ROSA VALENTE DE MATOS

“O CHULC É UMA DAS PRINCIPAIS INSTITUIÇÕES HOSPITALARES do país e é um orgulho estar à frente da sua gestão” – Rosa Valente de Matos é a atual administradora do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra seis unidades hospitalares da capital. A ex-secretária de Estado da Saúde tem em mãos o processo de encerramento de algumas unidades, bem como a transferência dos serviços para o novo Hospital de Lisboa Oriental. “A evolução das práticas clínicas exige novas estruturas, para além de que temos custos estruturais que ascendem a mais de 60 milhões de euros anuais, para manter seis hospitais espalhados pela cidade de Lisboa, com a duplicação de recursos humanos que isso exige, e com reflexos diretos nos nossos níveis de eficiência, que são necessariamente inferiores, quando nos comparamos com outras instituições do SNS”, sublinha. Quanto ao atual estado da pandemia em Portugal, Rosa Valente de Matos afirma que é fundamental “manter os cuidados individuais e seguir as orientações transmitidas pelas entidades responsáveis”. Por outro lado, é importante “acelerar a resposta às pessoas que vivem com outras doenças e que não têm estado a ter a resposta necessária, concluiPara a gestora, a pandemia veio também demonstrar alguns aspetos positivos, nomeadamente,a importância de termos um SNS mais forte e mais bem preparado para situações de crise”.   Empenhada em ter o novo hospital a funcionar em pleno, “em 2025”, Rosa Valente de Matos pretende deixar como legado “um centro hospitalar mais preparado para os novos desafios, robusto e moderno, com profissionais mais satisfeitos e motivados, com melhores condições para exercer a sua missão, nesta que é uma instituição onde a inovação é a marca da sua identidade”.  

Um ano depois do registo, em Portugal, do primeiro caso de Covid-19, qual é, na sua opinião, o estado da pandemia em Portugal? Os últimos meses foram muito duros e exigentes. O número de pessoas infetadas cresceu de forma exponencial, os hospitais e os profissionais de saúde foram levados ao limite das suas capacidades e perderam-se muitas vidas. Neste momento estamos numa fase de maior controlo da doença. Os novos casos de pessoas com a doença têm diminuído de forma significativa, e isso reflete-se numa menor pressão sobre os hospitais e, essencialmente, numa redução da mortalidade. Olhando para o último ano, verificamos que temos alternado entre momentos de maior e menor pressão, mas nunca chegámos a ter a situação totalmente resolvida, pelo menos na região de Lisboa e Vale do Tejo. Isso fez com que tivéssemos alterado muitas das nossas rotinas pessoais e profissionais e com que aprendêssemos a viver de forma diferente, especialmente nos hospitais. Crescemos muito como profissionais de saúde, mas essencialmente como equipas. Todos os dias procuramos responder aos desafios e encontrar soluções, para que a segurança e a qualidade dos serviços que prestamos sejam uma realidade percebida por todas as pessoas, que gere confiança. Este é um caminho que tem de continuar a ser feito nos próximos meses, sem especulações e falsa sapiência, onde o papel de cada um de nós é fundamental para o sucesso coletivo. Agora, numa altura em que se discute o desconfinamento, é fundamental ter isto bem presente. Temos de manter os cuidados individuais e seguir as orientações transmitidas pelas entidades responsáveis, que têm de ser muito claras e coerentes na mensagem que passam, essencialmente em tempos em que existem novas estirpes a aparecer, em que as pessoas acusam o cansaço de viver há tanto tempo em pandemia e em que é fundamental acelerar a resposta às pessoas que vivem com outras doenças e que não têm estado a ter a resposta necessária. 

