A MAGIA DE MARROCOS
Depois de uma hora de voo e 40 minutos para resolver os normais trâmites legais de entrada num país extracomunitário, no exterior do Aeroporto Menara, em Marraquexe, um fantástico lote de BMW GS esperava-nos no parque de estacionamento, para nos levar numa aventura de três dias. Como que por magia, estávamos num país que parece de outra dimensão.
Com um sol forte e calor, Marraquexe é o ponto de partida para o BMW GS Experience de 2024, uma aventura que procurou dar a conhecer Marrocos. Percorremos a zona a norte do Atlas e junto à costa, usando a gama de motos da família GS, que este ano tem nada menos que quatro novidades, das quais se destaca a R 1300 GS que usei.
O primeiro dia levou-nos pela zona do vale Ouirgane, uma das regiões mais afetadas pelos tremores de terra de setembro do ano passado, até ao deserto Agafay. É uma das zonas de montanha mais turísticas de Marrocos, com paisagens de cortar a respiração, das grandes Montanhas do Atlas. É um misto de escarpas despidas, quase desérticas, com zonas luxuriantes de floresta ou oásis.
Para esta nossa aventura de três dias, arrancámos a meio da manhã do aeroporto de Marraquexe e apontámos as motos para sul, em direção à localidade de Moulay Brahim, nome de um santo sufi do Islão. Ao longo deste percurso,que de início é feito por estradas pouco interessantes, umas retas seguidas de outras, o horizonte recortado pelo Atlas acaba por ser o nosso foco de atenção. Até entrarmos na região montanhosa, onde as estradas começam a ser sinuosas e mais interessantes, vamo-nos aclimatizando com o ambiente que nos envolve e com os restantes membros do grupo. Desta feita, a BMW juntou nove motos entre jornalistas, representantes da marca, captação de imagem e organização.
O TERRAMOTO DE SETEMBRO
Passaram-se cerca de seis meses desde que a terra tremeu em Marrocos, e nas estradas a vida parece ter voltado à normalidade. Existe muito movimento de pessoas, veículos e animais, o típico comércio que circunda as vias principais. Aqui e ali veem-se alguns edifícios caídos e outros com danos estruturais, mas a alegria das crianças à passagem danossa caravana e a curiosidade dos mais graúdos não mudou. Só quando entramos na cidade de Asni, sentimos a real dimensão da destruição causada pelo terramoto. Não são os edifícios caídos, muitos dos escombros já foram limpos, é o vasto campo de tendas à entrada da cidade. Este abriga grande parte dos desalojados das cerca de 50 mil habitações que se estimam ter sido destruídas ou seriamente danificadas. Asni, uma das cidades mais afetadas, tornou-se no centro de ajuda para os mais atingidos, local onde foi instalado um Hospital Militar, e o mercado, antes semanal, passou a diário. O povo marroquino prova ter grande resiliência e uma vontade férrea de voltar à normalidade. De Asni para a frente são menores os sinais deste evento catastrófico, com muitos edifícios já reparados e a maioria da destruição limpa. Esta é uma região de turismo que está plenamente preparada para receber novamente os turistas. A melhor forma que temos de ajudar à sua recuperação é passar uns dias a explorar estes locais e a sua cultura, que vale muito a pena.
EM DIREÇÃO AO DESERTO
Depois de um almoço que decorreu no alojamento Domaine de la Roseraie, em funcionamento mas a recuperar alguns danos, junto à barragem de Ouirgane, subimos em direção a oeste e em Amizmiz rumámos a norte. Esta é uma área com vales verdes, nomeadamente junto às zonas de barragens e escarpas despidas, onde a massa de água das albufeiras de Ouirgane e de Lalla Takerkoust são uma surpresa refrescante. O objetivo do dia é chegar antes do por do sol ao acampamento em Agafay. Embora nós tenhamos percorrido cerca de 140 km para lá chegar, Agafay está a menos de uma hora de Marraquexe.
Nesta região existem vários alojamentos em tendas que têm um aspeto singelo, mas estão repletas de luxos, como casa de banho privativa completa, com duche de água quente, e que de “tenda” têm quase só o nome e o tecido que as envolve. Existem excursões organizadas a partir de Marraquexe, para desfrutar de passeios de camelo, moto4, ou uma noite debaixo das estrelas. É uma experiência singular ver o sol a pôr-se no deserto, tendo um bom grupo de amigos em volta de uma fogueira. Melhor, é aproveitar o por-do-sol para fazer uma sessão fotográfica com uma luz deslumbrante. Este foi um dos momentos de ação em que aproveitámos para voltar a explorar mais a fundo as capacidades das GS em fora de estrada, “posando” para a câmara em manobras mais artísticas e a levantar pó – fica sempre bem na fotografia… A minha companheira durante estes três dias de estrada foi uma R 1300 GS, com a decoração Tramuntana no seu elegante verde “aurelius” e as peças Option 719. Pude finalmente testar os sistemas de regulação em altura das suspensões, o que ajudou nas manobras a baixa velocidade, nomeadamente nas zonas de areia.
MAR À VISTA!
O segundo dia foi o mais longo e recheado de momentos especiais, com muitas paragens para captação de imagens e interação com as muitas pessoas, maioritariamente crianças, que nos abordavam. O objetivo foi chegar à zona de costa e à localidade de Mogadouro, porto português até 1510 e onde construímos a fortaleza, hoje com o nome de Essaouira. Mas antes fizemos mais de 250 km em estradas tipicamente marroquinas, maioritariamente em asfalto mas com muitas zonas de uma só faixa onde, quando nos cruzamos, o veículo maior tem sempre prioridade. As bermas são, em muitosdos casos, um aglomerado de crateras e bocados soltos de asfalto. É nestas situações que a capacidade da GS em se adaptar a qualquer terreno ou situação mostra ser tão crucial, assim como os pneus mais robustos e preparados para piso de terra e muita gravilha. Em Marrocos consegue-se chegar a praticamente todo o lado com um veículo “convencional”, mas para o fazer de forma mais descontraída e aproveitar por completo toda a experiência, se for um “todo-o-terreno” é melhor.
