SÉRGIO SILVA MONTEIRO

JCF_1196“O PLANO ESTRATÉGICO DOS TRANSPORTES E INFRAESTRUTURAS TEM COMO PRINCIPAL OBJETIVO REFORÇAR A COMPETITIVIDADE DA NOSSA ECONOMIA E DAS NOSSAS EXPORTAÇÕES”

 

Sérgio Silva Monteiro, secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, fez, em entrevista à FRONTLINE, um balanço muito positivo da prestação do Governo no decorrer deste mandato: “julgo que as provas – mais do que a avaliação que qualquer membro do Governo possa fazer – estão bem à vista nos sucessos nacionais e internacionais que temos alcançado”. Com o programa de ajustamento concluído, “sem um segundo resgate ou extensão do prazo”, é tempo de pôr mãos à obra e de caminhar no sentido de continuar a implementar novas regras nos diferentes setores e de consolidar as reformas que já foram feitas. Nesta entrevista, o secretário de Estado falou sobre a reforma do trabalho portuário, a alteração do regime de concessões dos terminais portuários e do modelo de estrutura dos portos, e sobre a privatização do setor dos transportes, com destaque para a importância do setor ferroviário. Houve ainda tempo para abordar a questão da privatização da TAP, que Sérgio Silva Monteiro considera uma questão de “modelo de desenvolvimento”. Quanto ao setor das Comunicações, o secretário Estado não tem dúvidas em afirmar que este é “muito competitivo”. Depois de todas as alterações, o Estado deixa de ter capital nas empresas de comunicações e passa a ter um papel na supervisão e na regulação, mas não “uma presença em termos de capital”.

Que balanço faz destes três anos de governação da coligação PSD/CDS?

Sobre o balanço da governação, julgo que as provas – mais do que a avaliação que qualquer membro do Governo possa fazer – estão bem à vista nos sucessos nacionais e internacionais que temos alcançado. Em primeiro lugar, fizemos o que nos era pedido, o programa de ajustamento foi concluído sem um segundo resgate ou extensão do prazo. Isto tem uma dimensão de ação determinada do Governo e uma dimensão de compreensão por parte dos portugueses, relativamente às medidas que foram tomadas. Esse sucesso pode ser medido nas taxas de juro da nossa dívida e na capacidade de Portugal voltar a ter acesso ao mercado de capitais, de ser conhecido internacionalmente como um país credível e com a sua reputação reposta. Em 2011, Portugal tinha acabado de sair de uma situação de pré-bancarrota e teve de ser resgatado pelos seus parceiros internacionais. O balanço do mandato está muito marcado por este sucesso. Tínhamos um caderno de encargos quando chegámos ao Governo, era necessário libertar o país da situação de resgate internacional, para recuperá-lo e prepará-lo para os desafios a que o mundo global obriga, ou seja, era necessário que fôssemos mais competitivos. Num mercado onde as companhias podem colocar o dinheiro, virtualmente, onde querem, decidir investir em Portugal significa que o nosso país tem mais oportunidades. Os recentes casos de reforço do investimento – recordo-me de o ministro Pires de Lima ter assinalado a Autoeuropa como um deles – são o exemplo perfeito do que estamos a falar. Penso que o binómio da recuperação de credibilidade e reputação de Portugal e da recuperação da vertente de investimento interno e externo são os dois cartões de visita mais importantes do nosso mandato, mas temos ainda muito trabalho pela frente, nomeadamente no que diz respeito à redução da taxa de desemprego.

E do seu mandato?

Este era um mandato muito claro, era uma secretaria de Estado que tinha áreas com um impacto orçamental muito relevante, e, portanto, passou muito por reduzir o impacto que as decisões dos anteriores governos tinham do ponto de vista da despesa, fosse no setor das infraestruturas, onde tínhamos uma despesa crescente na percentagem do PIB, fosse no setor dos transportes, onde tínhamos uma situação de pré-insolvência. A juntar a isto, o facto de o programa de assistência não ter uma fatia de empréstimo reservada às empresas públicas de transportes fez com que fosse necessário dar uma resposta rápida a esse setor. Assim, a primeira parte do mandato foi muito focada na emergência financeira destes dois setores. Contudo, preparámos caminho para agora sinalizar investimento público, através da aprovação que foi feita, em abril deste ano, do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas, onde prevemos um conjunto de investimentos que tem como principal objetivo reforçar a competitividade da nossa economia e das nossas exportações.

