SOCIEDADE EM MUDANÇA – A Revolução pós-Covid-19. De repente, parece que tudo ruiu a uma velocidade impensável. A propagação de um vírus hipercontagioso, invisível e sem conhecer fronteiras, fez parar o mundo, as viagens, a produção, e todos os modelos económicos e de vida ficaram paralisados. Durante décadas fomos construindo um modelo de sociedade que pretendia crescer cada vez mais e melhorar a vida de todos, desde o sistema de saúde até ao acesso fácil a todo o tipo de bens. Milhares de leis e regras foram publicadas para regular e fiscalizar as diferentes atividades, bem como impostas restrições financeiras com graves consequências no nível de vida das pessoas, tudo se desenvolvendo segundo os modelos de quem detém os diferentes poderes. O tempo passou a ser um bem cada vez mais escasso, pois com tantas obrigações e solicitações as 24 horas do dia eram insuficientes, e se o dia passasse a ter 48 horas, dentro de pouco tempo também seria insuficiente, numa pressa de consumir a vida, como se fôssemos imortais. Os crescentes sinais de poluição começaram a ameaçar as condições de vida na Terra e multiplicaram-se os apelos para se introduzirem limitações para salvar o planeta e as condições indispensáveis a todos os seres vivos.
Passámos a discutir e a colocar como prioridade questões menores e até insignificantes, perante outros temas de grande relevância, como sejam, as condições dos sistemas de saúde, a importância de algumas profissões críticas, as condições em que trabalham, são remuneradas e pouco reconhecidas, como são os profissionais de saúde, as forças de segurança e tantos outros profissionais vitais num Estado que deve estar preparado para situações de emergência. Muitas vezes estes profissionais foram tratados com profunda indiferença pelo poder político e até por alguma população, equiparados a outras profissões sem a mesma importância vital, passando para a vala comum da igualização. Os filhos passaram a ver os pais muito pouco tempo e a escola passou a ser o lugar de ensino, de educação e de ocupação de tempos livres, pois em casa apenas há tempo para comer e dormir.
Modelos paralisados – Mas, de repente parece que tudo ruiu a uma velocidade impensável. A propagação de um vírus hipercontagioso, invisível e sem conhecer fronteiras, fez parar o mundo, as viagens, a produção, e todos os modelos económicos e de vida ficaram paralisados. O que ontem era certo ou previsível passou a não existir e a prioridade passou a ser uma única, proteger a saúde da população e tratar dos infetados. O crescimento económico fica adiado para um futuro desconhecido, discutindo-se se a retoma será em U ou em V, ou seja, lenta ou rápida, após passar o contágio do coronavírus. O setor imobiliário e o turismo, que têm sido a alavanca do crescimento económico nos últimos anos, estão quase paralisados. Até 11 de março, cerca de 90% da procura de imóveis era feita online, e na semana seguinte a procura recuou cerca de 60%. O sistema financeiro que ontem era gerido por rácios administrativos que obrigaram a aquisições de bancos, para se assegurar a concentração bancária na UE, e a intervenções com custos significativos para o erário público, para que tudo estivesse alinhado com modelos predefinidos, tem que alterar as regras para salvar o Estado, as empresas e os rendimentos das famílias. Ontem discutíamos se o crescimento era de mais ou menos 0,1% e se da dívida pública tinha ou não excedente, mas hoje nada destas importantes questões tem significado. Pela primeira vez a Comissão Europeia suspendeu a disciplina orçamental, permitindo aos Estados-membros gastar o que for necessário para combater as consequências económicas e financeiras do coronavírus.
Um novo modo de vida – Finalmente passámos a ter em excesso um bem que era muito escasso, o tempo, e quando todos ficamos em casa, já não sabemos como viver com tanto tempo e como organizar um novo modo de vida. Há tempo para os filhos, para falar, cozinhar, com um tempo que nunca foi o nosso, pois fazia parte de histórias de outros séculos numa sociedade pouco desenvolvida. Na Europa, para as gerações que nasceram após o fim da II Guerra Mundial e que têm hoje menos de 75 anos, o cenário atual é totalmente novo e provoca reações imprevisíveis, pois não fomos treinados ou ensinados a viver neste tipo de ambiente. Mas neste contexto surge sempre o melhor do ser humano num instinto de sobrevivência, com a solidariedade que antes parecia já não existir, desde o esforço dos cientistas para descobrirem uma vacina, até à simples distribuição de comida pelas pessoas mais idosas. Em poucos dias as empresas de serviços passaram a organizar-se com os trabalhadores em teletrabalho e a produção continua. Percebemos hoje quais são os sistemas produtivos e os profissionais vitais para assegurar o funcionamento do que é essencial, voltámos à base da pirâmide de Abraham Maslow, que classifica as necessidades humanas em cinco categorias por ordem hierárquica: (1) Necessidades básicas; (2) Segurança; (3) Necessidades sociais; (4) Reconhecimento (estima e apreço) e (5) Autorrealização.
Consequências positivas – Mas certamente depois desta grave epidemia que tem afetado dramaticamente as pessoas, o amanhã irá ter muitas consequências positivas. O teletrabalho poderá vir a ser implementado de forma mais generalizada, o que conduzirá a menos deslocações diárias para o local de trabalho, menos poluição e mais tempo para a família e atividades lúdicas, sem prejuízo da produtividade. As empresas terão o benefício de necessitar de menos espaço e ter menos despesa.
Passaremos a saber distinguir entre o acessório e o essencial, e se o poder político compreender o estado a que chegámos, poderá estar disponível para uma reforma da Administração Pública, valorizando o que deve estar na primeira linha em caso de emergência, pois é provável que este tipo de situações se venha a repetir, como já sucedeu neste século a propósito da gripe A. Ao nível financeiro, os países do Sul da Europa, que tanto sofreram com a crise dos mercados financeiros e com a dívida pública, levando muitos países a situações extremas de contenção da despesa, terão que ter uma outra abertura para que a economia possa recuperar com manutenção dos postos de trabalho. Por outro lado a vulnerabilidade de todas as pessoas e a solidariedade e empenho de alguns, para bem de todos, irá dar mais importância às relações, aos afetos e ao respeito que todos merecem, talvez com a esperança de se reduzir o ambiente de conflito permanente que se foi desenvolvendo na sociedade.
É uma grande oportunidade para se repensar o nosso modelo de desenvolvimento, de organização e de vida, pois a História ensinou-nos que periodicamente há disrupções que alteram o que parecia seguro, e esta pode ser uma oportunidade para um futuro melhor.