Em relação ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), qual é a realidade neste momento? Qual a taxa de ocupação? Somos a instituição hospitalar que mais doentes covid tem tratado a nível nacional. Neste momento a nossa taxa de ocupação com doentes covid baixou significativamente, mas está ainda acima daquilo que tivemos na primeira vaga. Desde março de 2020 que este Centro Hospitalar nunca deixou de ter enfermarias dedicadas a doentes covid, sendo que o número mais baixo de camas que tivemos para esta resposta foi em agosto do ano passado, com 70 camas. Nós elaborámos o nosso plano de contingência logo em fevereiro de 2020, com uma capacidade de extensão da resposta covid que poderia ir até às 300 camas, onde prevíamos a possível transformação de serviços de medicina, de cirurgia e de ortopedia no Hospital de Curry Cabral. À medida que a pandemia foi atingindo valores mais altos a nível nacional, percebemos que haveria a possibilidade de ultrapassar a última fase do plano inicial e ajustámo-nos de forma a que chegámos a ter mais de 350 camas dedicadas ao tratamento de doentes covid. Em termos gerais, e olhando para aquilo que fomos vendo noutros hospitais a nível nacional e internacional, acabámos por ter um processo de evolução tranquilo, com o envolvimento sereno e empenhado dos profissionais e das equipas do nosso Centro Hospitalar, procurando sempre ir ao encontro daquilo que era necessário e que era melhor para todos, principalmente para os doentes. Claro que houve momentos de stress, situações de tensão, dias difíceis, mas nunca filas de ambulâncias à porta, racionamento de material ou falta de camas para internar os nossos doentes. E sempre estivemos disponíveis para colaborar com os outros hospitais da região e do país, em silêncio e sem procurar protagonismo. Só para lhe dar um exemplo, posso dizer-lhe que 40% dos doentes que tratamos em cuidados intensivos foram transferidos de outros hospitais. É assim que entendemos o papel de uma instituição hospitalar com a diferenciação técnica e a abrangência da nossa, que tem uma responsabilidade acrescida dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que está preparada para exercer a sua função com a competência e enorme qualidade dos seus profissionais.      

Considera que o SNS estava preparado para mais esta vaga? O que é que correu mal?  Penso que esta pandemia veio demostrar a importância de termos um SNS mais forte e mais bem preparado para situações de crise. O SNS já tinha alguns problemas estruturais, e a necessidade de dar resposta a esta pandemia veio juntar-se às dificuldades que já tínhamos. Isso é inegável. De qualquer das formas, estou convencida de que se não tivéssemos um serviço público com a importância social e com o reconhecimento que o SNS alcançou junto das pessoas nos últimos 40 anos, teríamos tido muito mais dificuldades do que aquelas que tivemos no país. Claro que as fragilidades existem, mas tivemos uma enorme capacidade de nos reinventar e isso só aconteceu graças à dedicação dos profissionais que temos no SNS, que responderam positivamente ao esforço acrescido que lhes foi pedido e que estiveram sempre disponíveis para tratar os doentes. Mas é importante, e urgente, que se defina uma estratégia clara para o futuro do SNS, um compromisso onde todos devem ser envolvidos, pois estamos a falar de um serviço público que já demonstrou ser essencial para a coesão do país. Esse compromisso deve apontar para medidas mais focadas nas necessidades concretas das pessoas e na promoção do seu bem-estar ao longo da vida, em soluções mais proativas e mais bem articuladas entre os serviços de saúde, em respostas mais equitativas a nível regional e local, mais baseadas no valor que criam e no contributo que dão para garantir a sustentabilidade do sistema. Se não conseguirmos criar o contexto para promover esta mudança, perderemos mais uma oportunidade de resolver os problemas estruturais que temos. 

As medidas que o governo aplicou no Natal contribuíram, na sua opinião, para o descontrolo total a que assistimos e que ainda estamos a assistir?                                       Não tenho evidência que demonstre, inequivocamente, que as medidas aplicadas no Natal tenham sido o fator principal desse descontrolo. Provavelmente existiram vários fatores que concorreram para aquilo que vivemos, e a intensificação de contactos nessa altura do ano terá tido a sua importância relativa, mas penso que o fator principal foi a evolução do vírus, nomeadamente o aparecimento das novas variantes, mais transmissíveis e que atingiram muito fortemente a nossa população mais frágil, com destaque para os mais idosos e para aqueles que vivem com mais carga de doença. 

