“PORTUGAL TEM PARTICIPADO DE FORMA ATIVA NO APROFUNDAMENTO DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO EUROPEIA”
Foi ministro dos Assuntos Sociais no tempo dos governos provisórios e, depois disso, ministro da Defesa, da Justiça e vice-primeiro-ministro no Governo do Bloco Central com Mário Soares. Após ter sido deputado durante quatro legislaturas e presidente da Fundação Luso-Americana durante 22 anos, Rui Machete é, atualmente, ministro dos Negócios Estrangeiros. Presidente do PSD em 1985 e, mais recentemente, entre 2008 e 2010, presidente da Mesa Nacional, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros sentiu que tinha ainda “um contributo a dar ao país” e por isso decidiu voltar à política 30 anos depois. Para Rui Machete este foi um ano “particularmente intenso”, tanto a nível interno – com a conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira – como a nível externo. Como prioridades, até ao final do mandato, o ministro destaca “o reforço da atenção dada às Comunidades Portuguesas residentes no estrangeiro”; a “continuidade no trabalho já desenvolvido na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], na afirmação da sua dimensão económica, na ligação com o Mediterrâneo, no reforço do relacionamento transatlântico”; “uma maior atenção ao que se está a passar no flanco sul da vizinhança da União Europeia”, sem descurar, claro, questões como “a situação na Síria e no Iraque, a instabilidade na Líbia e o fenómeno do terrorismo e da criminalidade organizada”. Com a eleição do nosso país para o Conselho de Direitos Humanos – “com uma votação muito expressiva” –, Portugal tem agora “uma capacidade de intervenção acrescida”, sublinha Rui Machete.
Por que motivo decidiu, 30 anos depois, voltar à prática governativa?
Foram vários os motivos que concorreram para essa decisão. A iniciar, a situação particularmente dramática que o país atravessava. Consultei a minha mulher e os meus filhos, que julgaram que, tendo atingido metas relevantes na minha vida profissional, ainda tinha um contributo a dar ao país. E esta foi a segunda razão: apesar de não ter procurado, houve também uma ideia de serviço nessa aceitação. Tive uma participação política ativa no pós-25 de Abril: fui secretário de Estado da Emigração, ministro dos Assuntos Sociais e, já no Governo do Bloco Central, ministro da Justiça e depois vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa. Em terceiro lugar, também me moveu o combate à ideia de que as pessoas, a partir de determinada idade, são postas de parte. Esta é uma ideia de que discordo em absoluto – qualquer que seja a fase da vida em que se encontrem, devem sentir necessidade de corresponder aos desafios que se lhes colocam, mostrar que são úteis.
Um ano depois, que balanço faz do seu mandato?
Foi um ano particularmente intenso. Ao nível interno, foi decisiva a conclusão do PAEF [Programa de Assistência Económica e Financeira]. Recuperámos a nossa autonomia e reabilitámos a nossa credibilidade internacional. E isso é fundamental para que possamos financiar-nos a taxas comportáveis nos mercados e para a captação de investimento estrangeiro, que é muito importante no combate ao desemprego. Estamos a recuperar, mas há ainda muito caminho a percorrer. É crucial que mantenhamos este caminho de responsabilidade e realismo; não podemos regressar a uma situação como a que vivemos em 2011. Na nossa política externa, foi igualmente um ano muito estimulante. Tivemos várias concretizações ao nível diplomático, como as recentes eleições para o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho Económico e Social da ONU, a copresidência e a reunião ministerial do Diálogo 5+5 realizada em Lisboa, ou o início de uma nova etapa evolutiva na CPLP, que se afirma hoje como uma organização de dimensão mundial, promovendo a língua portuguesa no campo cultural e também no campo económico. Ao nível europeu, destaco a recente vitória no estabelecimento de um programa vinculativo para as interligações energéticas dentro da União, que será muito importante para Portugal, mas também para a independência energética da Europa. A questão na Ucrânia deve continuar a merecer toda a nossa atenção, para que não se registem retrocessos. Na dimensão das nossas relações com os PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], fiquei particularmente satisfeito com a estabilização da situação política e de segurança na Guiné-Bissau, após um interregno de dois anos na vida democrática do país, durante o qual Portugal muito lutou para que a normalidade fosse restabelecida. Também em Moçambique, a estabilização política e o recente processo eleitoral, bem como a presidência do grupo de doadores G19 que Portugal irá exercer em 2015, foram resultados muito positivos da nossa ação diplomática. Aliás, as nossas relações bilaterais com os países da CPLP e do Mediterrâneo estão num excelente plano de proximidade e cooperação. Fiz ainda diversas visitas a países – recordo-me da Coreia do Sul, do Canadá, da Índia, dos Estados Unidos, de Marrocos, da Argélia, entre outros, em que a componente económica esteve sempre muito presente. A articulação entre a AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] e a nossa rede de embaixadas está a provar-se uma aposta ganha, como os números do nosso comércio externo bem demonstram.
