COTRAPONTO
FILIPA MARTINS – Biografia de Natália Correia chegou às livrarias na passada quinta-feira, 16 de março, dia em que se cumpriram 30 anos sobre a morte da poetisa.
Natália: por vezes fêmea, por vezes monja, uma mulher de carisma paralisante.
Intimidando pela verve de aríete e pela beleza, Natália Correia simbolizou, como poucos, as inquietações do século XX português. Precoce e radical no pensamento feminino, vítima de efabulações e de mitos, incompreendida e amada, lançou um olhar oracular sobre o seu tempo. Em tertúlias, que eram verdadeiras olimpíadas da confraternização lisboeta, o seu traço aglutinador envolvia, juntamente com o fumo dos cigarros, intelectuais e admiradores, que se irmanavam com párias e malditos em ideias e poemas de vanguarda.
Mulher deslumbrante e carismática, equiparada às maiores pensadoras europeias e às estrelas de Hollywood, atacou o Regime onde mais lhe doía – na moral caduca –, elegeu o erotismo como arma política e tornou-se a autora mais censurada da ditadura. Já no bar que fundou em Lisboa, fez e desfez governos à batuta da sua boquilha.
Nesta biografia, da autoria de uma das vozes mais seguras da nova literatura portuguesa, convivem a libertária e a conservadora, avessa a expor a sua atribulada vida íntima, a mulher que desprezava a política partidária e que nela viveu, inclusive como deputada; o espírito frágil e o temperamento intempestivo; o polémico exercício de funções diretivas em órgãos de imprensa e a defesa intransigente das causas maiores; e em todas as páginas, as contradições e coerências de uma pensadora capaz de criar para si própria uma narrativa que não a torturasse pelas escolhas que fez.