“A ORDEM DOS ADVOGADOS DESAFIOU QUASE TODA A GENTE PARA O COMBATE E NA VERDADE PERDEU OS COMBATES QUASE TODOS”
Sportinguista ferrenho, jogador de futebol nas horas vagas (cada vez menos) e muito citadino, Rogério Alves tem um lema de vida: “procurar sempre ser inteligente sem ter medo de ser autêntico”. Talvez por isto seja um dos advogados mais conhecidos da nossa praça e um dos mais solicitados para fazer, na comunicação social, comentários sobre os casos mais mediáticos. Consciente de que tem uma profissão nobre, capaz de mudar a vida de muitas pessoas, Rogério Alves não estranha que tenham sido seis os candidatos para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados: “para mim é uma manifestação de cidadania e empenhamento”, conclui. Preocupado com o atual estado do país, acredita que é possível mudar o nosso rumo, com a aposta em novos partidos, com ideais e ideias novas.
Até agora tem vivido afastado das grandes sociedades de advogados. O que mudou para apostar na Rogério Alves & Associados? Existe algum motivo para esta sociedade ter nascido recentemente?
Não mudou muita coisa, eu é que aceitei algumas coisas que existem desde sempre e contra as quais até agora tinha sido um pouco rebelde. Eu tenho um paradigma de atuação, que é mais aproximado daquilo a que, em Inglaterra, chamam barristers, ou seja, o segmento dos advogados que litigam no tribunal. Esse é o meu paradigma, no sentido de ser aquilo que mais corresponde à minha atividade. Sempre fui muito mais um advogado de casos do que de entidades, não sou um advogado de ter avenças, de trabalhar muitos anos para a mesma entidade. Aceito um caso, ele começa, desenvolve-se e depois termina, e eu tenho outros casos, de outras pessoas ou de outras entidades. Contudo, antes de avançar com a sociedade, já trabalhava em conjunto, com mais cinco ou seis colaboradores que me auxiliavam e continuam a auxiliar, a analisar os processos, a estudá-los, a preparar peças, para além de me acompanharem e substituírem em julgamentos. Para mim sempre foi muito claro que trabalhar em associação com outros advogados é essencial, e faço-o há muitos anos, justamente para completar os saberes, enriquecer a oferta ao cliente, para trabalhar mais e melhor e para assegurar a continuidade do trabalho. O que evoluiu foi o facto de, com a sociedade de advogados, eu poder diversificar as minhas próprias áreas de atividade e adquirir colaboradores nessas áreas, criando novas valências, nomeadamente ao nível do Direito Público, mantendo um forte desenvolvimento nas áreas do Direito Civil, do Direito financeiro e imobiliário e uma atividade intensa na área do Direito Penal e contraordenacional, sobretudo na vertente económica. Por outro lado, esta opção permitir-me-á, assim o espero, vir a estar menos horas no tribunal e mais horas a trabalhar no escritório.
Considera-se mais um advogado de casos ou de clientes? Porquê?
Considero-me mais um advogado de casos do que de clientes. Eu tenho um espírito muito rebelde e muito independente, e uma das características fundamentais da advocacia é a independência, entendida como o não estar muito ligado a interesses, a grupos, a entidades que tenham grande poder ou influência no país. Quanto mais independente se é, mais se revela esta característica de se ser um advogado de casos.
Qual o caso em que mais gostou de trabalhar?
Foram vários e não consigo selecionar apenas um, porque já tive tantos e tão distintos, que seria uma missão impossível. Realço os casos em que a nossa intervenção é decisiva para a vida das pessoas, sobretudo quando o tribunal declara que uma pessoa é inocente, do crime pelo qual vinha injustamente acusada. Eu era ainda um jovem advogado e patrocinei, por razões acidentais, um rapaz que tinha sido condenado, pelo Tribunal de Loures, a sete anos de prisão. Era um rapaz jovem, de um bairro de lata, uma pessoa pobre, com família e amigos pobres, e foi-me pedido se eu conseguiria ajudá-lo. Na altura recorri para o Tribunal da Relação de Lisboa, ainda estava em vigor o Código de Processo Penal antigo, o julgamento foi anulado e repetido. Eu fui fazer o julgamento ao Tribunal de Loures, com o mesmo juiz que o tinha condenado a sete anos de prisão, e no final ele foi absolvido. A sensação de que eu tinha podido devolver sete anos de vida àquela pessoa inocente, que eu nunca mais voltei a ver, foi quase como fazer a descoberta de uma vacina. Naquele dia eu percebi como tudo isto vale muito a pena e reforçou-se muito em mim o sentido desta atividade e desta profissão.