Que prioridades gostaria de eleger até ao final do seu mandato?
Bom, começando pela nossa recente eleição para o Conselho de Direitos Humanos, com uma votação muito expressiva, este mandato será uma oportunidade para projetarmos a imagem do país a nível internacional e confere-nos uma capacidade de intervenção acrescida. E nesse contexto, devemos dar particular atenção ao que se está a passar no flanco sul da vizinhança da União Europeia. Também a situação na Síria e no Iraque, a instabilidade na Líbia e o fenómeno do terrorismo e da criminalidade organizada comportam violações gritantes dos direitos humanos que importa combater. Portugal terá aí uma missão a desempenhar. Tenho alertado para o fenómeno do terrorismo, precisamente porque comporta graves violações dos direitos das populações regionais, mas também um enorme risco de propagação à Europa, para além dos países vizinhos do Médio Oriente e de África, naturalmente. É fundamental que as sociedades dos países democráticos tenham consciência destes riscos e das atrocidades que se estão a cometer. Mas existem, naturalmente, outros focos de interesse. Queremos reforçar a atenção dada às Comunidades Portuguesas residentes no estrangeiro. São os primeiros embaixadores de Portugal no mundo e merecem toda a nossa atenção e respeito. Anunciámos recentemente um conjunto de investimentos na área consular e da representação externa que vão precisamente nesse sentido. Apesar dos fortes condicionalismos orçamentais em que ainda nos encontramos, neste primeiro orçamento sem a presença da troika em Portugal quisemos dar precisamente esse sinal: o primeiro investimento do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] vai para a resposta às Comunidades Portuguesas. No âmbito multilateral, queremos dar continuidade ao trabalho já desenvolvido na CPLP, na afirmação da sua dimensão económica, na ligação com o Mediterrâneo, no reforço do relacionamento transatlântico…
Mas quais são as principais apostas da política externa portuguesa?
Desde logo, o que acabo de referir, o diálogo com a vizinhança sul da União Europeia, a atual situação política que se vive na Líbia, na Síria e no Iraque, e também a nossa copresidência do Diálogo 5+5. Esta prioridade está diretamente ligada com um cada vez mais próximo relacionamento com os países do Magrebe, quer a nível político, quer a nível económico, mas também com as questões políticas e de segurança no Golfo da Guiné e a necessidade de promover a prevenção e a monitorização internacional da pirataria e do tráfico de droga e de seres humanos naquela região. Um papel ativo de Portugal nas questões de segurança na vizinhança sul e do Golfo da Guiné – no contexto da União Europeia e da NATO – é tanto mais importante quando, face aos mais recentes acontecimentos, muitas das atenções estão desviadas para o Leste. Depois, no quadro das relações transatlânticas, importa continuar os esforços e a intensa cooperação com os EUA, com vista a uma solução para a Base das Lajes e garantir para Portugal, através da participação ativa nas negociações e nos respetivos clausulados, um bom posicionamento no acordo final do TTIP [Transatlantic Trade and Investment Partnership]. E, claro, tem de haver um reforço da importância estratégica da CPLP e a valorização da dimensão económica da organização, alargando a sua ação, para além dos Estados-membros, aos Estados com estatuto de observadores. No quadro dos países que falam a língua portuguesa, não posso naturalmente deixar de valorizar um reforço da ligação ao Brasil e de aproveitar o especial posicionamento de Portugal no G19, em Moçambique.
Ao nível das exportações, quais são as nossas melhores armas?
