ADRIANO MOREIRA

A CHINA E O GLOBALISMO – A visita oficial do presidente da China a Lisboa suscitou um interesse bem-vindo sobre o que significou para as relações de ambos os países, mas também no que se refere ao globalismo que caracteriza a época que vive a ordem mundial. Quanto ao primeiro ponto, foi lembrada e reforçada a história secular de bom relacionamento, salientando-se que Macau nunca foi considerado uma colónia, mas um ponto de apoio, consentido pelo Império, aos programas de Portugal. História que faz lembrar que Mao Tsé-Tung manifestou algures que Portugal fora o único país ocidental que nunca fez guerra à China, ficando histórica a forma como decorreu a retirada, findo o regime secular. Acontece que em 2049 será celebrado o centenário da República Popular da China (RPC) e parece geralmente aceite que, até lá, o seu projeto político inclui que a República seja ordenada como a primeira potência mundial. Foi a intervenção de Deng Xiaoping que fez o mundo político internacional não poder ignorar a ambição, devendo talvez ter em vista que a decisão tomada no XIX Congresso do Partido Comunista Chinês, em 2017, de revogar a limitação do mandato do Presidente Xi Jinping, que nos visitou, tem uma projeção mundial, mas isso não significa um poder pessoal ilimitado, porque ele é o Delegado do Partido. Quando Margaret Thatcher pôde dirigir-se com êxito à União Europeia dizendo “wanted harmony back” e anunciava que não havia alternativa para a democracia liberal, não previa que este regime vindo do Oriente, com tão inesperado perfil, pudesse desafiar a hierarquia mundial com este projeto estratégico, não correspondendo ao critério de legitimidade que a guiava, mas tendo presente o critério da eficácia, de acordo com a “lei de Tocqueville”. A diplomacia de Xi Jinping foi gradualmente fortalecida nos últimos anos, declarando em outubro de 2017 que “é tempo para nos ocupar o centro da crise internacional e contribuir visivelmente para a humanidade”, premissa seguida da intervenção criativa em vários domínios, tendo o seu ministro Kegiang vindo “a conduzir uma diplomacia de grande país em todas as frentes”. Neste quadro se situa a visita a Portugal, um exercício de uma diplomacia a ser modelo para outros emergentes menos poderosos, tendo seguramente presente, no que nos respeita, a longuíssima familiaridade, bom entendimento, respeito mútuo e uma porta segura para o entendimento com os ocidentais em geral, e com a Europa em particular. É natural, e a sua política de soft power não o esquecerá, que as autoridades governativas de um país como Portugal terão sempre em vista preservar a cooperação confiante e os interesses próprios. Mas também não poderá deixar de contribuir para que não se confirme, pelo tom mais que profecia do general Ben Hodges, recente ex-comandante das Forças dos EUA na Europa, de que “dentro de 15 anos os EUA e a China estarão em guerra”. É neste ambiente, que outros já tinham julgado perigoso, que entretanto a França se encontra enfraquecida dentro da União Europeia pela crise interna, que Merkel perde a posição diretiva que teve na Europa, que os populismos e os micronacionalismos afetam a necessária reformulação da União, que a Rússia clama que as suas fronteiras físicas são inferiores à sua fronteira de interesses, que a própria China pretende recuperar a soberania sobre as águas que há séculos deixou de navegar. Não são os EUA que representam o seu primeiro possível adversário, é antes a imprevisão das intervenções que ocorrem à sua presidência.  

Portugal, com a sua relação, pode contribuir com autenticidade a favor de uma evolução pacífica, não apenas pela intervenção que tem assumido em regiões conflituosas, mas pela solidez da sua diplomacia, e até pela voz dos portugueses que ocupam destacados postos internacionais. 

Destaque 

“Não são os EUA que representam o seu primeiro possível adversário, é antes a imprevisão das intervenções que ocorrem à sua presidência”