Qual deve ser, na sua opinião, a prioridade do Governo nos Transportes, Infraestruturas e Comunicações?JCF_1126

Nós precisamos de continuar a consolidar o caminho feito. Temos de criar condições para que situações que aconteceram no passado não se repitam. O facto de esta área estar inserida no Ministério da Economia deve reforçar a preocupação de tomarmos decisões que tenham um impacto positivo na competitividade dessa mesma economia. Refiro-me à implementação do Plano Estratégico, que tem como grandes vetores o desenvolvimento dos setores portuário e ferroviário. Na ferrovia, aquilo que pretendemos é que a nossa exportação se faça com um transporte de mercadoria mais competitivo, seja através da eletrificação das linhas férreas, seja através do aumento da dimensão dos comboios, mas que permita que tenhamos mais carga nos nossos portos, aumentando assim a capacidade dos mesmos. É importante também que essa carga possa ser escoada não só por via rodoviária, como até aqui, mas sobretudo aumentar a percentagem de movimentação feita por ferrovia que, em distâncias maiores, é mais competitiva do que o transporte rodoviário. Nós queremos apresentar, neste setor, Portugal como uma opção logística de excelência. Somos o primeiro porto que as mercadorias encontram no movimento a partir do continente americano e somos um dos pontos de ligação mais competitivos quando se movimentam a partir do continente asiático, a caminho da Europa e do continente americano. Portanto, não podemos, literalmente, ver os navios a passar, precisamos de criar condições para que eles escalem cada vez mais os nossos portos e que a economia beneficie com isso. Porque o escalar mais os portos significa mais emprego, e mais emprego significa mais riqueza e, portanto, será a economia a beneficiar com o conjunto de decisões que formos tomando.

O Plano Estratégico de Transportes (PET) referia que, no seguimento do compromisso assumido com a troika, teria de ser elaborada uma reforma na legislação que regula o setor marítimo-portuário até ao final de 2011. Estamos em 2014, o que foi feito a este nível?

Tomámos várias medidas no setor marítimo-portuário. Em primeiro lugar alterámos a lei do trabalho portuário, o que permitiu abrir o mercado de trabalho a trabalhadores que, naquela altura, não teriam possibilidade de aceder àquele mercado. Nós tínhamos uma situação estranha, o movimento dos portos subia mas o emprego no setor não, fruto da legislação laboral restritiva, que permitia que algumas atividades fossem controladas pelos próprios sindicatos, nomeadamente os estivadores. Abrimos os mercados e hoje temos mais 15% de trabalhadores no setor portuário do que tínhamos antes desta reforma. Portanto, ao contrário da versão dominante dos seus opositores, a reforma não pretendeu fomentar o desemprego ou a desregulação das relações do trabalho, mas antes aumentou o emprego. Eliminámos as taxas de utilização dos nossos portos. Caso se tivessem mantido, por exemplo, para 2014, e com a movimentação que já existe, implicaria que a economia e as suas exportações pagassem mais 25 milhões de euros de taxas do que aquilo que estão a pagar. Lançámos um programa vasto de alteração dos contratos de concessão, de maneira a que as taxas pagas pela economia se reduzissem em termos de custo – para além da eliminação das taxas que eram recebidas diretamente pelo Estado e que nós, por via legislativa, eliminámos. O objetivo da legislatura, no plano que apresentámos em 2014, era baixar a fatura portuária entre 25% e 30%, e temos a convicção de que em agosto de 2015 tal vai acontecer. Isto tem um impacto direto na competitividade das nossas exportações, que, obviamente, são muito sensíveis ao preço. Falo de todas as que são feitas pelo setor marítimo, como as de automóveis, cimento, papel e pasta, que são exportações em volume, são commodities, que podem ser compradas aqui como noutros sítios e onde cada cêntimo conta para efeitos de competitividade. Por isso estamos muito confiantes de que vamos conseguir atingir este objetivo e que uma parte do aumento das exportações tem surgido porque temos sido capazes de fazer alterações.

O caso português é específico no contexto europeu, uma vez que este é o único setor onde só pode entrar alguém com a anuência da corporação. Porque é que tal acontece?