Como deverá o país desconfinar?                                                                                           Penso que o desconfinamento deverá ser feito de uma forma gradual, obedecendo a um plano que valorize o conhecimento que já temos sobre a biologia do vírus e as suas formas de contágio, com uma avaliação recorrente das consequências e com controlo efetivo do cumprimento das normas de segurança. Tem de ser um plano claro e percetível por todos os portugueses, sem margem para interpretações diversas. Mas, este plano tem de ser acompanhado de outras medidas, como o reforço e acompanhamento sistemático e de proximidade com a população por parte da saúde pública, em articulação com os médicos de família, do reforço do processo de testagem da população, principalmente daquela que tem de se deslocar diariamente e que tem processos de trabalho coletivos ou em contacto direto com a comunidade. Acho que o essencial é que consigamos apostar na comunicação clara das medidas, na prevenção e na antecipação, para evitar o que aconteceu nos últimos meses. E isso depende do que formos capazes de fazer nesta área da saúde. Já não teremos a desculpa do desconhecido, nem que não tivemos tempo para nos preparar. 

 

O Plano de Vacinação parece-lhe bem estruturado? Considera possível atingirmos a tão esperada imunidade de grupo depois do verão?                                                                           A vacinação é fundamental para o controlo da pandemia. É uma arma terapêutica que a ciência colocou nas nossas mãos e que temos de aproveitar com inteligência e rapidez. Temos bons exemplos do passado, onde doenças como o sarampo, a varíola e outras quase desapareceram devido às vacinas. Infelizmente não temos ainda o stock de vacinas suficiente para satisfazer todas as necessidades, mas temos cumprido os critérios de priorização e protegido os mais expostos, como é o caso dos profissionais de saúde, dos mais idosos e dos mais vulneráveis. Houve países que utilizaram critérios ligeiramente diferentes dos que estamos a praticar em Portugal, e que foram mais assertivos na forma clara e atempada como os comunicaram à população, mas no essencial temos estado a acompanhar o ritmo de vacinação dos outros países da união europeia, onde a imunidade de grupo está mais dependente da disponibilidade de vacinas, do que propriamente da capacidade de as administrar. No nosso Centro Hospitalar, por exemplo, organizámo-nos de forma a vacinar rapidamente os profissionais, para que estejam mais protegidos para responder aos doentes que nos procuram.  

 Estamos preparados para uma nova vaga? O que importa ter em conta para nos prepararmos?                                                                                                                              Acho que estamos mais preparados. Temos os espaços adaptados, os circuitos definidos, os processos afinados. Os nossos profissionais têm hoje mais conhecimento e experiência sobre como tratar esta doença. Mas é evidente que precisamos de reforçar as equipas e de ter mais equipamentos em determinadas áreas, como nos cuidados intensivos, na medicina interna, ou no serviço de urgência, por exemplo. É também fundamental reforçar o trabalho colaborativo e em rede. Assegurar o seguimento dos doentes de forma mais estruturada e melhor articulada, não só entre a saúde blica, os cuidados de saúde primários, hospitalares e os cuidados continuados, mas também com o setor social e as famílias. No essencial, temos de evitar cometer os erros do passado e temos de conseguir introduzir as alterações estruturais que permitam responder cada vez melhor às necessidades e expectativas das pessoas. Não podemos ter utentes com alta hospitalar a ocupar uma cama durante meses, e por vezes anos, que continuam inadequadamente no hospital, com riscos acrescidos para a sua saúde, porque as famílias não têm capacidade para os receber e tratar, ou porque as instituições sociais não dão resposta. Esta é uma realidade que me preocupa particularmente e que demonstra que o Estado tem de organizar melhor os seus recursos 

