Promover o desporto na UE é promover os valores da UE
Falar do processo de construção europeia e da identificação dos cidadãos com o mesmo deve, a meu ver, incidir desde logo na análise sobre o que pode e deve ser um veículo de promoção dos valores identitários europeus, que explicam a razão de ser da UE.
Esta tarefa está facilitada pela redação do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual a UE se funda nos “valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias”. Mais acrescenta o mesmo preceito que estamos perante valores que, cito, “são comuns aos Estados-Membros”, ou seja todos os Estados da UE comungam e respeitam esses valores – que, na expressão de Blanchard, são o “património constitucional comum da UE” – e assim se comprometem a promovê-los em comum. Contextualiza-se ainda no mesmo preceito legal que a vivência desses valores é feita, cito, “numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres”. De igual modo, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE (CDFUE) é expressiva dos valores que os povos dos 28 Estados-membros compartilham, exaltando logo no seu preâmbulo os valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade. E falamos de uma UE – é importante sublinhar esta questão – que na última década do século XX se recentrou na pessoa – a Europa dos Cidadãos – e não somente no indivíduo enquanto trabalhador, prestador de serviços, ou consumidor, ampliando direitos originários como as liberdades fundamentais de circulação de pessoas, bens, capitais, de prestação de serviços e direito de estabelecimento. Falamos, portanto, de uma UE que deixou de se focar quase exclusivamente na livre concorrência e numa ideia de que se conferiam direitos às pessoas apenas na medida em que estas participassem no mercado, colocando assim, gradualmente, o acento tónico mais nos aspetos sociais: a Humanização da União.
Aposta no desporto
É neste contexto que me bato para que se aposte cada vez mais no desporto no território da UE, uma vez que a sua prática e a sua vivência ajudam seguramente a que os cidadãos da UE melhor compreendam os propósitos de uma Europa Unida. Ninguém tem dúvidas do seguinte: o desporto ajuda na aquisição de valores e comportamentos como a autenticidade, a coragem, a perseverança, a autoestima, a equidade, a honestidade, a excelência, o agonismo, a disciplina, o comprometimento, a dedicação, a abnegação, a cultura do sentido de esforço, a magnanimidade, a entreajuda, a partilha, o altruísmo, a generosidade, a doação, a tenacidade, a valorização, ou o confronto leal (por contraposição a uma postura rancorosa). Também é consensual que o desporto educa para a cidadania. Estimula a ordem, a seriedade, molda o carácter – como disse o papa Pio XII, “o desporto não é só desenvolvimento físico. O desporto corretamente entendido tem em conta o homem todo”. O tal homem que se quer digno, que se procura que transforme impulsos negativos em propósitos positivos. Ora tudo são valores que a UE também prossegue, princípios que a UE também pretende fazer vingar, sendo que só o pode almejar se os seus cidadãos os experimentarem, sendo que, a meu ver, o desporto pode ser uma mola real. Nesse sentido, o aprofundar da identidade europeia pelo desporto deve ser um desígnio. E não faltam meios de promover os valores comuns dos Estados-membros da UE, logo os valores da UE, através do desporto. Bem sei que, apesar do TFUE prever a existência de uma “dimensão europeia do desporto”, não são ainda consensuais algumas ideias. Na verdade, se já é consensual que se apoiem iniciativas como a Capital Europeia do Desporto, o Dia Europeu do Desporto ou a Semana Europeia do Desporto, já não se passa o mesmo face a ideias avançadas, sobretudo desde o famoso Relatório Adonnino, de 1986, e replicadas ou desenvolvidas recentemente, realçando-se o papel do Parlamento Europeu – como seja a ideia de tocar a Ode à Alegria quando subam ao pódio atletas oriundos da UE; a possibilidade de os atletas da UE, nos grandes eventos, vestirem o emblema da UE, a par do símbolo nacional; a formação de equipas europeias; ou o uso de uma bandeira (europeia) comum. Pessoalmente tais ideias não me repugnam, pelo contrário: estou mesmo ao lado de quem, como um eurodeputado, após os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, frisou que a iniciativa da bandeira seria uma forma de demonstrar a ligação dos atletas, cito, à “identidade e aos valores que defende a Europa”. E elogio ainda, na mesma senda, o apoio que a Comissão Europeia deu, nos anos 1990, à Volta à Europa à Vela, face, e passo a citar uma resposta a uma pergunta escrita euro parlamentar, ao “carácter simbólico desta regata para a construção europeia”.
Enfatizar a pertença dos cidadãos
Quaisquer que sejam as ferramentas, mais ou menos ambiciosas, creio-as como indispensáveis, porquanto servirão para enfatizar a pertença dos cidadãos e atletas à UE e a sua consciência europeia, sublinhando a sua identidade/cidadania europeia, a cumular à sua identidade/cidadania nacional. Um repto que aqui me permito deixar para o “novo” Parlamento Europeu e a “futura” Comissão Europeia. Concluo apenas invocando Michael Bruter, no seu livro, de 2005, intitulado Citizens of Europe? The Emergence of a Mass European Identity. Suportando-se num questionário onde se procura aferir “How ‘European’ are Europeans”, o autor partilha que uma das ocasiões em que um cidadão da UE sente mais essa cidadania, essa identidade, é quando há jogos/competições desportivas que opõem clubes/seleções de países da UE a adversários… de países terceiros…