RITA MARQUES

“PORTUGAL É SEMPRE RECONHECIDO COMO UM DESTINO AUTÊNTICO, QUE SE ORGULHA DOS SEUS VALORES, DAS SUAS RAÍZES, DAS SUAS TRADIÇÕES, DO SEU SABER FAZER”

Mestre em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rita Marques, a atual secretária de Estado doTurismo, Comércio e Serviços, conta também com um MBA pela University of Southern California, além de diversos programas de alta direção para executivos em Liderança, pelos Instituto de Empresa, em Madrid, London Business School e University of Texas at Austin. No seu currículo, destacam-se ainda o cargo de diretora executiva da Porto Business School para a área de MBA, bem como o de coordenadora da Unidade de Projetos da Universidade do Porto e gestora do Mercado Ásia-Pacífico e dos setores deTecnologias e de Turismo, na Agência Portuguesa para o Investimento.Ora do lugar que oTurismo de Portugal foi alcançando ao longo dos anos, Rita Marques não tem dúvidas de que o nosso país é hoje um destino “sexy e trendy”.

Depois de dois anos pandémicos, que deixaram marcas bem visíveis neste setor, a secretária de Estado pretende, agora, que Portugal consiga garantir uma “evolução positiva”, que possa cumprir com os objetivos traçados pelo setor até 2027: “Queremos atingir os 27 mil milhões de euros de receita turística”, conclui. De entre os principais problemas que o setor enfrenta atualmente, Rita Marques refere a falta de mão de obra qualificada como o principal: “nesta altura estimamos que nos possam faltar cerca de 45 a 50 mil pessoas no setor. Não temos pessoas para as oportunidades de trabalho que existem”. Quanto à marca que pretende deixar no Turismo, a secretária de Estado é perentória: “Quero também deixar o Turismo como um setor a contribuir significativamente para o crescimento socioeconómico deste país, mas sempre com muita qualidade.”

Quais são as principais características do destino Portugal? O que é que nos distingue dos outros destinos? De há uns anos a esta parte, Portugal é sempre reconhecido como um destino autêntico, que se orgulha dos seus valores, das suas raízes, das suas tradições, do seu saber fazer, mas acrescentando sempre uma sofisticação que nos coloca, hoje, como um destino sexy e trendy, de moda também. Diria que as características que nos unem são, por um lado, a autenticidade e, por outro lado, a sofisticação e a inovação.

E quais são as principais dificuldades do setor do turismo?
Depois de dois anos pandémicos, extremamente difíceis, há uma grande dificuldade das empresas, dos operadores económicos, que tem que ver com a capitalização, ou falta dela. A demonstração dos resultados, até 2019, revelou sempre uma evolução positiva. É preciso dar a nota de que o setor do Turismo cresceu, nos últimos nove anos, até 2019, uma média de 10% ao ano no que toca a receita turística. Portanto, as empresas estavam a experienciar, até 2019, um crescimento interessante, a nível dos rácios económico-financeiros, diminuindo também o seu endividamento. A pandemia alterou o paradigma, alterou esta tendência de crescimento, que se estava a verificar até esta parte. E os balanços estão hoje, naturalmente, muito fustigados, muito fragilizados. Diria que a grande necessidade das empresas passa, assim, pela disponibilização de instrumentos de capitalização.

E quais são as perspetivas para este último semestre de 2022?
São francamente positivas. Recentemente, o Banco de Portugal publicou as estimativas no que às receitas turísticas diz respeito. Contamos, todos, terminar o ano de 2022 com maiores níveis do que os verificados em 2019, que tinha sido o ano recorde até ao momento. Muito provavelmente, ultrapassaremos os 19 mil milhões de euros de receitas, o que representará um crescimento de 4,2% face às receitas verificadas em 2019.