Com a alteração da lei, isso já não se verifica. Nós tínhamos uma situação realmente estranha no setor portuário, em que os empregadores, se me permite a expressão, se tinham demitido da função da organização do trabalho, deixando-a aos sindicatos. Tal significava que havia regras que eram impeditivas do próprio mercado de trabalho, em que os trabalhadores das classes mais privilegiadas, os trabalhadores da chamada classe A, tinham precedência face aos da classe B, apenas por antiguidade e não por mérito ou competência. E os trabalhadores da B tinham prevalência sobre os da C. E ainda havia temporários que só quando todos os outros tinham sido chamados é que poderiam trabalhar. Isto foi alterado pela legislação do trabalho portuário. Agora, de facto, são os empregadores que têm esse controlo, por lei. Por outro lado, existe um conjunto de atividades que podem ser desempenhadas por aqueles que têm a carteira profissional de estivador ou não. Falo, por exemplo, dos porteiros do porto – para se ser porteiro tinha de se ser estivador, o que não faz muito sentido. Hoje, várias pessoas têm emprego na sequência desta reforma, mas, mais importante do que isso, demos competitividade ao setor, cresceram as exportações e, por essa via, também a economia criou certamente alguns postos de trabalho.

JCF_1134O que falta ainda fazer no setor portuário?

Falta-nos desenvolver ações relativamente a um investimento de aumento de capacidade. Só para ter uma ideia, a capacidade máxima dos nossos portos é de 2,2 milhões de contentores por ano. Um porto de referência em Espanha tem duas vezes a capacidade do nosso sistema portuário. Isto mostra bem que o nosso setor portuário tem ainda alguma necessidade de crescimento e de desenvolvimento. Em paralelo, precisamos de fazer a revisão dos contratos de concessão atuais porque alguns deles preveem cláusulas de exclusividade, limitando a existência de um segundo operador ou de um novo concorrente nesse mesmo porto. A atribuição de exclusividade na operação de contentores é uma limitação ao crescimento e desenvolvimento dos portos, pelo que estamos agora a criar condições para termos contratos de “nova geração”. Não vamos querer que sejam as administrações portuárias a fazer o investimento e a cobrar taxas em função do mesmo, nós queremos que sejam os privados a investir e a administração portuária fará uma espécie de gestão do espaço e cobrará em função do espaço ocupado. Deixamos de ter algo de que não nos orgulhamos mas que é uma realidade, existe um terminal no Porto de Lisboa que é o mais caro da Europa, em termos de custo de metro quadrado por operação. Isto seria bom se não tivesse impacto na economia, mas tem. Quem o opera tem de cobrar taxas elevadas à economia pela sua utilização e depois a própria economia não tem uma alternativa para escoar os seus produtos, portanto, paga caro, reduz a competitividade, com todos os efeitos nefastos que tal acarreta. Queremos criar um modelo mais transparente, no qual o concessionário paga um determinado valor por metro quadrado e desenvolve ele próprio o investimento numa lógica de permitir que a lei da oferta e da procura regule os preços, e não tanto as taxas elevadas em função do investimento que é feito pela entidade pública e que tem de ser pago por essas mesmas taxas.

No ano em que se comemoram 10 anos de operações do Terminal XXI, considera que a experiência desta plataforma pode ser um case study a seguir? Porquê?

O Terminal XXI, em Sines, tem um conjunto de vantagens importante, desde logo na relação laboral – as regras que referi há pouco, de limitação ao desenvolvimento dos portos, não existiam neste terminal. A relação laboral era normal. O terminal demorou algum tempo a crescer porque os portos que são de transshipment – que carregam e descarregam para longas distâncias – têm essa característica, são muito binários, podem estar algum tempo sem utilização ou com utilização diminuta, mas depois ganham uma nova rota e têm um crescimento exponencial. Não nos podemos esquecer que para um operador escalar o porto de Sines, significa mudar toda a sua logística mundial, porque os movimentos são intercontinentais, e para ele mudar uma rota, tem de mudar a logística associada a esse movimento e isso leva algum tempo. Agora estamos muito interessados em aumentar o número de clientes-âncora em Sines. Hoje existe só um, a MSC, que é muito bem-vindo e que tem permitido taxas de crescimento importantes, mas precisamos de continuar a ancorar clientes relevantes no porto de Sines. Este porto acrescenta dimensão e valor a todo o movimento portuário português, e não só a Sines. E não é canibal de outras atividades, isto é, aquilo que é feito em Sines não podia ser feito noutro porto, e nesse ponto de vista trouxe uma valência a Portugal, que é o facto de termos capacidade para processar em transshipment, que não tínhamos antes.

A estrutura de organização dos próprios portos era algo que tinha de ser feito até 2012. O que nos pode dizer sobre isto?

