VENEZUELA E O EXEMPLO DE TUDO O QUE UM PAÍS NÃO DEVE SER
Durante anos Hugo Chávez, desde a sua eleição em 1999, conseguiu, numa economia quase toda ela baseada no petróleo – onde imperava o excesso de importações e a ausência significativa de produtos nacionais –, sustentar a economia venezuelana e criar, à semelhança do Brasil, uma classe média relevante.
Apesar das milionárias receitas do petróleo na Venezuela, que representam 92% do total das exportações, aquelas não foram usadas em infraestruturas para produzir outro tipo de bens e serviços e promover o desenvolvimento do país, que continuou dependente do financiamento estatal. Dado que a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, estando mesmo à frente da Arábia Saudita, os populistas consideraram este recurso energético inesgotável, o qual daria eternamente autossuficiência ao país. Contudo, o preço do petróleo desceu dramaticamente, sendo que em 2013 se situava nos 115 dólares por barril e este ano atingiu a fasquia mais baixa do crude no valor de 45 dólares por barril, o que, em termos de receitas, deixou de chegar para fazer face às necessidades primárias do país e o mergulhou num verdadeiro caos social e mesmo numa crise humanitária sem precedentes. A Venezuela e Chávez, dada esta quase total dependência do ouro negro, recusaram-se sempre, enquanto membros do cartel da OPEP, a deixar de produzir para que os preços não caíssem, como veio a acontecer, e a perder a sua quase única fonte de receitas. Com Nicolás Maduro a situação continuou a piorar, a ponto de a oposição ter ganho em dezembro do ano passado as eleições com quase dois terços dos lugares do Congresso. Para se perceber a atual situação caótica do país, basta referir que em 2015 a Venezuela teve a maior inflação do mundo, que se situou em 180%, e o FMI prevê para este ano 720% e para 2017 um valor de 2,200%! Isto significa, por exemplo, que se um pacote de leite hoje custa um euro, daqui a um ano irá custar 7,20 euros.
Quem são os mais afetados?
A inflação afeta sobretudo as pessoas que têm rendimentos fixos, como os reformados. Daí a necessidade de desvalorizar a moeda, o que implica que os produtos estrangeiros importados, necessários para que as indústrias continuem a laborar, ficam mais caros, o que acarreta o aumento dos custos e, concomitantemente, a subida dos preços dos produtos, numa espiral interminável. A inflação é a forma de tornar os pobres mais pobres e a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha demonstrou os seus efeitos nefastos da revolta social da época e do surgimento da II Guerra Mundial, o que explica hoje a psicose germânica de uma inflação que ultrapasse os 2%. A acrescer ao caos instalado, juntou-se a crise energética que implica que os funcionários públicos, que são a maioria, só trabalhem dois dias por semana e as fábricas estejam incapazes, praticamente, de laborar, assistindo-se, assim, a uma fuga massiva do investimento estrangeiro.
A crise política
A tudo isto junta-se a crise política. Embora a oposição tenha ganho as eleições em dezembro e exija um referendo revogatório, que é o primeiro passo para afastar Nicolás Maduro e todos os seus fiéis nas várias estruturas do aparelho do Estado, o qual apenas necessitava de 195 mil assinaturas e recolheu cerca de 1,9 milhões, o controlo pelo poder instituído dos tribunais e, em especial, do Tribunal Constitucional, que tudo tem feito tudo para ilegalizar o referendo e boicotar as leis do Congresso, demonstra que a tarefa de terminar com o chavismo não vai ser fácil. Com efeito, também a oposição não está organizada e é composta por uma miríade de partidos no Congresso sem uma base ideológica ou uma maioria sólidas, capazes de constituir uma alternativa credível. Maduro continua, desesperadamente, a tentar manter o poder e já aumentou 12 vezes o salário mínimo nacional, autorizando a que os trabalhadores tomem conta das fábricas que estejam a esconder stocks de produtos.
Insegurança na Venezuela
Entretanto, a Venezuela começa a ser considerada um dos países mais inseguros do mundo, em que já não se rouba para comer, mas se mata para não morrer à fome. Daí a fuga daqueles que conseguem ainda sair, deixando para trás todos os seus haveres, e muitos dos que ficam é apenas com medo de represálias. Entre estes estão muitos portugueses de uma comunidade de 1500 milhões, alguns lusodescendentes para quem, em tempos idos, a Venezuela foi um El Dorado. Inclusive algumas companhias de aviação deixaram de operar no país pela impossibilidade de, nos pagamentos, se converter bolívares em dólares. Aventa-se uma ajuda do FMI, mas nenhuma organização internacional irá fazer um empréstimo, tendo quase a certeza de que não há retorno de pagamento. Também um plano Marshall não é solução, porque precisa de instituições credíveis que, neste momento, não existem e não vão ser recuperadas tão depressa. Em suma, a Venezuela é o modelo de tudo aquilo que um país não deve ser, com paradigmas económicos errados, gastos governamentais fora de controlo, elevados níveis de corrupção e de nepotismo e graus de insegurança absolutamente inimagináveis. A recuperação vai ser longa e infelizmente vai ter, previsivelmente antes que isso aconteça, de passar por convulsões sociais violentas, pelo caos, pela guerra civil, pela fome e pelo medo. Pelas piores das razões, este modelo de (des)governo deve servir de exemplo a todos aqueles que rechaçam a iniciativa privada, o investimento estrangeiro e colocam todo o peso político, económico e social nas mãos de um Estado, cujo monopólio conduz, normalmente, mais cedo do que mais tarde, à destruição de um povo e de uma nação.