Definitivamente, a competitividade e a qualidade dos produtos e serviços das empresas portuguesas. Temos um tecido empresarial cada vez mais dinâmico, com empresários muito determinados e confiantes, trabalhadores empenhados, e empresas muito qualificadas, com uma enorme vontade de mostrar ao mundo do que são capazes. Tenho testemunhado isso mesmo nos países por onde tenho passado. Somos hoje competitivos em setores que há uns anos eram praticamente inexistentes: a aeronáutica, as tecnologias de informação, ou o cluster da Saúde e Ciências da Vida; mas também nos setores tradicionais, como os têxteis e o calçado – estive recentemente na feira de Milão e testemunhei isso mesmo –, a agroindústria, a química ou as celuloses e a indústria do papel. E, depois, temos o nosso Turismo, que tem dado provas do profissionalismo nacional cá dentro e lá fora. Temos ferramentas muito vantajosas, que podem contribuir ainda mais para alavancar as exportações nacionais e ajudar a conquistar novos mercados. A nossa diplomacia económica, a articulação entre a AICEP e a nossa rede de embaixadas, proporcionam um acompanhamento personalizado no que diz respeito, por exemplo, aos instrumentos à disposição das empresas, aos dados dos mercados locais e, evidentemente, ao acesso às numerosas missões empresariais que são levadas a cabo, nos mais diversos setores e países.
Como classifica a relação bilateral com a Alemanha?
Excelente, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista económico. Destacaria, a esse nível, a importância que assumiu o apoio da República Federal da Alemanha, há 40 anos, para o sucesso da democracia portuguesa. E relembro a forma como Portugal se regozijou, há 25 anos, com a queda do Muro de Berlim e quando a reunificação da Alemanha se tornou enfim possível. Em termos económicos, não devemos perder de vista o facto de a Alemanha ser o 3.º maior mercado para as exportações portuguesas – suplantado apenas por Espanha e, neste último ano, pela França. O comércio com a Alemanha assume uma enorme importância para as empresas nacionais. Mas a importância do mercado alemão mede-se igualmente pelo número cada vez mais substancial de empresas portuguesas que aí se estabelecem e veem a sua qualidade reconhecida por um mercado, dos mais exigentes da Europa. Por outro lado, há que destacar a importância estratégica do investimento alemão em Portugal, não só pela elevada componente tecnológica da AutoEuropa, da Bosch, Siemens ou Leica, apenas para dar alguns exemplos, mas igualmente pela forma como esses investimentos vêm contribuir para a capacidade exportadora da indústria nacional. Necessitamos, naturalmente, de continuar a atrair esse investimento, e a forma como nos temos posicionado em rankings internacionais em termos de competitividade reforça a imagem cada vez mais positiva que os investidores internacionais têm de Portugal.
O que representa a Alemanha na nossa política externa europeia?
A Europa representa uma das – diria mesmo a principal – prioridades da nossa diplomacia. É na Europa que nos situamos, é com os nossos parceiros europeus que desenvolvemos um ambicioso projeto político e económico, é na Europa que encontramos a maioria da nossa diáspora, e é aqui que reside – não obstante um esforço importante de diversificação de mercados que tem vindo a ser, e bem, desenvolvido nos últimos anos – a sustentação económica para uma parte muito substancial das nossas empresas e, de forma genérica, para a própria manutenção da nossa economia. A Alemanha assume-se como um dos motores da potência económica e política que é, hoje em dia, no sistema internacional, a União Europeia. Desse ponto de vista, o relacionamento bilateral que mantemos com um Estado da dimensão da Alemanha e com a influência positiva a que este é associado, no que se refere à definição das políticas europeias, não pode deixar de ser um aspeto importante da nossa política externa.
Aparentemente estamos hoje mais perto de Berlim do que de Londres e Paris. A que se deve esta deslocação do eixo tradicional dos nossos aliados europeus?
Não me parece que essa afirmação seja verdadeira, nem mesmo geograficamente. E digo isso porque as relações que temos com o Reino Unido e a França se assumem igualmente como fundamentais para a nossa política externa, em especial do ponto de vista bilateral. Ao nível da União Europeia, a perceção generalizada, nomeadamente por influência da comunicação social, transmite essa ideia de que o peso relativo da Alemanha tem vindo a crescer, face a um menor empenho ou capacidade de projeção de poder da parte de Londres ou de Paris. Daí se podem tirar ilações sobre a necessidade de uma maior proximidade com aquele que é percecionado como o novo centro de poder na Europa. A importância do nosso relacionamento com a Alemanha é indiscutível, mas já o é há muitos anos. Nesse sentido, nem me parece que assistamos a uma deslocação no eixo tradicional dos nossos aliados, nem me parece que o relacionamento que mantemos com a Alemanha possa, nesta fase, ser ainda considerado como o de “novos” aliados.
