ONDE OS EUROS CHEIRAM A LIBERDADE
A Letónia tornou-se o 18.º membro da zona euro, depois de um ajustamento que levou a uma consolidação de 17% do PIB em três anos.
Com a temperatura perto dos 0 graus e a noite já a cair sobre Riga, avistamos ao longe o Milda no Monumento da Liberdade e sabemos que a cunhagem da imagem da deusa do amor e da liberdade nos novos euros é um verdadeiro orgulho para os letões. Dizem-nos que apenas 20% da população está a favor da adesão da Letónia à moeda única, mas o carácter resignado e paciente dos cidadãos reflete-se em cada conversa e em cada palavra sobre a nova realidade monetária do país: “gostava mais dos lats (moeda nacional) e tenho medo de que os preços subam muito com o euro, como aconteceu noutros países, mas aqui quem manda é o Governo e o povo obedece”, diz-nos Daniels Lahs, enquanto conduz o táxi pelas ruas molhadas de uma cidade onde o número de Porches e BMW’s a circular esconde uma realidade mais profunda de um país onde perto de 40% da população está em risco de pobreza. É difícil imaginar, num país como Portugal, como é que os cidadãos da Letónia aceitaram sem protestar um ajustamento draconiano imposto nos últimos anos por um programa de assistência requisitado ao FMI e à União Europeia de 7,5 mil milhões de euros. Em nome do euro e da salvação da economia da Letónia, os salários foram cortados em 25%, as pensões encolheram 10% e a despesa pública emagreceu 40%, à custa do encerramento de cerca de metade das agências do Governo e organismos do Estado. “E o vosso Tribunal Constitucional?”, perguntamos interessados. “O nosso Tribunal Constitucional considerou o corte nas pensões legal, além de que numa situação de tão grave crise há necessidade de algumas alterações nas constituições”, defende o ministro das Finanças, Andris Vilks, para quem é difícil colocar-se no papel de Maria Luís Albuquerque ou Passos Coelho, considerando que “há direitos que não podem permanecer eternamente” e que se estivesse no lugar dos responsáveis portugueses não saberia como solucionar o problema da economia se as suas medidas fossem rejeitadas pelo Tribunal Constitucional.
Convictos de que a disciplina orçamental é o caminho e que os países a braços com problemas financeiros têm que cumprir as regras que estão determinadas e fazer o seu “trabalho de casa”, as autoridades da Letónia prometem ser mais um país do Norte a juntar-se àqueles que defendem a austeridade a qualquer preço e que não darão benesses a países como Portugal, Espanha ou Grécia. Apontada como um caso de sucesso, atingindo no ano passado o nível mais alto de crescimento da Europa (4,5%), a Letónia fez uma consolidação de 17% do PIB entre 2008 e 2011 e diminuiu em 40% a despesa pública. Uma lição para Portugal: “têm que olhar para o vosso setor público e têm que reduzir pessoas, organismos e salários”, sentencia o ministro das Finanças, Andris Vilks. Mas nem tudo são rosas na “Suíça dos Bálticos”. A pulverização do sistema bancário (com 26 licenças operacionais e um peso enorme dos depósitos dos chamados não residentes russos) preocupa a Europa e aqueles que veem na Letónia um futuro Chipre. As suspeitas de que o país possa servir para lavagem de dinheiro do crime russo aumentam com a entrada no euro. Mas o presidente Andris Berzins garante que a supervisão bancária na Letónia “é muito forte” e que o sistema está muito “capitalizado”. Também o primeiro-ministro, Valdis Dombrovskis, lembra que os três principais bancos são suecos, o que permite afastar esses perigos. Mas é também esta realidade que coloca um outro problema: a Suécia não está no euro e é preciso ver como é que os seus bancos se vão adaptar à nova moeda da Letónia.
A entrada no euro foi vista com reticências pela população, é certo, mas há um argumento que promete convencer: estar no euro afasta os perigos de a Letónia ver a influência soviética ganhar força dentro de portas. “Não precisamos de uma babysitter para negociar com a Europa”, ironiza o primeiro-ministro, quando questionado sobre o problema da Ucrânia, que falhou a integração europeia muito por força da influência do regime de Putin. A Letónia promete também não ser um parceiro “silencioso” da zona euro, e Dombrovskis é mesmo apontado como um dos possíveis nomes para presidente da Comissão Europeia. Na Letónia, eurobonds ou união bancária são temas sensíveis. E nem o apelo do presidente da CE, Durão Barroso, para que a união bancária seja formalizada antes de Maio, chega para convencer. Essa união não é possível, acredita o Governo da Letónia, enquanto os países não tiverem uma disciplina fiscal e orçamental mais similar. Para um país onde os sacrifícios foram tantos e tão rápidos, olha-se para Portugal com algum moralismo. “Têm que perceber que têm que fazer o seu trabalho de casa como nós fizemos o nosso e cumprir as regras”, diz o ministro das Finanças, Andris Vilks. E quanto mais depressa essas regras forem cumpridas, melhor, garante o primeiro-ministro. “Temos um ditado: se tivermos que matar o gato, é melhor que o façamos num golpe do que em cinco.” Para Durão Barroso, que esteve em Riga na cerimónia de adesão ao euro, a Letónia é a prova de que os países que levam a cabo rigorosos programas de ajustamento podem “sair da crise mais fortes” e a prova de que é legítimo ter confiança no euro. Também Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, acredita que a Letónia se juntou a uma “zona euro mais forte” e que a sua adesão mostra ao mundo a “vitalidade” da moeda única.