Considera que ainda faz sentido olhar para a Saúde e para a Segurança Social como dois universos separados e que vivem, como se viu com o que se passou nos lares, de costas voltadas?                                                                                                                                            À medida que a sociedade vai mudando e que a população vai envelhecendo, e recordo que Portugal é, já hoje, um dos países mais envelhecidos do mundo, cada vez mais nos vamos afastando daquela ideia de que há uma fronteira muito bem delimitada entre necessidades sociais e necessidades em saúde, em que cada parte trata de responder o melhor que pode, sem preocupação acrescida de articulação ou de partilha de meios. Digo-lhe mais. Com o dinheiro que estamos a investir atualmente na área da Saúde e da Segurança Social, deveríamos estar a prestar serviços muito mais adequados àquilo que as pessoas efetivamente precisam, nomeadamente os mais frágeis. E que merecem. E não estou a falar de construir mais lares iguais aos que temos hoje, ou de mais locais para internar pessoas. Estou a falar de criar condições sociais integradas com as respostas de saúde, para que as pessoas possam viver de forma autónoma e digna nas suas casas e na sua comunidade, enquanto isso for possível, recorrendo à institucionalização apenas nas situações em que não houver uma melhor alternativa. Isso exige que haja uma gestão proativa, adequada e baseada na avaliação do risco individual de cada um de nós. Exige que os recursos sejam organizados em função daquilo que as pessoas precisam, e não em função da organização ou dos interesses das estruturas que prestam os cuidados. Exige que as famílias e toda a sociedade se envolvam na construção das soluções que nos permitam melhorar a nossa qualidade de vida e enfrentar os desafios do envelhecimento, das doenças emergentes, da sustentabilidade dos sistemas de proteção social, entre outros 

Teremos, como muitos anunciam, uma avalanche pós-Covid de outras doenças? Estamos preparados?                                                                                                                                     No nosso Centro Hospitalar sempre tivemos a preocupação de tratar todos os doentes. O facto de sermos um centro hospitalar constituído por seis hospitais levou a que desde o início da pandemia fossem definidos os hospitais que não tratavam doentes covid, como por exemplo o polo de Santa Marta e Santo António dos Capuchos, o que nos permitiu continuar a nossa atividade. Apesar da redução de atividade que ocorreu, essencialmente, na primeira fase da pandemia, fruto do desconhecimento que havia em relação à doença, e dos receios e incertezas que todos tínhamos, incluindo os próprios doentes, houve várias áreas assistenciais que protegemos, como é o caso dos transplantes, das doenças oncológicas, ou da resposta aos doentes urgentes, que necessitavam de cuidados imediatos. Reorganizámos as nossas respostas, redefinimos circuitos e processos e encontrámos novas formas de prestação de cuidados, com recurso mais intenso às novas tecnologias, por exemplo. Para as situações mais prioritárias, reforçámos os contactos prévios com os utentes, insistindo com a necessidade de se realizar determinada consulta, exame ou cirurgia que era fundamental para a sua saúde, mesmo nas situações em que os utentes nos pediam que adiássemos temporariamente essa resposta. 

Ainda assim, se compararmos a atividade realizada em 2020, com o período homólogo de 2019, verificamos que houve uma redução de 6% nas consultas, 20% nas cirurgias e 30% nos serviços de urgência. 

Na sua opinião, os doentes têm medo de vir ao hospital ou, por outro lado, consideram-no um local seguro?                                                                                                                        Como já referi, no início da pandemia houve um medo coletivo, as informações eram poucas e por vezes controversas. O que se passava em alguns países era assustador. Doentes na rua, hospitais cheios. Todos os dias nos chegavam notícias avassaladoras. Os hospitais são a porta de entrada desses doentes, logo eram sítios a evitar, e por isso tivemos de demostrar que eram sítios seguros. Tornámos obrigatórias regras de desinfeção, medição da temperatura e uso de máscara. Os nossos profissionais sempre tiveram acesso aos equipamentos de proteção individual que eram necessários para sua proteção e para proteção dos nossos utentes. Fomos o primeiro hospital do sul do país a receber doentes covid e tivemos de elaborar orientações internas com normas e procedimentos de atuação, mesmo antes de qualquer norma da Direção-Geral da Saúde. Tudo temos feito para que os nossos utentes sintam que o hospital é um lugar seguro, e acho que temos conseguido atingir esse objetivo.  