Existiram seis candidatos para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados (OA). Como explica este facto? Este é realmente um cargo apetecível?
Já não é a primeira vez que concorreram seis candidatos para o cargo de bastonário, foi assim também em 1997. Parto do princípio de que todas as pessoas que se candidatam a este lugar estão animadas pela melhor das intenções. Como os advogados são 28 mil, ou talvez mais, é normal que surjam muitos candidatos, e não encontro neste facto nada de negativo. Pelo contrário, acho que se as pessoas se mobilizam em prol de uma causa e querem colocar a sua capacidade ao serviço da OA, é muito bom. Contudo, este cenário levanta uma outra questão, que é a da legitimação do eleito. Com a elevada fragmentação da votação existe a possibilidade de se eleger alguém com 25% ou 26% dos votos. Neste caso foi cerca de 31% a percentagem da Dr.ª Elina Fraga. A bastonária eleita tem menos votos do que o total dos que não foram para ela. Costuma ser assim, aliás. Por tudo isto, há quem defenda que deveria haver uma segunda volta, que traria, sem dúvida, um reforço de legitimação, um pouco como se faz com as eleições para a Presidência da República. É nesse sentido que aponta a lei das associações públicas.
Elina Fraga é a segunda mulher a exercer o cargo de bastonária. Na sua opinião o que trará de novo à Ordem dos Advogados?
O anúncio confessado de persistir num quadro de continuidade não é, para mim, muito promissor. Nestes últimos anos os advogados perderam muito mais do que ganharam e, por causa, disso, a cidadania sofreu escoriações significativas. A Ordem foi totalmente incapaz de influenciar as alterações legislativas, que ocorreram como se ela, Ordem, e os advogados não existissem. Se a continuidade corresponder à continuação de uma panóplia de conflitos, como aquela que tem vindo a ter lugar, não pressagia grande coisa. As árvores conhecem-se pelos frutos e, sinceramente, o que frutificou, para a justiça, a cidadania e os advogados nestes últimos anos, não é, em minha opinião, nem saudável nem brilhante. Porém não há nada como esperar para ver. Pode ser que a nova bastonária nos surpreenda pela positiva. Isso é o que desejo e desejo-o com veemência, a bem do Estado de Direito e dos direitos dos cidadãos, que os advogados interpretam e protegem de uma forma única.
Que balanço faz dos mandatos de Marinho e Pinto? Como comenta a sua postura, nomeadamente no que toca à relação com a imprensa?
Já fiz, de certa forma, o meu juízo. Eu tenho muito boa relação pessoal com Marinho e Pinto, compreendo e aceito o seu estilo. Tal como eu disse há dias numa entrevista, em jeito de brincadeira, existem duas coisas em que discordo dele: com o que diz e com a maneira como diz. Tirando isso, estamos de acordo em quase tudo. Percebo alguns combates que ele empreendeu, mas creio que muitas das opções com as quais ele fez grande finca-pé e com as quais fez apostas estratégicas relevantes, não foram as mais adequadas. A OA desafiou quase toda a gente para o combate e na verdade perdeu os combates quase todos, esta é que é a verdade. A OA não gosta deste Código de Processo Civil, mas ele está aí; não gosta da desjudicialização – seja a retirar coisas dos tribunais para as colocar nos meios alternativos, chamem-se Julgados de Paz, chame-se Arbitragem, seja a pegar nos inventários e colocá-los sob a égide dos notários –, mas isso tudo está aí; não quer que este sistema de apoio judiciário seja alterado e luta pelos pagamentos a tempo e horas aos advogados, aliás uma luta que eu subscrevo, mas os atrasos estão aí. A Ordem não gosta que os inventários passem bem sem os advogados, mas eles estão aí. A Ordem não gosta do Balcão Nacional de Arrendamento nem da Casa Pronta, mas tudo está aí. A OA empreendeu um combate – e essa é uma das suas imagens de marca – de acrisolamento permanente com os magistrados judiciais e do Ministério Público, o que não é benéfico nem para os cidadãos nem para os advogados. Embora, por vezes, eu tenha concordância pontual com o bastonário e o respeite institucional e pessoalmente, estou em desacordo com muitas das opções estratégicas da OA e confesso que esta parte final do mandato, em que o Conselho Geral acusa o Conselho Superior, direta e expressamente no portal, na comunicação social, onde quer que seja, de ter aplicado uma pena à Dr.ª Elina Fraga, agora eleita, só para ela não poder concorrer, é algo de enorme gravidade e que põe em causa a autorregulação da profissão e a integridade do poder disciplinar da Ordem. Estes dois mandatos de Marinho e Pinto foram, custa-me dizê-lo, “muita parra e pouca uva”.