Todas as reformas de que já falámos inseriam-se nessa alteração. O plano 5+1 previa o conjunto de alterações que eu referi. Eliminámos taxas, estamos a reduzir outras; alterámos a lei do trabalho portuário; juntámos as administrações em prol do desenvolvimento dos portos de Lisboa e de Setúbal; aprofundámos as sinergias entre Aveiro e a Figueira da Foz, entre Leixões e Viana do Castelo, Sines está hoje junto com os portos do Algarve. Olhamos para os portos como uma valência regional que pode contribuir para que o desenvolvimento seja mais harmonioso, porque só juntando a capacidade e a movimentação que é feita em Lisboa e em Setúbal temos um espelho daquilo que é o mercado interno e o mercado de exportação desta região Centro. A mesma coisa se passa entre Viana do Castelo e Leixões, entre Aveiro e a Figueira da Foz. Uns têm mais a vocação de servir o mercado interno e outros de servir o mercado exportador, pelas atividades que estão junto ao porto. Esta reorganização ou especialização ajudou, também, a que a capacidade dos portos fosse maior e a ligação às comunidades portuárias fosse também mais bem conseguida do que até aqui.

Conseguimos também uma maior competitividade entre os portos…

Mais importante do que a competitividade entre os portos é a competitividade entre os operadores nos próprios portos. Os portos estão hoje a trabalhar numa lógica de complementaridade entre oferta de mercado interno e externo, mas o que queremos estimular, sobretudo, é a competitividade ou concorrência entre os operadores que operam em cada porto.

Os portos nacionais necessitam de ganhar competitividade no mercado mundial. Que reformas foram pensadas e estão a ser executadas por forma a tornar mais eficientes e competitivas estas operações?

Nós não podemos perder nenhuma carga por razões de taxas elevadas ou de falta de competitividade, o nosso grande desafio é voltar a ter a movimentação em Lisboa e em Setúbal aos níveis pré-greve. Quando um operador decide deixar de escalar um porto e vai para outro, ele altera toda a sua logística de transporte e dificilmente regressa a esse porto, a não ser passados 10 ou 15 anos. Nós tivemos muitas linhas que deixaram de escalar Lisboa e preferiram escalar Leixões por ser um porto fiável: já não tem greves há muitos anos, o serviço é rápido e passa a ser um porto muito competitivo. Foi o porto que aliviou a greve que nós tivemos no final de 2012. Naqueles cinco meses de greve em Lisboa, foi sobretudo Leixões que beneficiou com isso. Não foi carga perdida no universo portuário nacional, mas houve uma deslocalização. Lisboa tem agora esse desafio, já está próximo dos níveis pré-greve mais ainda não está lá. Para que a atividade portuária nacional continue a ser competitiva no contexto mundial, temos de continuar e de aprofundar as reformas que referi há pouco, mas também garantir que o maior mercado de importação e de exportação, que é o mercado da Grande Lisboa, não tenha a perceção de falta de fiabilidade que teve até aqui, com as greves sucessivas, que acabaram por afastar algumas das linhas e das operações.

Que estratégia tem o Governo para promover e aumentar o transporte ferroviário e a intermodalidade?JCF_1209

Julgo que o contributo que foi dado por Portugal, ao nível de definição dos corredores da rede transeuropeia, foi importante. A rede transeuropeia de transportes tem uma lógica, e tem como pontos focais de princípio e fim os portos. Todas as ligações têm o intuito de ligar plataformas logísticas e portos a outras plataformas e portos. Portugal privilegiou, nos últimos anos, a rodovia. O investimento, que agora temos de pagar, estava feito, mas faltava a aposta na ferrovia. O investimento na ferrovia é mais caro – cerca de cinco a seis vezes mais em cada quilómetro – do que na rodovia, portanto é fácil perceber porque é que os governos preferiam investir em estrada. O transporte ferroviário, para além da componente ambiental muito importante, que permite maior sustentabilidade na redução da pegada ambiental, do passivo ambiental, permite também maior competitividade no transporte de médio e grande alcance. Hoje em dia, com o sistema ferroviário que temos, conseguimos ser competitivos para movimentos acima dos 200 km, em comparação com a rodovia. Mas temos dois problemas na nossa rede. Em primeiro lugar, a bitola (a distância entre carris). Portugal e Espanha têm a bitola ibérica, que não é compatível, enquanto sistema, com a que existe no resto da Europa. Isto obriga a que o investimento seja maior em Portugal e em Espanha do que no resto da Europa. Em segundo lugar, o facto de uma boa parte da nossa rede não estar eletrificada e ter um problema de pendentes. Em algumas regiões do Interior, sobretudo no Norte, a linha de caminho de ferro tem ângulos de subida de pendente que não permite a circulação dos comboios de maior dimensão. O Plano Estratégico de Transportes, na vertente ferroviária, tem grandes medidas a serem tomadas: reduzir ou eliminar os constrangimentos da via existente, como os raios de curva muito pronunciados e os ângulos de subida muito pronunciados, de maneira a permitir a circulação de comboios de 750 metros em vez dos de 400 metros. Logo aqui temos um ganho de escala importante, porque cada unidade transportada é mais barata, para o mesmo comboio. Queremos também garantir a compatibilidade de bitola com um investimento low-cost, de modo a podermos ter ou bitola ibérica ou europeia, consoante se justifique em termos de movimentos internacionais. Estas são as medidas que estão preconizadas – com o orçamento limitado que temos – no Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas. Mais do que fazer obra nova, queremos sobretudo reduzir os constrangimentos da ferrovia atual, para que venha a ter um grande impacto na competitividade da economia.