Como descreve o CHULC? O que o distingue?                                                                  Descrevo a nossa instituição como um centro hospitalar de grande diferenciação técnica e científica, alicerçada numa história de quatro séculos, que reúne uma forte componente universitária à herança dos Hospitais Civis de Lisboa. Temos o maior número de centros de referência a nível nacional e somos os únicos no país a realizar todos os transplantes e a fazer cirurgia robótica. No essencial, acho que aquilo que nos distingue são os profissionais de excelência que temos e uma cultura que valoriza a procura diária do conhecimento e da inovação, para podermos responder cada vez melhor aos nossos utentes. 

Assumiu a gestão de uma unidade com uma dívida total superior a 160 milhões de euros e uma dívida vencida de mais de 100 milhões. O que a levou a aceitar este desafio?              Foi um desafio que encarei com o mesmo sentido de responsabilidade e de missão com que encarei outros desafios anteriores. O CHULC é uma das principais instituições hospitalares do país e é um orgulho estar à frente da sua gestão, conjuntamente com uma equipa que todos os dias se dedica de forma totalmente empenhada e comprometida com a resposta aos nossos utentes. Temos feito um caminho de reorganização interna para acompanharmos a exigência da gestão da saúde moderna, respondendo com mais atividade assistencial à procura crescente que temos tido por parte dos utentes e procurando aumentar a nossa eficiência interna. Ao mesmo tempo, continuamos a procurar melhorar os resultados, também financeiros, apesar do quadro complexo que vivemos com a pandemia, do facto de sermos um centro hospitalar composto por várias unidades dispersas pela cidade e do acréscimo de necessidades em saúde da nossa população,  

Podemos afirmar que existem profissionais disponíveis, mas que não são “aproveitados” pelo SNS? Não há mesmo profissionais ou é uma questão do quanto estão dispostos a pagar?                                                                                                                                            Nos últimos anos, o SNS tem formado vários profissionais de saúde que optam por seguir outros caminhos na sua vida, seja fora do país, seja em instituições privadas. É algo que me preocupa, porque é feito um forte investimento na sua formação, porque são profissionais de qualidade e porque precisamos deles para continuar a fortalecer o SNS, não só nos hospitais das grandes cidades, mas também nos hospitais mais periféricos e nos cuidados de saúde primários. É óbvio que esta é uma realidade que já vem de vários anos e que existem vários fatores que contribuem para isso, como sejam a rigidez da gestão pública, os baixos níveis de investimento em tecnologia e em condições de trabalho que têm caracterizado o SNS nos últimos anos, mas acho que a forma como remuneramos os profissionais e as equipas pode e deve evoluir para facilitar a permanência dos profissionais no serviço público. Deve passar a estar mais associado ao desempenho efetivamente realizado, aos resultados alcançados para os utentes e aos benefícios obtidos para os serviços. Claro que esse caminho exige envolvimento dos representantes dos profissionais e alterações legislativas para enquadrar estas mudanças. Mas com o enquadramento que temos hoje já conseguimos avançar um pouco, como acontece no caso dos Centros de Responsabilidade Integrados, os denominados CRI, que representam um movimento de reorganização interna dos hospitais, em que acredito muito, porque acho que podem contribuir para incentivar os profissionais a dedicarem-se mais ao SNS, para reforçar a autonomia funcional e a responsabilidade das equipas, para responder melhor às listas de espera, para rentabilizar a capacidade instalada nos hospitais públicos e aumentar a eficiência dos cuidados que são prestados aos utentes. Quando assumi responsabilidades governativas tive oportunidade de efetuar alterações legislativas para dinamizar a criação dos CRI, reforçando os incentivos para os profissionais aderirem a este movimento, e agora aqui, no Centro Hospitalar, criámos vários CRI em áreas tão distintas como a gastroenterologia, a oftalmologia pediátrica, a urologia e, mais recentemente, traumatologia ortopédica 

Faltam especialistas no CHULC? Em que áreas?                                                                       Um centro hospitalar como o grau de diferenciação e com a dimensão do nosso, que engloba mais de 8500 profissionais, tem uma necessidade permanente de renovar as equipas e de apostar na especialização das intervenções, o que faz com que haja necessidade de recrutar profissionais com muita frequência, especialmente profissionais especializados. De qualquer das formas, há áreas onde essa necessidade é maior, como é o caso de anestesiologia e imagiologia. 

