“FAÇO UM BALANÇO POSITIVO DO MEU MANDATO, PORQUE GRANDE PARTE DOS OBJETIVOS QUE O GOVERNO TINHA FIXADO PARA ESTE PRIMEIRO ANO DE TRABALHO FORAM ATINGIDOS”
Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, José António Vieira da Silva voltou ao ministério que tinha ocupado entre 2005 e 2009 e onde realizou uma das mais importantes reformas estruturais feitas em Portugal. O atual ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social falou, em entrevista à revista FRONTLINE, dos grandes desafios do seu ministério: “neste momento, o grande combate deste ministério passa pelo emprego. Nenhuma sociedade recupera os níveis de confiança no futuro e a vontade para a inovação quando, persistentemente, tem níveis muito elevados de mulheres e homens, involuntariamente, fora do mercado de trabalho. O grande combate é o de recuperar condições ao nível do emprego, e isso tem vindo a acontecer”, sublinhou. Vieira da Silva destacou ainda a “permanente melhoria da proteção social” como outra das grandes preocupações da pasta que tutela. Quando questionado sobre o crescimento do emprego em Portugal, o ministro afirma que ele é real e que se deve, essencialmente, “ao setor privado”, não é o Estado que está a “criar emprego”. E mesmo os “apoios públicos à criação de emprego” não têm hoje a dimensão que já tiveram no passado. Quanto a desafios para o futuro, o grande destaque recai sobre o de continuar uma “política de melhoria do mercado de trabalho, de reequilíbrio da Segurança Social”.
Qual o balanço que faz do seu mandato?
Faço um balanço positivo do meu mandato – embora seja ainda muito curto –, porque grande parte dos objetivos que o Governo tinha fixado para este primeiro ano de trabalho foram atingidos. Também nesta área do emprego, do trabalho e da segurança social temos vindo a melhorar sistematicamente, e de forma consistente, a situação do mercado de trabalho – esse é um objetivo fundamental do Governo. Sem uma recuperação sustentada a nível do emprego, será sempre muito mais difícil voltarmos ao caminho do progresso e do desenvolvimento. Do lado da segurança social, destaca-se um conjunto de compromissos políticos que foram assumidos no domínio da recuperação dos rendimentos, da melhoria das prestações sociais, da melhoria da situação financeira da Segurança Social, e, felizmente, chegámos ao final de 2016 com esses objetivos genericamente atingidos. Temos uma taxa de desemprego mais baixa, uma situação mais equilibrada na Segurança Social, melhorámos uma boa parte das prestações sociais e o balanço é, globalmente, positivo.
Foi distinguido, pelo barómetro do Expresso, como um dos ministros com a avaliação mais positiva. Cerca de 33% dos portugueses inquiridos citaram-no como um dos ministros com melhor desempenho. Como comenta?
Obviamente que seria hipócrita da minha parte dizer que me é absolutamente indiferente, pois é preferível estar nesta situação do que na oposta, mas também tenho a noção de que estas são situações transitórias. A opinião pública evolui com os tempos, e não são esses indicadores que considero relevantes para poder fazer um balanço positivo na minha área de atuação.
Que avaliação é que faz do desempenho dos parceiros que viabilizaram este Governo?
A minha avaliação não é muito diferente da generalidade dos portugueses. Sabemos que este Governo nasceu num contexto muito complexo, e até original, e o que resulta dos estudos de opinião que são publicados com regularidade é que tem vindo a crescer o número de portugueses que reconhecem que este equilíbrio parlamentar, que temos hoje, tem vindo a surpreender positivamente, porque trouxe um patamar de estabilidade e de recuperação da confiança que muitos julgavam que não era possível acontecer.
Que diferenças encontrou quando regressou a este ministério?
Neste momento, o grande combate deste ministério passa pelo emprego. Nenhuma sociedade recupera os níveis de confiança no futuro e a vontade para a inovação quando, persistentemente, tem níveis muito elevados de mulheres e de homens, involuntariamente, fora do mercado de trabalho. O grande combate é o de recuperar condições ao nível do emprego e isso tem vindo a acontecer. Existe uma outra batalha, deste ministério, que é a da permanente melhoria da proteção social, e essa melhoria é vista a dois níveis: de curto prazo – da eficácia das prestações, do facto de chegarem às pessoas que delas necessitam e cobrirem as eventualidades para as quais foram concebidas; e depois, numa dimensão mais a longo prazo, de sustentabilidade dos sistemas de proteção social.
Fala-se muito do risco de colapso da Segurança Social. O que é que mudou desde a reforma de 2007, em que nos asseguravam que a sustentabilidade do sistema estava mais ou menos garantida até 2050?