Como estão a correr as ligações entre Sines e Setúbal?

Temos Sines-Caia, até à fronteira, e depois Sines-Setúbal-Lisboa, em calendários diferentes. Por imperativo de corredor e de calendário, vamos ter primeiro a ligação entre Sines e a fronteira, que deverá estar terminada em 2019, e só depois Sines-Setúbal-Lisboa, para a qual precisaremos de mais dois anos, provavelmente. O objetivo de termos a ligação entre Lisboa e a fronteira, passando por Sines, totalmente concluída dentro deste quadro comunitário de apoios – dando seguimento ao investimento que Espanha está a fazer na ligação até Caia e Badajoz – é um compromisso que está já sublinhado nas três cimeiras ibéricas que fizemos enquanto Governo, que está previsto no Plano Estratégico e para o qual temos já reservada uma parte de Fundos Comunitários e de Orçamento do Estado. Uma coisa que é importante referir é que o investimento ferroviário vai ser feito, eminentemente, com fundos comunitários, enquanto o investimento nos portos – que é também muito importante – vai ser sobretudo desenvolvido por capital privado, na linha daquilo que referi há pouco.

Na sequência dos incidentes que têm visado a TAP, concorda com Fernando Pinto quando este afirma que a imagem da empresa foi “beliscada”?

É uma avaliação difícil de fazer. Se a situação perdurasse no tempo, eu não teria dúvidas de que aquela imagem de fiabilidade da TAP seria, certamente, “beliscada”. O impacto na imagem tem muito mais a ver com a experiência mais recente do passageiro e não com a experiência mais longínqua, e por isso é que o ministro da Economia e eu próprio, secundando as suas afirmações, tivemos um discurso de muita exigência. Os problemas operacionais, as crises de crescimento, podem acontecer em qualquer empresa, não podem é perdurar por muito tempo, caso contrário já não são crises de crescimento e sim um problema mais estrutural. Por isso demos um sentido de urgência à resolução do problema, e de grande exigência, para que não se repetisse. A TAP tomou medidas imediatas e outras mais de médio prazo. Entre as imediatas, procedeu ao fretamento de um conjunto de aviões que permitiu resolver os problemas operacionais, por um lado, e, por outro, reforçar as escalas dos pilotos com alguma reorganização do trabalho. Relativamente às medidas de médio prazo, está já anunciado que, para o próximo verão, haverá aviões não afetos à operação mas que ficarão de reserva para alguma eventualidade que possa acontecer. Nós tomámos boa nota dessas medidas pensadas pela administração e estamos satisfeitos. Obviamente que os incidentes operacionais que tiveram um grande impacto no final de junho e em julho estão agora substancialmente resolvidos, contudo, há ainda um problema de pontualidade a resolver e que está a ser deliberado pela empresa. O que esperamos é que a situação não se repita.

JCF_1217Como correu a privatização da ANA?