E esta guerra constante com a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz?
Esta guerra com a ministra reforçou um pouco esse estado de espírito. Eu vivi como bastonário, com um Governo muito forte, no apogeu de José Sócrates, e tive grandes combates com ele, só que eu tinha uma estratégia um pouco diferente e gostava de fazer os combates sem grande alarde, porque os Governos gostam pouco de ser vencidos na praça pública, e para serem convencidos, têm de o ser discretamente e nunca de molde a que tenham de assumir o recuo como uma derrota. Marinho e Pinto encontrou um Governo muito mais débil que eu. Está sob gestão externa, numa espécie de MBO (Management By Out): há como que uma tia rica que determina o que nós ganhamos e gastamos, e o Governo vai executando. Mesmo enfrentando esse Governo fraco, não há dúvida de que, a avaliar pela própria narrativa da OA, esta perdeu em todas as frentes. Os diplomas que não queria foram criados; a grande reforma do Processo Civil, não gosta dela; o Código de Processo Civil entrou em vigor inopinadamente, a 1 de setembro, e a OA não o conseguiu evitar; perdeu a batalha ao nível dos arrendamentos, que resultou numa grande exclusão dos advogados dessas áreas. O confronto com o Governo, e especificamente com a ministra da Justiça, não foi fecundo para a advocacia. Esta luta, que foi imagem de marca da OA, não resultou em benefícios nem para o Direito, nem para as pessoas, nem para os advogados, nem para ninguém.
Que balanço faz da atuação da ministra da Justiça?
As coisas mudaram pouco, e do meu ponto de vista isso é negativo. Ao fim de dois anos não houve muitas reformas. O que existe é, por um lado, uma preocupação de cumprir os objetivos do Memorando de Entendimento, no que diz respeito às famigeradas pendências, o que não se conseguiu; por outro lado, o sentido de agilizar a ação executiva, a reforma Penal e Processual Penal, foram de curto alcance e nem sempre apontadas no bom sentido. A reforma do Código de Processo Civil é a reforma mãe deste Governo. Numa entrevista com estas características, é muito difícil detalhar em que é que isto consiste. Eu tenho de dizer, em abono da verdade, que há algumas coisas neste código com as quais eu concordo, nomeadamente uma certa “descomplicação” da marcha processual, uma “desformalização” dos passos a dar. Acho que esta reforma, em certa medida, aponta no bom sentido, só que traz também muitos defeitos com ela e, portanto, vem muito mutilada. E o facto de ter entrado logo em vigor, em setembro, não permitiu nenhuma adaptação, nenhuma consolidação, nenhum conhecimento dos conceitos e da nova marcha do processo. Agora, se esta é a reforma mãe deste Governo, acredito que poderia ter ido ainda mais além, acredito que não deveria ter tomado algumas opções, em matéria de Processo Civil, nomeadamente excessivas atribuições ao juiz para além da condução da audiência. Quando se atribui ao juiz quase a obrigação de esclarecer sobre o regime jurídico aplicável, acho que é ir longe demais, o juiz decide, não deve esclarecer.
Que mensagem quer deixar à classe política e aos cidadãos?