A Segurança Social é uma realidade que, por vezes, é discutida de uma forma excessivamente ligeira, porque se olha para ela esquecendo que ela é fortemente tributária de realidades que a envolvem. De que é que vive a Segurança Social? Ela depende, fortemente, da situação económica, também da situação social – do ponto de vista das necessidades –, mas não é possível termos uma Segurança Social duradouramente sustentável numa economia frágil. Existem dimensões que são estruturais, e nós temos vindo a aprofundar aspetos negativos da nossa democracia, como a natalidade, que começa agora a recuperar. De referir que a natalidade caiu mais de 15% em dois ou três anos, que é um dado que encontra poucos paralelos na História. Somente quando se vive momentos de guerra ou tensão social é que encontramos paralelo na História para estes valores.
Será necessária uma nova reforma da Segurança Social? Quais os aspetos que mais o preocupam?
Nunca tive a visão das alterações da Segurança Social como processos que correspondam a mudanças drásticas, que resolvam de uma só vez os problemas que existem. Gosto mais de falar de gestão reformista do que, propriamente, de reforma, e essa gestão reformista precisa de ser feita sistematicamente. Não julgo que tenhamos condições para fazer uma grande reforma, que mude a natureza do modelo, porque isso tem custos extremamente pesados e tem níveis de incerteza muito grandes.
Os direitos dos contribuintes podem vir a ser alterados?
Essa é uma discussão muito complexa. Em diferentes países existem diferentes abordagens, do ponto de vista do Direito Constitucional. Não julgo que haja uma resposta radical e definitiva para esse problema – sim ou não. A nossa Constituição, como a da generalidade dos países, protege um conjunto de direitos. Eu penso que prestações atribuídas a título definitivo, como são as pensões, devem estar protegidas de mudanças. A resposta à sua pergunta é: sim, deve haver uma proteção dos direitos. Sim, deve haver uma adaptação da natureza, da intensidade e de alguns aspetos específicos desses direitos, porque a sociedade vai evoluindo.
Não temos reformas com valores excessivos?
Existe um dado que, normalmente, não é conhecido, mas no sistema da Segurança Social existe um valor máximo de reforma, que está fixado na lei e que corresponde a qualquer coisa semelhante ao vencimento do Presidente da República. As reformas que conhecemos com valores superiores não são atribuídas pelo Estado, mas sim por entidades privadas.
Mas esse teto foi implementado desde que data?
Esta regulamentação existe desde 2006.
Como se processa o cálculo das pensões?
Existem mecanismos que fazem com que, para o cálculo das pensões, os salários mais baixos sejam mais protegidos. A taxa de formação de pensões – quanto conta cada ano para a pensão – é mais alta nos salários mais baixos do que nos salários mais altos, o que faz com que se protejam mais as pensões mais baixas. Agora, o sistema que nós temos é um sistema contributivo, não é um sistema de pensão única. E como Portugal tem um desequilíbrio salarial muito grande – é dos países que tem um desequilíbrio mais elevado –, isso vai refletir-se nas pensões. A correção estrutural que tem de ser feita tem de acontecer, primeiro, nos salários. Isto acontece porque temos uma assimetria de qualificações e de competências profissionais muito grande.
O aumento do salário mínimo agrada a uns e desagrada a outros. Quais são, na sua opinião, as vantagens deste aumento?
Eu acho que o aumento do salário mínimo agrada a todos, a questão que se coloca é se esta subida é ou não excessiva. A subida do salário mínimo arrasta uma série de fatores positivos, desde logo porque contraria o risco, muito grande, que existe em Portugal, de as pessoas trabalharem e o seu trabalho não as retirar do limiar da pobreza. Saliento que, no nosso país, cerca de 10% das pessoas que trabalham estão abaixo do limiar da pobreza. O salário mínimo é também, por outro lado, um instrumento de combate ao trabalho informal. Ainda existem demasiadas pessoas em Portugal que têm um pagamento legal e um ilegal. Assim, quando o salário mínimo sobe, muitas vezes ele vai recuperar, e trazer para a economia formal, esse tipo de pagamentos, e esta dimensão que estou a focar não é irrelevante. Há também que referir que em determinados segmentos da nossa sociedade e da economia se praticam salários muito baixos, e nessas áreas esta subida do salário mínimo é apontada, por alguns, como um risco.
A redução do desemprego é uma realidade em Portugal neste momento. A que se deve esta alteração? Temos crescimento real de emprego?