A privatização da ANA teve uma vertente importante, que foi o encaixe financeiro. Foi a privatização de aeroportos mais bem sucedida, nos últimos anos, no mundo. Aliás, ganhou um prémio internacional das publicações da especialidade. Eu julgo que há também uma mensagem a passar relativamente ao modelo regulatório e às taxas que são praticadas nos aeroportos nacionais, nomeadamente em Lisboa. Aqui, as taxas só sobem se o número de passageiros subir, é a lei normal da oferta e da procura, primeiro aspeto. Segundo aspeto, foi desenhado um conjunto de regras no modelo regulatório, de maneira a que o aeroporto de Lisboa seja sempre competitivo por comparação com outros aeroportos. Há 12 aeroportos que se comparam com Lisboa, num cabaz, e as taxas de Lisboa têm de estar sempre abaixo das taxas desse cabaz. Essa é a realidade agora: em 2014, as taxas estão 23% abaixo da média desses aeroportos e só um aeroporto é que tem taxas mais baixas do que Lisboa, mas na média, que é a regra que existe, estamos 23% abaixo dos aeroportos concorrentes a Lisboa. E mais importante que isso são os sinais que o mercado nos dá. O mais importante deles é o facto de a Easy Jet ter fechado as suas bases em Espanha e ter aberto e reforçado o seu investimento em Portugal, isso mostra bem que a política de taxas e modelo regulatório que estimula a utilização dos aeroportos em nada prejudica quer o interesse das companhias em se instalarem em Lisboa, quer no crescimento do número de passageiros, que tem sido uma realidade nos últimos anos.

Pires de Lima afirmou, recentemente, que a TAP “não pode, nem deve, ser privatizada sob pressão”. Na sua opinião, a TAP deve ou não ser privatizada? Porquê?

A privatização da TAP, do meu ponto de vista, deve ocorrer porque a TAP é uma companhia que tem um impacto muito grande na economia nacional, gera muito emprego, muita atividade económica, é o principal exportador, mas nada disso se perde com a privatização. Aquilo que nós esperamos, de facto, com o processo de privatização é que o impacto na economia aumente, não se elimina, nem diminui. A TAP tem um problema de capitalização e os problemas recentes, do ponto de vista operacional, demonstram isso. A TAP precisa de continuar a investir, provavelmente de investir mais depressa do que aquilo que tem feito até aqui. As regras europeias não permitem que o investimento seja feito pelo próprio Estado, os estados não podem injetar capital nas companhias aéreas e, portanto, a única alternativa que nós temos é encontrar um parceiro que possa ter a mesma visão estratégica e de desenvolvimento que o Estado tem para a TAP e que possa, de facto, investir, capitalizar, gerar com isso mais atividade económica para zonas que têm aumentado as transações comerciais com Portugal. Estou a falar do Médio e do Extremo Oriente, do continente americano, para onde a TAP não voa nem tem possibilidade de voar, não tem aviões nem capacidade de investir na aquisição de aviões para cobrir esses mercados, e que pode ser feito mais rapidamente se o capital for privado. Portanto, não é uma questão de teimosia, é uma questão de modelo de desenvolvimento. A TAP hoje tem uma importância grande, que não se perde mas que pode ser bastante maior, e só a existência de um investidor privado é que permitirá que essa capitalização possa ocorrer.

A intensificação do ritmo de crescimento do tráfego de passageiros no aeroporto da Portela trouxe à conversa investimentos sobre infraestruturas alternativas, como as de Figo Maduro ou a reconversão da Base Militar do Montijo. Qual é a opção mais viável e para quando uma decisão?

Como sabe, também o contrato de concessão estabelece as regras segundo as quais nós começaremos a discutir um aumento de capacidade. Diziam, anteriormente, que a capacidade da Portela estaria esgotada aos 16/17 milhões de passageiros. É onde estamos hoje, e a Portela tem capacidade para crescer até mais 5 ou 6 milhões de passageiros, sem problema. Importa continuar a criar condições para que a Portela se mantenha como um dos fatores de maior competitividade do destino Lisboa. Nós não nos podemos esquecer que o facto de termos um aeroporto a 15 minutos do centro da cidade é um fator de atratividade muitíssimo importante para o turismo de fim de semana e para os short-breaks, daí que nós tivéssemos previsto, aquando da venda da ANA e, portanto, da concessão dos aeroportos a uma terceira entidade, que Figo Maduro pudesse ser utilizado para fins civis, e não só para altas entidades e para fins militares, e que também algumas bases aéreas de fim exclusivamente militar à volta de Lisboa – e Lisboa é das capitais europeias com mais bases aéreas desse tipo – pudessem ser utilizadas para aumentar a capacidade do destino Lisboa, sem com isto perigar a continuação da Portela. O facto parece ser que os destinos das bases militares podem ser compatibilizados com a utilização civil e, o mais compatível com a operação Portela, parece ser o do Montijo. Essa é uma decisão que agora compete à ANA: propor ao Estado, e o Estado, no momento em que receber essa proposta, tomar uma decisão. Daí que eu acho provável que isso aconteça num horizonte temporal curto mas para o qual ainda não podemos antecipar um timing. Nesta altura a Portela tem capacidade para satisfazer a procura crescente que tem vindo a existir em Lisboa.

