QUE FUTURO PARA A REABILITAÇÃO URBANA? A reabilitação urbana profunda em edifícios, em comparação com a promoção da construção nova, é uma atividade mais onerosa e imprevisível no controlo dos custos e do tempo e com um quadro legislativo e regulamentar mais exigente e difícil, levando normalmente a preços de venda mais elevados. Se a par das circunstâncias de risco inerentes à reabilitação urbana associarmos a degradação das zonas onde normalmente se situa a maioria dos edifícios degradados e devolutos, facilmente se percebe que o início deste tipo de intervenções para requalificar as cidades e devolver os edifícios ao seu uso é uma tarefa muito difícil em qualquer parte do mundo e que requer grandes investimentos e medidas de incentivo. Em Portugal as operações de requalificação urbana de grandes áreas públicas degradadas resultaram sempre de eventos específicos. Recordo, como exemplo, a Exposição do Mundo Português em 1940, que requalificou a zona de Belém em frente do Mosteiro dos Jerónimos e em 1998 a Urbanização Parque Expo. Mas quando nos focamos na necessidade de reabilitar os edifícios dos centros históricos das cidades, como tem sido reconhecido desde finais do século passado, só um conjunto singular de circunstâncias permite o início de operações maciças de requalificação e reabilitação urbana, apesar de as políticas públicas para a sua promoção terem medidas desde 2004, quando se criaram as Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) e, em 2009, o regime jurídico da reabilitação urbana. Mas sem investimento e planos concretos as iniciativas públicas demonstraram não serem suficientes para se promover a reabilitação urbana. Por outro lado, o Estado, enquanto grande proprietário de imóveis a necessitar de reabilitação ou de alteração de uso, foi incapaz até à data de se organizar e promover o que devia.
A reabilitação urbana como alternativa – Contudo, fruto da quase paralisação do licenciamento da construção nova a partir de 2012 e das medidas políticas do Governo de então, nomeadamente a legislação produzida entre 2012 e 2014, a reabilitação urbana surgiu como alternativa e, de repente, nos centros históricos das cidades de Lisboa e Porto assistimos a operações de reabilitação como nunca tinham existido. Surgiram hotéis em edifícios requalificados, restaurantes, comércio, alojamento local, residências para estrangeiros e novas ofertas, mas a preços não acessíveis à maioria da população, pois não é possível colocar no mercado edifícios a preços acessíveis depois de uma operação que exige a compra do imóvel em mau estado, mas a preços superiores ao do terreno, para a sua recuperação com exigências e regras que elevam a reabilitação para custos superiores aos da construção nova, para além do tempo normalmente também superior.
Diminuição do investimento – Para agravar este ambiente desfavorável ao investimento em reabilitação urbana foi publicada legislação recente (Decreto-Lei nº 59/2019), que condiciona ainda mais as operações de reabilitação em edifícios ou frações autónomas, revogando o regime excecional da reabilitação urbana que deveria estar em vigor até 2021. Parece que as políticas públicas, através da legislação dos últimos anos, passaram a atacar quem tem teve a iniciativa de promover este tipo de operações e presumo que a curto prazo o investimento irá diminuir devido à instabilidade legislativa e à falta de confiança, sem que, em contrapartida, o Estado tenha assegurado o que deveria, ou seja, o apoio ao arrendamento e à promoção de habitação social, pelo que as famílias que necessitam de habitação estão hoje numa situação mais difícil do que tinham no início do século XXI. É óbvio que a solução foi a reabilitação dos edifícios para atividades turísticas e para cidadãos estrangeiros que estão dispostos a pagar o preço que resulta da soma dos custos, acrescida da margem de lucro. Não é verdade que este tipo de operações tenha deslocalizado os habitantes de Lisboa e Porto como vamos repetidamente ouvindo, pela simples razão de que, no caso de Lisboa, entre 1981 e 2011 (censos) a cidade perdeu 260 mil habitantes, grande parte dos quais dos centros históricos que ficaram desertos. Pode-se tentar reescrever a história por conveniência ideológica e com a ajuda da demagogia e do populismo que não conhecem limites, mas os investidores percebem os sinais dos tempos e já estão a inverter as tendências, pois os dados recentemente publicados devem interrogar-nos sobre o futuro da reabilitação urbana.
Sinais de inversão da tendência – Segundo os dados divulgados pela Confidencial Imobiliário, entre Janeiro de 2017 e Junho de 2019 foram submetidos a licenciamento na Câmara Municipal de Lisboa 9758 fogos. Os dados do 1.º semestre evidenciam uma inversão da tendência de investimento na reabilitação urbana para a construção nova. Entre 2017 e 2018, 42% do licenciamento era para construção nova, mas no 1.º semestre de 2019 subiu para 59%, tendência que é ainda mais relevante quando sabemos que o total de fogos em licenciamento a nível nacional, acumulado no mesmo período, foi de 93.129. Esta evidência está em sintonia com a inversão do número de fogos concluídos e licenciados em cada ano. O número de fogos novos licenciados até 2006 (71.909) foi sempre superior ao dos concluídos, representando a reabilitação urbana menos de 10% do total. Entre 2007 e 2014 o número de fogos novos licenciados passou a ser inferior aos concluídos, pois a crise quase eliminou o investimento, que se limitou a concluir o que estava em construção. Em 2014 apenas foram licenciados 6934 fogos novos. Podemos resumir a situação das exigências a aplicar na reabilitação dos edifícios localizadas em zonas históricas ou na zona de influência de edifícios classificados com a seguinte frase: “Queremos reabilitar edifícios do século XIX, com a aplicação de regras de século XXI, para famílias com rendimentos do século XX”.
O problema está nos rendimentos das famílias e no aumento muito significativo do custo de construção, pelo que talvez fosse boa ideia revogar muitas das exigências que são as gorduras do sistema, nomeadamente normas, regulamentos e impostos, a fim de ajustar os preços aos rendimentos.