A CRIAÇÃO DE RIQUEZA ATRAVÉS DA CLASSIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA DOS SOLOS
A transformação do solo rústico em urbano, com a sua classificação através dos planos de ordenamento do território, foi uma das atividades mais lucrativas das últimas décadas, criando valor por via administrativa, muito para além dos custos associados à sua urbanização.
Apesar da lei de solos, da lei de bases do ordenamento do território e do programa nacional das políticas de ordenamento do território, que consagraram fins e princípios e políticas, o verdadeiro ordenamento do país foi assegurado pelos instrumentos de gestão municipal, nomeadamente os Planos Diretores Municipais (PDM), os Planos de Urbanização e os Planos de Pormenor, todos de iniciativa municipal. Contudo, por ausência destes últimos, foram os projetos de loteamento, de iniciativa privada, que serviram como instrumentos de ordenamento. Se tivermos em conta a divisão do país em 308 territórios municipais, todos com diferentes planos, regulamentos, taxas e pequenos poderes e interesses, a par da ausência de escala dos loteamentos, isolados e concebidos em função dos interesses dos seus proprietários, perceberemos melhor a causa do desordenamento do nosso território. A classificação por tipo de usos e a definição administrativa dos índices de construção de cada terreno acabaram por ser instrumentos de criação e distribuição de riqueza, mais do que assegurar as políticas e os princípios consagrados na legislação de âmbito nacional e comunitária. Na mesma cidade e em zonas próximas, atribuir a um terreno o índice de construção 2 e atribuir a outro o índice 0,5 significa que o primeiro valerá quatro vezes mais. Na realidade, há uma grande diferença entre a teoria e a prática. Ora, os problemas e as críticas ao sistema não se situam na legislação que consagra as políticas e os princípios, mas nos planos e nos regulamentos municipais que criaram uma complexidade legislativa e uma teia burocrática que deu a primazia às disposições jurídicas, aos índices e a uma infinidade de conceitos que acabaram por se sobrepor à qualidade dos projetos. Quando um país com 10,5 milhões de habitantes tem 308 diferentes planos diretores municipais (PDM), totalmente autónomos, com regulamentos e taxas diferentes e com planos que classificam o solo como urbano, com índices que permitiriam construir habitações para mais de 30 milhões de pessoas, percebemos melhor ao serviço de quem têm estado estes instrumentos de gestão.
Complexidade dos sistemas
É inevitável reconhecer que a complexidade dos sistemas não favorece as melhores soluções, mas, pelo contrário, favorece a venda de serviços para resolver problemas e interpretações legais divergentes, bem como alimenta a corrupção. Os problemas da sociedade em que vivemos, os desequilíbrios criados e as assimetrias regionais são a prova do desajustamento entre o quadro legislativo e o país real. A publicação da nova lei de bases gerais da política de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, a Lei 31/2014, de 30 de maio, veio introduzir algumas alterações relevantes, das quais destacamos duas com impacto direto nos instrumentos de gestão. Com a nova lei, o solo passou a ser classificado como rústico ou urbano, deixando de existir o anterior conceito de terreno urbanizável, ou seja, os terrenos rústicos localizados nos perímetros urbanos, com definição do tipo de uso e índices de construção. A Lei 31/2014, classifica o solo urbano como “(…) o que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto em plano territorial à urbanização ou edificação”.
Manutenção dos terrenos
A manutenção, como urbanos, dos terrenos urbanizáveis passará por manter a sua localização nos perímetros urbanos após a revisão dos planos diretores municipais (PDM) e pela apresentação e aprovação de planos de ordenamento. Nos termos da norma transitória, “(…) os terrenos que estejam classificados como solos urbanizáveis ou solo urbano com urbanização programada, mantêm a classificação como solo urbano para os efeitos da presente lei, até ao termo do prazo para execução das obras de urbanização que tenha sido ou seja definido em plano de pormenor, por contrato de urbanização ou de desenvolvimento urbano por ato administrativo de controlo prévio”. Assim, os seus proprietários deverão analisar as propostas de revisão dos PDM para verificar se a redução dos perímetros urbanos coloca esses terrenos em zonas rústicas, retirando-lhe valor. Embora compreenda a lógica da opção política, no sentido de clarificar a classificação do solo e orientar as revisões dos planos para a redução dos perímetros urbanos, não me parece que a nova opção tenha sido oportuna, atendendo ao contexto da crise económica, financeira e social em que temos vivido desde 2011. Muitos desses terrenos encontram-se valorizados nos balanços das empresas e das famílias, com o valor atribuído ao solo como se já estivesse classificado como urbano. Por outro lado, muitos foram dados como hipoteca para obtenção de financiamentos, o que poderá vir a constituir uma perda de valor por via administrativa, de forma inversa à anterior produção de riqueza pela mesma via. Na minha opinião, perante a situação em que nos encontramos não havia necessidade de impor esta disposição para agravar o que já é difícil. Em sentido contrário, considero como muito positiva a medida que obriga os planos intermunicipais e municipais, nomeadamente os PDM, a incluir as disposições previstas nos planos de âmbito nacional, nos setoriais e nos especiais.