MORTE DIGNA, SEM “EUTANÁSIA”
Há uma imensa confusão na utilização da terminologia relacionada com a eutanásia, pelo que se justifica apresentar um conjunto de definições esclarecedoras.
A eutanásia é uma palavra grega que significa “boa morte” e que tem sido utilizada com o significado de antecipação deliberada da morte de um doente, a pedido deste, em dias, semanas, meses ou anos, também chamada de “eutanásia ativa”. A ortotanásia é a morte natural, quando já nada se pode fazer. É o que acontece diariamente em casa das pessoas, nos hospitais e nas Unidades de Cuidados Paliativos, quando algum doente morre, quando se decide suspender os tratamentos ineficazes ou quando se “desliga a máquina”, sendo a pessoa tratada apenas para evitar o seu sofrimento. Também se chama de “eutanásia passiva”, mas este termo deve ser evitado, porque gera confusão; quando se fala de “eutanásia” as pessoas ficam sem saber que tipo de eutanásia está a ser referida, se a ativa se a passiva. A distanásia, futilidade ou encarniçamento terapêutico, é o prolongamento da vida a todo o custo, por vezes sob pressão dos familiares, mesmo quando clinicamente se sabe que já não há recuperação possível, recorrendo intensamente a todas as medidas de suporte da vida, podendo causar desconforto e sofrimento ao doente. A distanásia é condenada pelo Código Deontológico da Ordem dos Médicos e por todas as religiões. A mistanásia, ou eutanásia social, é o que ninguém deseja. Representa a morte infeliz ou miserável, antes do tempo, em situações de acidente, omissão de socorro, negligência, imprudência ou imperícia. Pode ter causas sociopolíticas. As mortes sem assistência nas urgências, devidas aos atrasos no atendimento, são casos de mistanásia. A morte assistida, de acordo com o manifesto que defende a respetiva despenalização, “consiste no ato de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado –, antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento sem esperança de cura”. É um conceito mistificador, pois faz crer que as “outras” mortes não são assistidas! Deveria dizer-se “morte antecipada assistida”. Repare-se que o manifesto não fala em “doentes terminais”, preconizando a eutanásia nos casos de “sofrimento”. A sedação paliativa representa a diminuição deliberada do nível de consciência do doente, mediante a administração de fármacos apropriados, com o objetivo de evitar um sofrimento intenso causado por um ou mais sintomas refratários. Pode ser contínua ou intermitente, procurando-se o nível de sedação mínimo que consiga o alívio sintomático. Em situações terminais e com grande sofrimento, a sedação é contínua e tão profunda quanto necessária para aliviar esse sofrimento. Pode dar origem ao “duplo-efeito”, ou seja, antecipar um pouco a morte, mas não se considera eutanásia, pois o propósito não é o de antecipar a morte, mas sim o de combater o sofrimento.
Diversas opções
A Declaração Antecipada de Vontade, efetuada ao abrigo e para os efeitos previstos na Lei 25/2012, traduz a manifestação antecipada da vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que o próprio deseja receber, ou que não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente. O Consentimento Informado é o consentimento dado pelo doente, depois de devidamente informado da razão, dos riscos e dos benefícios, para a realização de qualquer ato em saúde. Conforme a ERS, “reflete uma manifestação de respeito pelo doente enquanto ser humano e constitui o garante de que qualquer decisão tomada assenta nos pressupostos de autorresponsabilização e de liberdade de escolha”. Terminado este curto glossário, torna-se evidente que contra a vontade do próprio ou dos familiares responsáveis, ninguém pode ser submetido a tratamentos obstinados que prolonguem artificialmente o sofrimento das pessoas, pelo que a deliberada antecipação da morte é desnecessária para evitar este receio. Naturalmente, todos pretendemos uma vida digna e uma morte sem sofrimento. Porém, infelizmente ainda há muitos portugueses que não têm nem uma nem outra. Os valores da solidariedade e humanismo devem obrigar-nos a lutar por esses direitos para todos.
Confronto com o sofrimento
Com acesso a bons cuidados, particularmente se familiares, a unidades de dor, a unidades de cuidados paliativos, a apoios domiciliários, ninguém precisa de se confrontar com o sofrimento de antecipar a morte para diminuir o sofrimento em vida, como demonstra a evidência. Por isso mesmo, é profundamente perturbador que se pretenda que a antecipação deliberada da morte seja solução para o “direito a morrer com dignidade”, o que pode transformar-se num conceito socialmente muito perigoso. Lamentavelmente, nos países onde foi aprovada, a legislação da morte assistida deu origem a preocupantes e inevitáveis abusos, pois é impossível definir fronteiras com clareza para o “sofrimento”, abrindo-se uma caixa de Pandora, sendo inclusivamente praticada eutanásia sem pedido do próprio e em situações de mera depressão. Duas situações para reflexão. Um doente deprimido com ideação suicida, que está em sofrimento, muitas vezes por problemas sociais, como o desemprego, e que, como parte da doença, quer e pede para morrer, passará a ser ajudado a viver ou a morrer? Que risco correrão os idosos de passarem a ser encarados pela família como “um fardo” desnecessário e serem pressionados para optarem pela “solução” barata da eutanásia? Que prossiga o debate sobre esta complexa problemática. Uma coisa é certa, a eutanásia, que não é um ato médico, não é necessária para uma vida e/ou uma morte com dignidade.