Eu acho que a solução para os problemas do país não passa pelas pessoas se afastarem da política, mas sim por se envolverem nela. As pessoas devem envolver-se na política numa perspetiva de construção de uma alternativa que terá de ser descoberta. Custa-me às vezes perceber que a contestação política é puramente negativa e destrutiva. Eu acredito na novidade e acho que não há nenhum determinismo nesta relação que temos com a Europa. Vejo com muita preocupação este constante empobrecimento das pessoas através dos impostos que aumentam, do desemprego que aumenta e da riqueza que não se cria. As alternativas serão poucas, mas este círculo vicioso não passará a virtuoso. Corta-se, para poupar, gasta-se mais porque se cortou, por isso lançam-se mais impostos, o que leva a que se corte mais, e lá vamos nós a afundar. Nem com esta carga fiscal tenebrosa, conseguimos resgatar as dificuldades.A nossa classe política é muito afeita ao diálogo de rosca moída, como é muito previsível, desinteressante, muito olhada sob suspeita e muito pouco cativante nos seus previsíveis estereótipos. Portanto, as pessoas desligam-se da atividade política. É pena.
Mas o que há a fazer para alterar este cenário?
Pois a questão é mesmo essa, porque quando questionamos as pessoas sobre o que é que fariam de diferente, também não surge nada de empolgante ou de relevante…O que nos pode fazer sair deste “círculo vicioso” é mais investimento, mais riqueza vinda de fora, mas isso não é fácil. Ainda assim há uma coisa em que, patrioticamente, as pessoas se poderiam empenhar, que seria tentar encontrar soluções para além do rotativismo político-partidário e soluções que passassem, por exemplo, pela compra de dívida pública. Era fazer uma exortação para que os portugueses investissem no seu país.
Mas isso já foi feito…
Não sei se foi feito nestes moldes, o que se faz, às vezes, são uns perdões fiscais…
A verdade é que enquanto não pagarmos a nossa dívida não temos margem de manobra…
Eu não sei se é bem assim, porque na Grécia já houve perdões da própria dívida.
Contudo, o pagamento da dívida a 40 anos ainda não foi aceite…
Eu nem sequer sei se já sugerimos esse cenário, porque parece que até temos vergonha de propor.
Não estaremos a entrar numa nova fase?
Não sei, porque por muitas asneiras que o Governo faça, não cai com facilidade, seja por razões de alinhamento político do Presidente da República, seja porque não há grande expetativa na substituição.
Existem, como nunca, condições para criar um novo partido, com gente nova. O que me preocupa é que este não consiga vir a ser um partido consistente, porque isso é importante. Conheço muitas pessoas capazes e com vontade de apresentar novas soluções e, para mim, a pessoa com mais capacidade para tal seria, sem dúvida, o general Ramalho Eanes. Percebo que o não queira fazer, atenta a sua fase de vida, mas não posso deixar de o dizer. Porém, seguramente, haverá mais gente mobilizável.
E porque não o fazem?
Porque não é fácil. Mas a verdade é que só se fazem novas políticas com novos partidos.
Como se descreve?
Acho que sou uma pessoa muito normal, muito igual aos outros, com o mesmo tipo de aspirações, receios, perspetivas e missões. O facto de ser uma pessoa conhecida publicamente, trouxe novidade à minha vida, mas à qual já estou habituado. Gosto de ser destemido, atrevido, batalhador, trabalhador, mas sou também solidário, e os amigos sabem que podem contar comigo. Mantenho as características ligadas à jovialidade da vida, como aquelas coisas de ser solidário, ser generoso, ser amigo, não ser dissimulado como a vida quer que sejamos, não fazer da vida sempre dividendo – como dizia a canção. Sou um pouco desconcertante às vezes, porque sou bastante mais descontraído do que aquilo que as pessoas julgam, sou bastante mais bem-humorado do que aquilo que as pessoas dizem ou do que o meu personagem na comunicação social transmite.
Sou muito transparente, aquilo que parece é aquilo que eu sou. Gosto de agradar, gosto de ser agradável, mas não vivo para agradar.
O que é que ainda lhe falta fazer?
Muita coisa… Falta-me desenvolver e consolidar esta sociedade de advogados agora criada, falta-me concretizar o envolvimento em algumas causas sociais, de iniciativas sociais com as quais gosto de colaborar. Gosto de participar em iniciativas de índole social, ligadas à saúde, à assistência e outras. Gostaria de consolidar uma coisa que faço há cerca de oito anos, que são as aulas de Retórica Forense na Universidade Católica. Depois há muitas coisas para fazer em termos pessoais, desde acompanhar a vida dos filhos, dos amigos, da família, e tentar ver se existe algum contributo original e interessante que se possa dar para alterar esta situação medíocre e entediada em que caímos.