O futuro Hospital de Lisboa Oriental será mesmo uma realidade?                                              É imperioso que seja uma realidade. Temos estado a trabalhar para que isso aconteça. A evolução das práticas clínicas exige novas estruturas, para além de que temos custos estruturais que ascendem a mais de 60 milhões de euros anuais, para manter seis hospitais espalhados pela cidade de Lisboa, com a duplicação de recursos humanos que isso exige, e com reflexos diretos nos nossos níveis de eficiência, que são necessariamente inferiores, quando nos comparamos com outras instituições do SNS. São hospitais antigos, localizados em edifícios com mais de dois séculos, onde temos feito algumas obras para permitir manter a operação, assegurar a qualidade e humanizar os cuidados, criando condições mínimas para que os profissionais e os doentes possam estar em segurança e com conforto, até que esteja construído o novo hospital. Os procedimentos para ter o novo hospital têm estado a avançar, sem alarde e cumprindo os termos previstos, e o objetivo é que ele possa começar a funcionar em 2025. 

Tendo em conta o sentimento de pertença tão antigo destas instituições, acredita que será uma transição suave?                                                                                                                Como já referi, nós temos mais de 8500 profissionais, estamos dispersos por seis hospitais, realizamos quase um milhão e meio de atendimentos por ano, e temos uma história muito ligada ao centro da cidade, de proximidade às pessoas. Qualquer processo de mudança com estas características tem uma enorme complexidade associada. Mas nós estamos a preparar as condições para que essa transição possa ocorrer com tranquilidade, na altura certa. Criámos já uma equipa interna para preparar a organização para a nova realidade e para antecipar os desafios da fase de transição e de instalação no novo hospital, e iremos continuar a trabalhar com os profissionais e os serviços para projetar o futuro, envolvendo-os no processo de decisão, discutindo as vantagens e as desvantagens das várias opções de gestão que temos e evidenciando os ganhos que podemos alcançar com a nova organização. 

Está disponível para conduzir a nova unidade?                                                                        Toda a minha vida profissional está ligada à gestão em saúde e não tenho por hábito fazer planos a longo prazo, no que toca ao meu percurso profissional. Os desafios vão aparecendo e vou procurando responder-lhes da melhor forma possível, dentro do contexto concreto em que eles se desenvolvem. Claro que abrir o futuro Hospital de Lisboa Oriental é um desafio interessante para qualquer gestor da área da Saúde, mas neste momento a minha prioridade é continuar a responder à pandemia, trabalhar diariamente com as equipas do nosso Centro Hospitalar e preparar a construção da nova unidade. Tudo o que for para além disso é desviarmo-nos do essencial, simplesmente porque não está em cima da mesa. 

Qual o legado que gostaria de deixar?                                                                                          Deixar um centro hospitalar mais preparado para os novos desafios, robusto e moderno, com profissionais mais satisfeitos e motivados, com melhores condições para exercer a sua missão, nesta que é uma instituição onde a inovação é a marca da sua identidade.  

Também considera, como muitos observadores, que o Ministério deveria ser da Saúde e não do SNS, como parece ser?                                                                                                        O SNS tem um papel central na nossa sociedade, como ficou muito evidente na resposta à pandemia Covid-19, mas o Ministério da Saúde tem de olhar para todo o sistema de saúde, exercendo em todo o território nacional as funções que estão adstritas ao Estado na área da Saúde, nomeadamente em termos de regulação da prestação e de garantia do acesso a cuidados de qualidade, para todos. Penso que ninguém tem dúvidas em relação a isso, mas se houvesse alguém que defendesse que o ministério deve olhar apenas para o SNS, não estaria a responder às necessidades, às expectativas e às exigências das pessoas e não estaria a ajudar o próprio SNS. 

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