Daqui a 10 anos que Europa vamos ter? E que peso terá Portugal nessa geografia?
Em primeiro lugar, importa não esquecer que Portugal tem participado de forma ativa no aprofundamento do processo de construção europeia, desde logo pela responsabilidade acrescida que nos coube, tal como aos restantes países europeus intervencionados, de contribuir para a construção da União Bancária, no âmbito do aprofundamento da União Económica e Monetária. Neste contexto, acredito que a União Europeia pode agora entrar numa nova fase de crescimento económico, baseado no reforço de políticas de incentivo à atividade económica, à inovação, à investigação e à ciência, associadas à indústria e ao desenvolvimento de novos produtos e serviços. A esse nível, temos confiança na nova Comissão, na qual o comissário Carlos Moedas irá desempenhar um papel fundamental. Espero ainda que, nesse horizonte de 10 anos, a Europa possa alargar as suas fronteiras. O impacto dos últimos alargamentos, há que percebê-lo, ainda pesa em muitas das decisões e das tomadas de posição das sociedades de diversos países europeus – não faltando quem defenda que a política anterior, de dois ou três novos membros de cada vez, é mais correta do que uma entrada simultânea de um número muito substancial de países. Continuamos a defender a prossecução das negociações com os atuais candidatos, esperando que alguns possam ter já concluído os seus processos de adesão por essa época. Outros candidatos terão, até lá, tempo de decidir quais os rumos que pretendem seguir – e espero que estes os possam conduzir ao seio da União Europeia. Se continuar a ser prosseguida uma política de afirmação de Portugal também para além da dimensão europeia – ao nível multilateral e da Lusofonia, por exemplo –, estou certo de que o peso relativo de Portugal não deixará de ser mais relevante daqui a 10 anos do que tem sido na década que nos antecedeu.
Como define, atualmente, as relações entre Portugal e Angola, em termos políticos, económicos e sociais?
Portugal e Angola têm hoje uma relação de uma intensidade, densidade e dinamismo ímpares, com benefícios tangíveis para os cidadãos e para as empresas dos dois países. O que verdadeiramente distingue as relações luso-angolanas é o seu equilíbrio, com fluxos e investimentos cruzados elevados, mas também a circulação de pessoas, num contexto de proximidade e fraternidade cultural que une os dois povos. Em termos políticos e de cooperação bilateral, regista-se um elevado número de visitas e contactos entre as autoridades dos dois países. Noutro contexto, existe um forte apoio recíproco em fóruns internacionais e a crescente introdução de mecanismos que visam facilitar o dia a dia dos portugueses em Angola e dos angolanos em Portugal.
Qual a mais-valia da integração da Guiné Equatorial na CPLP?
A CPLP é, por definição, um fórum multilateral para o aprofundamento da amizade, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros. A sua afirmação no plano internacional tem suscitado o interesse de vários Estados que se pretendem aproximar institucionalmente desta comunidade. E, nesse sentido, esta organização deve evoluir de forma natural, adaptando-se a esses novos desafios. Por isso mesmo já referi o interesse crescente que a CPLP tem suscitado em países que têm manifestado vontade de se tornarem seus observadores. No que respeita à Guiné Equatorial, apesar do efeito mediático, no seio da CPLP prevaleceu um sentimento favorável à sua aproximação, e na Cimeira de Díli, os chefes de Estado e de Governo aprovaram a sua adesão como membro de pleno direito. Este interesse recíproco resulta, por um lado, da relevância da CPLP no contexto internacional enquanto comunidade e, por outro, do potencial de expansão da zona de influência da língua portuguesa e do papel que a Guiné Equatorial desempenha na região do Golfo da Guiné, aliás, tal como outros parceiros da CPLP. E recordo também os laços históricos que nos unem àquele país. Por outro lado, gostaria de destacar o empenho que a CPLP tem manifestado em continuar a apoiar as autoridades do país no pleno cumprimento das disposições estatutárias da organização, na difusão da língua portuguesa, ou na contínua aplicação da moratória da pena de morte, com perspetivas de que o caminho seja o da efetiva abolição.
O MNE tem sido um defensor da vertente económica e empresarial da CPLP e da projeção da língua portuguesa como língua de trabalho no mundo. O que ainda pode ser feito?