A que se deve a necessidade de o Governo avançar com a privatização das várias empresas públicas de transportes?

Quando chegámos ao Governo, no início do mandato, precisámos de responder a uma situação de emergência que tinha duas dimensões. Primeiro, as empresas, operacionalmente, perdiam mais de 240 milhões de euros por ano. Não só o Estado pagava indemnizações compensatórias às empresas, como mesmo assim elas geravam um prejuízo operacional de 240 milhões de euros, o EBITDA era negativo em cerca de 240 milhões de euros. Tínhamos um problema que aumentava todos os anos, por via operacional e também pelo stock de dívida que se foi acumulando ao longo dos anos. Quando chegámos ao Governo, era de cerca de 17 mil milhões de euros. As medidas que pudemos tomar de imediato, tomámo-las. Baixámos os prejuízos operacionais, em 2011, de 240 milhões de euros para 90 milhões – com meio ano de atuação estancámos boa parte do problema. Aumentámos tarifas, é verdade, mas também fizemos uma reorganização da oferta e encetámos um programa de restruturação das empresas com rescisões amigáveis de contratos de trabalho, o que permitiu que, no final de 2012, tivéssemos uma situação de EBITDA positivo, pela primeira vez. Em democracia, as empresas perderam sempre dinheiro operacionalmente, mesmo sendo subsidiadas pelo Estado. Em 2013 repetimos o EBITDA positivo, mesmo com a reposição de dois salários que estavam eliminados em 2012. Conseguimos uma situação de EBITDA estrutural positivo, que se repetirá em 2014. Estancando o problema e restruturando as empresas – as empresas reduziram mais de 3 mil trabalhadores desde que nós chegámos ao Governo, uma redução de 20% no número de trabalhadores, que foi feita com alguma tensão social mas sem dramatismo e não houve um despedimento, pois foi feito um programa de rescisões amigáveis com muito sucesso –, entendemos que estavam agora criadas condições de, por um lado, admitir que os graus de eficiência que o Estado pode acrescentar já são limitados e, por outro lado, tivemos espaço para poder resolver o problema da dívida. A dívida está já assumida pelo Estado no perímetro das contas públicas, todas estas empresas já têm a sua dívida reclassificada dentro do Estado, foi dívida que o Estado gerou por decisões anteriores e, portanto, que terá de assumir. Por outro lado, é importante também dizer que estas operações não são uma privatização tout court, é feita a concessão da exploração destas empresas à iniciativa privada, os ativos mantêm-se no controlo do Estado. Temos hoje um setor equilibrado, temos a dívida e o problema da dívida assumido pelo Estado e, de alguma forma, resolvido. A desorçamentação que existia nos anos anteriores foi eliminada e assumida pelo Estado e criámos condições para que, agora, a operação pudesse ser assumida pelos privados, ou seja, teremos os privados a investir em nome do Estado. Terminará de uma vez a subsidiação destas empresas, ou seja, o Estado e os contribuintes não serão mais chamados a pagar indeminizações compensatórias nestas empresas e temos verdadeiramente uma alteração total de paradigma em relação ao passado, em que Lisboa e o Porto tinham subsídios atribuídos às empresas e o resto do país ficava sem nenhuma proteção do ponto de vista dos transportes. O que fizemos foi uma reforma profunda, que queremos terminar, com a concessão e a exploração atribuída a privados e o modelo de subsidiação será igual para todo o país.

Existem já empresas interessadas nessa privatização? Qual a origem? Nacional, estrangeira?

Sim, os principais players mundiais levantaram o caderno de encargos no concurso que já iniciámos no Porto, para a concessão da STCP e do Metro do Porto. Estimamos que o mesmo aconteça quando iniciarmos o processo em Lisboa, que acontecerá no último trimestre, no final do mês de setembro, início do mês de outubro. A maioria foram empresas estrangeiras

Ao nível das telecomunicações, quais os principais problemas que identifica em Portugal? O que está a ser feito para alterar as situações identificadas?

