem as prioridades fundamentais do Estado no sistema de saúde?
O desenvolvimento do SNS, principalmente na situação atual, depende em larga medida da capacidade de se combinar sabiamente a proteção da saúde dos portugueses e do SNS, com a melhoria dos aspetos mais críticos do seu funcionamento e com uma forte aposta na inovação e na sua necessária transformação para fazer face aos desafios dos novos tempos. O financiamento adequado feito a um SNS eficiente que preste contas aos seus ”proprietários” é fundamental para a saúde da própria democracia portuguesa.