Ao longo da evolução da CPLP, foi sendo gradualmente consolidada a vontade comum de alargar a cooperação entre os Estados-membros da organização a outras ou a novas áreas. No âmbito da CPLP, tenho vindo precisamente a sublinhar duas ideias que considero da maior pertinência: a questão do reforço da sua vertente económica e o tema da mobilidade no espaço da Lusofonia. É necessário ter em conta os novos desafios e oportunidades com que a CPLP se defronta neste mundo globalizado. No ano em que cumpre o seu 18.º aniversário, o contexto internacional em que a CPLP hoje se insere é bastante diferente daquele em que surgiu. Julgo por isso que devemos, cada vez mais, insistir na temática da dinamização da vertente económica da CPLP, nomeadamente num quadro de alargamento da organização a novos observadores. Importa igualmente debater e refletir sobre como poderão ser encontradas soluções que permitam uma maior mobilidade e circulação de pessoas num espaço alargado desta comunidade – procurando, por exemplo, num primeiro momento, ir ao encontro das necessidades mais prementes relativas a determinadas categorias de pessoas, caso de empresários, investigadores e estudantes.
Que apostas para Moçambique e para Angola?
Angola é o nosso maior cliente fora da União Europeia e, em sentido inverso, as exportações de bens e serviços de Angola para Portugal têm aumentado. As relações económicas entre os dois países são equilibradas e de grande significado recíproco. Não podemos também deixar de referir os fortes intercâmbios a nível cultural, cientifico e nas múltiplas áreas de cooperação, como o ensino, a saúde, a justiça e a segurança. Angola é hoje um ator estratégico incontornável na sua região. Quanto a Moçambique, a cooperação bilateral com Portugal é igualmente intensa, abrangente e diversificada. O crescimento económico verificado naquele país e o seu potencial nos próximos anos abrem grandes oportunidades de investimento, sendo de assinalar que é um dos mercados para onde mais cresceram as nossas exportações em 2013. Portugal está numa posição única, pertencendo ao maior bloco comercial do mundo, a União Europeia, e tendo laços privilegiados com os vários países de língua oficial portuguesa, lançando pontes para África, mas também para o outro lado do Atlântico, o que nos permite criar sinergias de elevado potencial que beneficiam todos.
Que balanço faz da diplomacia económica com estes dois países?
Portugal é um parceiro comercial de referência dos países que integram a África Lusófona, e para Angola e Moçambique em particular, contribuindo para a diversificação da economia de ambos os países e proporcionando a criação de emprego e a transferência de conhecimento. A economia moçambicana reforçou o seu lugar no ranking das economias que mais cresceram no mundo e estreitou significativamente o seu relacionamento com Portugal nos últimos dois anos. Quanto a Angola, foi o nosso primeiro cliente fora da UE e o destino para onde mais cresceram, em valor, as exportações portuguesas de bens.
Sobretudo Angola, não pode ser reforçada? Como?
Certamente pode sempre fazer-se mais. E Portugal, tal como Angola, está a investir nesse reforço e aprofundamento da relação bilateral. É também este aprofundamento da cooperação económica e empresarial que irei debater numa próxima viagem a Luanda.
O que há a fazer, a nível mundial, para travar os avanços do autoproclamado estado islâmico? Quem pode e deve intervir diretamente?
Em primeiro lugar, chamo a atenção para a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 24 de setembro último. Esta resolução qualifica o fenómeno dos combatentes estrangeiros como uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Trata-se de combater as ações em caso de ameaça à paz, rutura de paz e atos de agressão. O Conselho de Segurança condena o fenómeno dos combatentes terroristas estrangeiros e exige que cessem as suas atividades terroristas e a sua participação em conflitos armados. E determina também que todos os Estados-membros devem prevenir e combater este fenómeno. Dou-lhe alguns exemplos: reforçar as medidas de combate ao financiamento de organizações terroristas; prevenir a radicalização (mensagem que tem sido veiculada por mim com grande insistência), interditar e criminalizar as viagens dos combatentes estrangeiros, intensificar os controlos fronteiriços, entre outros.
Qual a ação de Portugal neste combate ao terrorismo?
Portugal declarou, desde o início, a sua adesão à Coligação Internacional e tem colaborado com as Nações Unidas, a União Europeia e a NATO, no trabalho que tem sido feito em torno deste fenómeno hediondo. O nosso país tem igualmente participado nas ações de ajuda humanitária às populações das zonas mais afetadas pelos confrontos com as forças do ISIS [Islamic State of Iraq and Syria], nomeadamente através do apoio ao trabalho realizado pelo alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, e tem também prestado a sua contribuição na luta contra o financiamento ilícito das operações desta organização terrorista. Por outro lado, tal como acontece noutros países europeus, encontra-se em preparação pelo Governo um conjunto de medidas, no campo administrativo, no domínio penal e da segurança interna, que procuram dar cumprimento ao que foi deliberado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, no mês de setembro.