O almoço fez-se tarde dentro e, praticamente, com os “pés de molho” no Atlântico, no restaurante de praia La Mouetteet les Dromadaires. Mas o melhor estava para vir como sobremesa. Uns quilómetros a sul fica o extenso areal da praia de Sidi Kaouki, onde camelos, cavalos e moto4 podem ser alugados para um passeio nas areias. Aberta a veículos motorizados, e estando a maré vazia, aproveitámos para esticar as pernas das nossas montadas. Foi quase uma hora de condução épica, num areal largo e extenso, com o mar de fundo e uma sensação de liberdade muito especial. Isto só é possível nestas paragens mais a sul e para lá do mediterrâneo. O segundo dia seria encerrado com mais um deslumbrante por do sol, desta feita, sobre o mar e visto da varanda do Salut Maroc, sobre as muralhas de Essaouira. Este é um espaço de eleição nesta cidade, com uma vista única sobre a entrada do porto de pesca e com uma cozinha excecional.
A gastronomia marroquina é bastante rica, apoiando-se muito em vegetais e carne, as tagines são uma constante, mas há muita mais variedade. É perfeita para quem gosta de pratos de sabores fortes com bastantes especiarias. O chá verde com menta é outra constante, peçam sem açúcar se quiserem manter baixos os níveis de glicose no sangue. Mesmo com as minhas limitações dietéticas, sou maioritariamente vegetariano, ainda “está para vir” a refeição que como mal em Marrocos.
A medina de Essaouira e a generalidade dos negócios em volta, difere um pouco do que encontramos nas localidades mais para o interior. Focada na pesca e turismo ligado ao mar, existem muita cultura surfista que se cruza de uma forma especial com os desígnios locais. Este é um local que merece uma estadia mais prolongada para ser usufruído na plenitude, em especial para os amantes do mar.
DE VOLTA AO INTERIOR
Na terceira madrugada, o objetivo era regressar a Marraquexe e chegar com tempo para explorar a grande urbe, em especial a sua inigualável medina. Uma jornada de 250 km, que não podia deixar de passar pela base do Atlas que nos acompanhou, ao fundo, ao longo de todos os dias. O regresso fez-se por estradas “sem estória”, e sem surpresas chegámos ao local de almoço já na montanha. Com a temperatura a aumentar a cada quilómetro que nos afastávamos da costa, Ouizlene recebeu-nos para um almoço típico marroquino, servido num quintal com uma deslumbrante vista para a planície no sopé do Atlas. Últimas imagens captadas, vídeo e fotos, e descemos a caminho da grande cidade. Chegámos a meio da tarde, no meio do bulício normal das suas ruas e avenidas, entre carros, camionetas, carroças puxadas por animais, muitos ciclomotores e com os termómetros a acusarem 38ºC.
Para ter uma experiência mais imersiva de Marraquexe é fundamental ficar num riad na sua medina, de preferência nas imediações da praça Jemaa El Fna. Os riad são edifícios familiares com todas as assoalhadas voltadas para um pátiointerno e sem qualquer janela para o exterior. São uma das melhores demonstrações de como a vida privada é tão valorizada nesta cultura. Muitos riad são agora alojamentos turísticos, existem em grande número no centro de Marraquexe, a maioria de grande qualidade. Dentro da medina as viaturas não entram, pelo que é necessário encontrar um parque nas imediações para as motos. A vida faz-se maioritariamente a pé e essa é, sem dúvida, a melhor forma de explorar a medina. As suas ruas são labirínticas, mas com o “google maps” como guia, chega-se a todo o lado.
CIDADE VIBRANTE
Marraquexe é uma cidade vibrante a qualquer hora do dia e até tarde, com uma construção, cultura e hábitos que podem chocar quem nunca lá tenha ido. A vida na sua medina é frenética, com pequenas lojas de comércio a cada porta, onde se misturam comida, especiarias, tapetes, candeeiros, recordações, roupa, calçado e tudo o que possamos imaginar. Os sons e os cheiros fortes são uma constante. Não são desagradáveis, apenas muito diferentes do que estamos acostumados. A praça Jemaa El Fna, com a Koutoubia – torre de uma mesquita do século XII – de fundo, é o centro de toda a vida da cidade, local onde podemos ver todo o tipo de artesãos e artistas, com música local, encantadores de cobras, macacos e outro tipos de animais, mulheres a “oferecerem” tatuagem de henna e muita comida.
A restauração é outra constante e está preparada para servir o turismo. O francês é uma língua europeia bem aceite no país, mas o marroquino, quando chega a altura de interagir com um estrageiro, “arranha” qualquer idioma. Inglês, espanhol e mesmo português podem juntar-se à linguagem gestual para conseguir o que se quer. A segurança é um dado adquirido e o máximo em que podemos ser “roubados” é por estarmos desatentos na negociação de uma compra. Da experiência que tenho, esta sensação de segurança estende-se a todo o país. A pouco mais de uma hora de avião de Portugal, entramos num mundo muito diferente, é quase como se passássemos por um portal mágico e aterrássemos noutro planeta.
Marrocos é um país fantástico, que fica mesmo aqui ao lado e tem tudo para receber bem os seus visitantes. Não me canso de lá ir. Se puder ser numa BMW GS, ainda melhor!