Qual é o principal foco do governo neste momento para o setor? Quais as principais estratégias adotadas?
São aquelas que me parecem que responderão mais às necessidades do setor. Aliás, estas necessidades foram também identificadas fruto de um diálogo muito intenso que existe, naturalmente, com o setor privado. Uma delas tem que ver com a capitalização das nossas empresas. Temos feito um esforço nesse sentido. Aliás, durante a pandemia, conseguimos mobilizar para o setor cerca de 2,9 mil milhões de euros, justamente para garantir que a capacidade produtiva das nossas empresas se mantinha – pese embora a ausência de clientes durante a pandemia. Sabíamos que assim que as condições de viagem fossem aligeiradas ou eliminadas, tínhamos de estar preparados para receber a procura que havia de chegar. Houve e existe ainda essa preocupação da preservação do capital produtivo, do nosso tecido produtivo, pelo que uma das prioridades passa naturalmente pela capitalização. Há uma outra prioridade, que, neste momento, também está identificada como de grande importância, relacionada com os recursos humanos. Falta-nos talento. O setor do Turismo representava, grosso modo, 10% do capital humano empregado em Portugal antes da pandemia, e nós perdemos cerca de 80 mil trabalhadores durante a pandemia. Temos vindo paulatinamente a recuperar alguns trabalhadores, mas, nesta altura, estimamos que nos estejam a faltar cerca de 45 a 50 mil pessoas no setor. Existe em Portugal, e na Europa, aliás, um problema demográfico. Não temos pessoas para as oportunidades de trabalho que existem. E, por outro lado, as pessoas muitas vezes não estão disponíveis para trabalhar no setor do Turismo, porque entendem o setor como não especialmente apetecível para aí desenvolver uma atividade profissional. Temos de privilegiar aqueles que trabalham no setor do Turismo, garantindo que têm condições interessantes de desenvolvimento de carreira. Temos um longo caminho a fazer, seguramente.

Porque é que existe uma penalização para os hotéis que vão buscar mão de obra ao estrangeiro?
Mais do que as questões fiscais, temos, neste momento, imensas fragilidades a nível da atribuição de vistos. Ou seja, as pessoas que querem procurar emprego, em Portugal e na Europa, estão sujeitas a determinados rácios, determinadas quotas, e estão também sujeitas, naturalmente, a todos os procedimentos administrativos que são complexos e densos, no que toca aos postos consulares e ao SEF. O que é que tem sido feito para combater este segundo problema, que tem que ver com a falta de capital humano? Portugal, no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), liderou um processo que se chama Acordo Sobre a Mobilidade entre os Estados-membros. Dos nove países da CPLP, seis já ratificaram esse acordo de mobilidade. Aquilo que está a ser feito, neste momento, do lado português, é propor a alteração da lei de emigrantes, de modo a permitir que qualquer cidadão da CPLP, cujo país tenha ratificado este acordo, possa solicitar um visto de procura de trabalho. Deixa de estar sujeito a quotas, a limites, deixa de ser possível indeferir o visto, a não ser que assim seja aconselhável após a consulta nas bases de dados internacionais Schengen. Com isto garante-se, sobretudo, que temos melhores condições para, em tempo útil, providenciarmos vistos de trabalho a quem quer trabalhar em Portugal. Na altura em que é atribuído o visto, o cidadão imigrante vai receber o número de Segurança Social, o Número de Identificação Fiscal, o número de Utente e o número do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que nos permite também trabalhar a parte da capacitação. Isto porque acolher bem quem nos procura implica que os nossos recursos humanos sejam altamente qualificados, garantindo que Portugal já não é o país barato que era há uns anos atrás.

E em relação aos países que não pertencem à CPLP?
Estamos, neste momento, a trabalhar com 10 geografias distintas, incluindo Índia e Marrocos. E o objetivo é, para além da CPLP, trabalhar em acordos de mobilidade, de modo a fazer exatamente o mesmo exercício.

Atualmente, qual é o impacto em termos de desemprego no setor do Turismo?
Precisamos, neste momento, de 45 a 50 mil profissionais em Portugal. Como é sabido, em termos médios, temos uma taxa de desemprego na ordem dos 6%. Aquilo que se está a verificar é que estas pessoas que se encontram desempregadas, e classificadas enquanto tal no Instituto de Emprego e Formação Profissional, não estão a conseguir cumprir com os requisitos que os operadores económicos, na área do Turismo pedem. Faltam-nos pessoas para ocupar estes postos de trabalho.