O que espera da ação de Federica Mogherini, vice-presidente e alta representante para a Política Externa da nova Comissão Europeia? Quais deverão ser, na sua opinião, as suas prioridades?
A política externa da União Europeia tem sido, em muitos casos, reativa, procurando responder aos diferentes desafios e problemas que nos são colocados pelas evoluções, nem sempre positivas, da agenda internacional. Haverá, nesse sentido, um conjunto de prioridades, porque naturalmente a União Europeia tem que se empenhar na resolução dos conflitos na sua vizinhança imediata, como são os casos da Ucrânia, da Síria, do Iraque ou da Líbia, ou ainda o conflito no Médio Oriente. Enquanto ministra dos Negócios Estrangeiros da Itália, a senhora Mogherini deu sempre muita importância às questões do Mediterrâneo, à necessidade de resposta aos fenómenos de imigração ilegal por via marítima, que envolvem também os múltiplos tráficos e influências negativas de movimentos terroristas que se expandem pelo Sahel, desde a Somália à região do Golfo da Guiné. Essas têm sido preocupações que Portugal e Itália têm procurado colocar no topo da agenda europeia através de mecanismos como o Diálogo 5+5. Penso que estas questões não deixarão, naturalmente, de constituir algumas das prioridades que serão assumidas pela nova alta representante.
O que é o Diálogo 5+5? Qual a importância que tem para Portugal e para os restantes países implicados por este mecanismo de cooperação?
Portugal partilha com os países do Mediterrâneo Ocidental uma herança histórica e cultural, e esta “vocação” mediterrânica ditou a nossa participação no Diálogo 5+5. Temos procurado dar vitalidade a esta iniciativa que foi criada exatamente com o objetivo de reforçar o diálogo político e a cooperação entre os países da bacia ocidental do Mediterrâneo e promover o desenvolvimento económico do Magrebe. A copresidência do Diálogo 5+5 tem constituído um fator de responsabilidade acrescida, mas também uma mais-valia política para Portugal. E permite-nos explorar o potencial de complementaridade entre este processo multilateral e os nossos interesses bilaterais com cada um dos países participantes. Por outro lado, o Diálogo 5+5 é coordenado ao nível dos MNE de cada país, mas existe um diálogo muito abrangente em pastas setoriais. Ainda recentemente decorreu uma reunião ao nível dos ministros dos Transportes e será realizada, em Lisboa, proximamente, uma reunião dos ministros do Turismo e também do Ambiente e Energia. O objetivo desta aposta setorial é bem claro: contribuir para o crescimento da região.
Caso a coligação vença as eleições, está disponível para integrar o novo Governo?
Estou apenas empenhado em fazer bem o meu trabalho no Governo e assim poder contribuir para que a coligação que o apoia ganhe as próximas eleições. O meu futuro não tem de passar necessariamente por uma atividade política.
Portugal foi eleito membro do Conselho dos Direitos Humanos. Qual vai ser a nossa ação no âmbito deste que é o segundo órgão mais importante da ONU?
Procurando responder sucintamente à sua pergunta, neste mandato Portugal irá pautar a sua atuação pelo objetivo de defesa da dignidade da pessoa humana e do carácter individual, universal e inalienável dos direitos humanos. Atento a este propósito basilar, procuraremos estabelecer o diálogo entre países, pois acreditamos que é através deste que pode ser alcançado o objetivo da efetiva aplicação de todos os direitos humanos. Quanto a temas concretos, e não pretendo aqui ser exaustivo, Portugal empenhar-se-á no direito à educação e a recursos essenciais, como a água, na defesa da igualdade de género, entre outros temas da maior relevância. Simultaneamente, dará especial atenção à proteção dos grupos mais vulneráveis. Por esta mesma razão, não poderá ser ignorada a violação brutal e continuada dos Direitos Humanos que o terrorismo representa para centenas de milhares de pessoas. No caso da Síria e do Iraque, assistimos a verdadeiros genocídios, perpetrados pelo grupo terrorista ISIS, que é hoje um dos exemplos mais hediondos desses atentados em massa.