O crescimento do emprego em Portugal é real, pois ultrapassa o efeito da sazonalidade e também é um crescimento que se deve, em elevadíssima percentagem, ao setor privado. Não é o Estado que está a criar emprego. Mesmo os apoios públicos à criação de emprego não têm hoje a dimensão que já tiveram no passado e, por isso mesmo, este é um emprego suportado, principalmente, pela procura que as empresas privadas encontram. Não diria que esta realidade está a acontecer em contraciclo, pois a economia está a crescer. É verdade que temos um crescimento real de emprego, agora, não sabemos se é duradouro ou não.
Como se explica este crescimento do emprego?
Atualmente existem alguns fatores decisivos. Sem dúvida que a qualificação das pessoas é decisiva. Por outro lado, e como se vê, não é necessário um grande investimento para criar emprego competitivo, e as PME têm demonstrado que têm essa capacidade.
Que setores da economia estão a contribuir para este crescimento real de emprego?
Neste momento podemos afirmar que os setores que mais têm contribuído para este crescimento real de emprego são o turismo, as exportações, alguns setores da área da agricultura, algumas indústrias tradicionais, todos estes movimentos das empresas de tecnologia avançada, o setor do calçado, os têxteis. Houve também uma recuperação muito forte do setor agroalimentar. Temos, atualmente, centenas de milhões de euros de exportações de produtos agroalimentares, que não existiam há dez anos. São novos investimentos, novas explorações agrícolas – muitas delas com tecnologias avançadas. O setor alimentar voltou a ser um dos mais importantes setores exportadores.
Reposição dos 25 dias de férias: sim ou não?
Nós temos na nossa legislação os 22 dias como os dias de férias que a legislação impõe. Depois foi criada, e posteriormente tirada, a possibilidade de os trabalhadores chegarem aos 25 dias, como um prémio pela assiduidade – o que nunca me pareceu uma grande ideia. Fixada na lei a dimensão das férias, a possibilidade de, nos setores, elas serem maiores deve depender da negociação coletiva, ou seja, os setores devem entender-se. Existem muitos setores em que os trabalhadores gozam de mais dias de férias, porque chegaram a essa conclusão e acharam que seria melhor assim. Penso que é nesse contexto que esse progresso se deve fazer e não numa lei geral que se aplique a todos. A lei geral já a temos, e ela visa 22 dias úteis de férias. Não está no programa do Governo a instituição, por lei, de outra duração do período de férias.
Sabemos que haverá um grande evento, em Portugal, em 2017…
Vamos organizar, em setembro, uma importante conferência das Nações Unidas, para a região da Europa, mas que contará com países de outras regiões, sobre o Envelhecimento Ativo – uma preocupação dos países europeus e mais desenvolvidos. Esta conferência, que vai contar com a presença de mais de 50 países, pode ser um momento que nos ajude, a nós próprios, a encontrar caminhos para que possamos valorizar mais as competências e o contributo, para a sociedade, de pessoas que já tiveram uma longa carreira, mas que pretendem continuar ativas, ainda que de forma diferente. Existem várias formas de trabalhar essa dimensão que é o envelhecimento ativo.
Quais os grandes desafios para 2017?
O primeiro grande desafio que temos é o de continuar uma política de melhoria do mercado de trabalho, de reequilíbrio da Segurança Social. A Segurança Social teve, em 2016, um crescimento maior das receitas do que das despesas, porque as contribuições para a Segurança Social cresceram acima dos 5%, isso é fundamental. Temos ainda o desafio ligado à sustentabilidade da Segurança Social, bem como o desafio ligado à melhoria da situação de emprego. Existem prioridades e iniciativas que para nós são de extrema importância, e eu destacava o Programa QUALIFICA, que permite que as pessoas com menos qualificações e com mais idade possam recuperar aquilo que não conseguiram acumular durante os seus anos de escolaridade. Por outro lado, temos também alguns dossiers que são, para nós, mais críticos, como a questão das reformas antecipadas. É necessária uma reforma que garanta que haja uma maior justiça social para as pessoas que chegam, hoje em dia, a ter carreiras contributivas de 50 anos. Estamos a trabalhar neste campo e, rapidamente, apresentaremos propostas. Há também a questão da revisão do regime contributivo dos trabalhadores independentes ou o lançamento da nova prestação social para a inclusão, para as pessoas com deficiência. Outro dos nossos grandes desafios é o de encontrar formas de chegar às pessoas, isto porque este ministério perdeu muitos trabalhadores, nos últimos anos. Isso constituiu um desafio, primeiro, porque não temos ainda condições para voltar a contratar mais pessoas e, depois, porque temos de encontrar novas formas de chegar às pessoas. Esta também é uma prioridade para 2017. Eu penso que a nossa grande dificuldade é encontrar as prioridades.