ISABEL MEIRELLES

DIAMANTES DE SANGUE

Robert Mugabe, com 93 anos de idade e 37 anos de poder, o chefe de Estado mais velho do mundo e o ditador que, através de eleições democráticas em 1980, se tornou primeiro-ministro do Zimbabué – um país, entretanto, declarado independente –, conseguiu romper uma coligação de Unidade Nacional e evoluir para um sistema presidencialista, autoritário, fora do controlo democrático e do Estado de Direito.

 

Inicialmente reformador e protetor do Estado social, Robert Mugabe fica para a história como um ideólogo marxista que nacionalizou indústrias, expropriou terras dos seus proprietários originais e levou a economia nacional a um declínio sem precedentes, com uma população faminta, doente e afetada severamente pelo desemprego e, sobretudo, como um tirano que assassinou mais de 20 mil pessoas de comunidades apoiantes do seu rival Joshua Nkomo, liquidando impiedosamente a oposição interna. Para completar o quadro de um presidente cuja governação guindou 72% das pessoas abaixo do limiar da pobreza, casou com a sua antiga secretária e amante, Grace, 41 anos mais nova, cuja vida tem todos os elementos para um verdadeiro filme de ação, dado o seu apetite ávido de poder, mas também de amantes, com traições e diamantes de sangue, de que se apropriou, depois de o presidente Mugabe ter nacionalizado estas minas e expulso as empresas estrangeiras do país em 2006.

 

Escândalos que se sucederam

Os escândalos sucederam-se com gastos e viagens sumptuosas, mansões exuberantes, a contrastar com a miséria do seu povo, e, por isso, incluída na lista de dignitários do Zimbabué impedidos de viajar para a Europa na decorrência das sanções impostas ao país pela União Europeia e que levou, inclusive, ao congelamento das suas contas e as de Mugabe no Reino Unido. Contudo, os seus ardis políticos – em que contou com o apoio do marido, quando este convenceu o partido a acabar com a eleição dos vice-presidentes, que seriam nomeados por si mesmo – podem ter ditado a revolta silenciosa que, até ao momento, dificilmente pode ser apelidada de golpe de Estado, embora com os militares a alcançarem o controlo da situação, que destitui Mugabe da liderança pelo seu próprio partido no poder, a ZANU-PF – União Nacional Africana do Zimbabué – Frente Patriótica, e ditou o seu impeachment. O Comité Central do ZANU-PF decidiu, entretanto, designar como novo líder, nesta revolução quase silenciosa, o antigo vice-presidente Emmerson Mnangagwa, afastado do poder por Mugabe, o qual continua a negar a evidência, recusando-se a admitir, com uma força e um apego ao poder absolutamente insólitos, a sua substituição, ignorando as ruidosas manifestações populares de júbilo no país, em especial em Harare, pelo suposto fim de uma das ditaduras mais cruéis e sangrentas de África, de que foi o principal protagonista.

 

Alvos na mira

Os militares declaram ter apenas como alvo os criminosos em torno de Mugabe, que estão a cometer crimes que causam sofrimento social e económico ao país, com o objetivo de apresentá-los à justiça, e que a situação regressará ao normal logo que a sua missão seja cumprida. A comunidade internacional a quem Mugabe virou as costas, apenas quer agora a resolução pacífica da crise e um governo de transição que faça regressar o país ao progresso e que evite uma calamidade num golpe urdido, pode dizer-se dentro da lei, mas sem perda dos frágeis apoios externos existentes.  Ventos de mudança que se desejam, quando o país atravessa uma grave crise e cerca de 90% da população ativa está no desemprego, ansiando que o mundo e o Zimbabué tenham mudado ao ponto de não haver mais lugar para a autocracia e contínua ruína e sofrimento do seu povo, com desejos profundos de que a esperança e a prosperidade voltem a um país tão massacrado pela crueldade dos seus dirigentes!