Temos um setor muito competitivo, com um grande grau de penetração, estamos a falar das comunicações eletrónicas. É um setor altamente concorrencial, com uma taxa de penetração superior a 100% – mais do que uma pessoa tem telemóvel ou telefone fixo ou uma qualquer plataforma de utilização de comunicações eletrónicas –, mas a receita por utilizador era baixa. Isto significou a necessidade de duas medidas no início da legislatura. Primeiro eliminámos a golden share que o Estado tinha na PT. Era contrária aos princípios comunitários, era uma interferência excessiva do Estado na vida de uma empresa num setor concorrencial, isso era profundamente desajustado. Fizemos, ainda, outra coisa que tem contribuído para o desenvolvimento do mercado, que foi um leilão das licenças 4G. Portugal foi um dos primeiros países da Europa a ter essa tecnologia disponível. Fizemos isso no final de 2011 com a receita a ser recebida no início de 2012, foram mais de 300 milhões de euros pelo leilão 4G, que aproveitou o espetro que estava disponível do desligamento do sinal analógico e a transferência do sinal de televisão para TDT, portanto, contribuímos para a consolidação das contas públicas ao mesmo tempo que lançámos uma tecnologia que é muito importante para a transmissão de dados. Queremos que essa tecnologia de ponta se mantenha a nível nacional e que os problemas recentes neste setor não afetem a capacidade de investimento das empresas. Há uma discussão europeia para a qual os principais agentes portugueses estão distraídos, mas que é muito importante, e que tem a ver com o mercado único das telecomunicações, o single telecom market. Há um conjunto de propostas feitas pela Comissão Europeia, que temos de ver se na nova Comissão Europeia são mantidas ou alteradas, mas onde Portugal, através da ANACOM e do Governo, tem tido um papel de liderança nessa mesma discussão. Estamos a falar da transferência de algumas competências a nível europeu, mas sobretudo da redução dos custos de roaming – muito importantes para efeito dos consumidores – e uma maior integração do mercado de comunicações, a nível europeu, para eliminar as barreiras em que grandes operadores possam ter um papel decisivo nas comunicações mundiais, ao contrário, por exemplo, daquilo que acontece nos Estados Unidos, onde os operadores são mais competitivos porque a dimensão do mercado lhes permite isso mesmo. Esse é o desafio que existe a nível europeu. Nas comunicações postais, para além de termos liberalizado o setor do ponto de vista legislativo, privatizámos os CTT, agora a 100%, numa operação que teve o simbolismo de ser o primeiro IPO (Initial Public Offering) feito num país sob assistência financeira. Foi o primeiro IPO português desde 2008, o Estado deu o exemplo de regresso ao mercado de capitais e a segunda parte da venda – vendemos primeiro 70% e agora mais 30% – foi também a primeira operação no mercado de capitais depois do problema que aconteceu com o Banco Espírito Santo e com a Portugal Telecom. Voltámos a dar o exemplo daquilo que queremos, que o mercado de capitais português tenha boa fama no exterior, tenha boas empresas lá cotadas e possa ser um veículo de capitalização das empresas portuguesas para diversificarem as suas fontes de financiamento. Com esta operação marcámos um ponto de viragem importante, o Estado deixa de ter capital nas empresas de comunicações. Já não tinha nas comunicações eletrónicas com o fim da golden share, deixou de ter nas comunicações postais com a privatização dos CTT. Estes são, agora, setores plenamente liberalizados e onde o Estado quer ter um papel na supervisão e na regulação, mas não quer ter uma presença em termos de capital porque ela já não é importante e é, provavelmente, impeditiva do desenvolvimento das empresas.

O número de contratos celebrados para infraestruturas, no âmbito de concursos, entre janeiro e agosto deste ano, subiu 27% face ao período homólogo do ano passado. Na sua opinião, a que se deve este aumento? Podemos encarar este como mais um dos sinais de retoma da nossa economia?

O aumento tem duas razões de ser. Em primeiro lugar estamos no fim do quadro comunitário de apoio 2007/2013, que tem execução até 2015, o que significa que há muitas entidades públicas que estão, nesta altura, a fechar os seus próprios ciclos de programação, nomeadamente as autarquias, que constituem uma boa parte dos contratos referidos. Mas há também a evidência de que o investimento público tinha chegado a um nível que, provavelmente, não era compatível com o crescimento económico e, portanto, é importante este crescimento para níveis um pouco superiores ao que se verificou em 2012 e 2013. Não pode ser um crescimento muito expressivo, nós temos que nos manter num quadro de sustentabilidade dentro do setor, mas este fez um ajustamento muito grande. Foi o setor que mais postos de trabalho perdeu, tinha uma importância no PIB que deixou de ter nos últimos anos porque a economia passou de um modelo de uma economia em setores não transacionáveis para uma economia em setores transacionáveis, onde o turismo, claramente, tem sido um dos vetores mais importantes dessa mudança.