O que tem a dizer sobre os estágios não remunerados?
São situações a evitar. Acho que temos de trabalhar a três níveis. Primeiro, capacitando os empresários a serem melhores empresários. Nesta altura, o que acontece no setor do Turismo é que se está a pagar, em média, mais 10% do que se pagava em 2019. Mas também é verdade que, às vezes, o salário não é tudo, as condições de trabalho são também muito importantes. Por outro lado, temos também de fazer um esforço de capacitação, para garantir que as pessoas têm condições condignas. Finalmente, temos de garantir que as pessoas desempregadas estão, efetivamente, à procura de emprego.

Temos que trabalhar nestas três dimensões e cada um tem que assumir as suas responsabilidades. temos noção de Que a hotelaria recorre bastante às empresas de trabalho temporário…
A ideia é limitar o número de recursos humanos afetos a uma determinada empresa que tenha um vínculo de trabalho dessa natureza. Estamos a trabalhar para prever na legislação a identificação do número máximo de trabalhadores de uma empresa que podem ter um vínculo temporário.

Como define os principais objetivos da estratégia turismo 2027 ?
Temos como objetivo diminuir a sazonalidade no turismo, crescer em valor – produtos de valor acrescentado – e possibilitar a coesão territorial, garantindo que o Turismo já não é uma atividade litoral. Queremos atingir os 27 mil milhões euros de receita turística.

Qual é a opinião das regiões de turismo e dos operadores sobre o presente e o futuro do setor ?
O governo do Turismo é altamente descentralizado e isso é importante. Temos o Turismo de Portugal, que estabelece a política, ou os instrumentos-chapéu, de natureza nacional, e depois temos as entidades regionais do Turismo, que trabalham com o Turismo Portugal, e que recebem financiamento para, por exemplo, trabalharem mais ou menos um determinado produto turístico, em função da especificidade da região. Trabalhamos numa lógica descentralizada e sempre em equipa.

Tendo em conta as infraestruturas existentes em Portugal, temos capacidade para continuar a receber um número tão elevado de turistas, como acontecia anteriormente?

Em 2019, recebemos, nos nossos aeroportos, cerca de 60 milhões de passageiros. Destes, 50% ficam no aeroporto da Portela e os outros são distribuídos pelos restantes aeroportos nacionais. O aeroporto da Portela, em Lisboa, está saturado há já alguns anos, o setor do Turismo, na sua totalidade, tem reclamado um novo aeroporto. Mas temos plena consciência de que, enquanto não tivermos um novo aeroporto, temos que trabalhar com os outros já existentes, e é isso que temos feito. Temos um programa específico, liderado pelo Turismo de Portugal, que se chama Programa VIP, que é um instrumento financeiro que permite retomar a conectividade aérea, em particular a que foi perdida devido à pandemia. Resultados desse programa? Conseguimos a EasyJet, em Faro, com uma base instalada recentemente, com três aeronaves já parqueadas. A Ryanair anunciou, recentemente, a entrada na Região Autónoma da Madeira, no Aeroporto Cristiano Ronaldo, com oito novas rotas.

A opção apresentada pelo ministro, relativamente ao novo aeroporto, era bem-vinda?
A decisão do novo aeroporto é bem-vinda. O que temos dito em voz alta é o seguinte: para continuarmos a crescer e a cumprir o objetivo que definimos, de chegar aos 27 mil milhões de euros de receita turística até 2027, precisamos, naturalmente, de boas infraestruturas aeroportuárias e do novo aeroporto.

O que dizer dos equipamentos devolutos existentes por todo o país?
Com o Programa Revive pretendemos revitalizar antigos mosteiros, conventos, fortalezas, castelos, que estão na dependência do Estado e que têm potencial turístico. O objetivo é lançar procedimentos de contratação via concessões, de modo a encontrarmos um operador económico comprometido em desenvolver investimento, criar postos de trabalho e abrir esse equipamento para a comunidade.

Que marca Quer deixar no setor?

Infelizmente, já temos todos uma marca que é uma cicatriz chamada “pandemia”, e essa já ninguém nos tira. Quero também deixar o Turismo como um setor a contribuir significativamente para o crescimento socioeconómico deste país, mas sempre com muita qualidade. Apostando fortemente em serviços de valor acrescentado. Temos de trabalhar muito no setor do Turismo, para que seja cada vez mais responsável, mais inclusivo, mais equilibrado, para deixarmos também um bom planeta para amanhã.

 

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