PIRES DE LIMA

“A INTERVENÇÃO EXTERNA REDUZ-NOS MUITA MARGEM DE MANOBRA, ATÉ PORQUE ESTAMOS LIMITADOS NA NOSSA SOBERANIA

 

Empresário habituado a gerir grandes empresas, Pires de Lima, o atual ministro da Economia, não tem dúvidas de que “governar é diferente de gerir uma empresa”. Orgulhoso por ter entrado para o Governo “num momento tão delicado e exigente”, Pires de Lima não está disponível para continuar caso a coligação vença as próximas eleições legislativas: “a minha missão tem um princípio, um meio e um fim: o princípio foi a crise de Julho, o meio é a saída do resgate a 17 de maio, o fim será nas próximas legislativas”, afirmou. Com a economia portuguesa a crescer – e a dar provas disso – e o desemprego a descer, o ministro reconhece que o ambiente de confiança “melhorou” e, tal como refere, estamos a assistir a uma “nova vaga de empreendedorismo”. Quanto ao fim do programa de assistência, marcado para maio, Pires de Lima refere que o Governo optará pela saída que “melhor sirva o interesse nacional”. Depois de termos cumprido e honrado os nossos compromissos com a troika, podemos agora, na opinião do ministro, “resgatar a nossa soberania de forma plena”.

 

Afirmou, recentemente, que na crise política de julho do ano passado nunca esteve em causa a presença do CDS no Governo. Afinal o que é que esteve realmente em causa?

Disse e mantenho. Paulo Portas teve oportunidade, no congresso, de explicar, do ponto de vista pessoal, aquilo que entendia merecer explicação. As árvores veem-se pelos seus frutos.

 

Considera prejudicial para o CDS passar uma ideia de total dependência do seu líder? O CDS é Paulo Portas? A que se deve essa dependência?

Se excetuarmos a liderança de Ribeiro e Castro, Paulo Portas está à frente do partido há 16 anos. O CDS depende de Paulo Portas, hoje, como no passado o PS dependeu de Mário Soares, o PCP, de Álvaro Cunhal, e o PSD, de Cavaco Silva. O CDS tem-se afirmado como um partido de quadros, que congrega pessoas muito talentosas e dedicadas  à causa pública. Quando Portas mudar de vida, o CDS obviamente continuará. Com os normais custos de qualquer transição de liderança marcante.

 

Deve haver coligação para as próximas legislativas? Caso a coligação vença, Portas poderá abandonar a liderança do CDS?

É possível uma coligação, mas só daqui a mais de um ano poderemos responder com maior exatidão. Faltam 20 meses para as legislativas, uma eternidade em política… E entretanto temos as europeias.

 

Estaria disponível para continuar no Governo após as legislativas de 2015 se os portugueses sufragassem de novo a favor desta maioria?

A minha missão tem um princípio, um meio e um fim: o princípio foi a crise de julho, o meio é a saída do resgate a 17 de maio, o fim será nas próximas legislativas, disputadas já num ambiente de crescimento económico. Foi esse o compromisso que assumi. Tenho grande orgulho de ter entrado para o Governo num momento tão delicado e exigente e de poder servir Portugal numa coligação liderada por Passos Coelho e Paulo Portas.

 

É um gestor. Como governante, vê-se limitado pelo peso da máquina do Estado? Gostaria de não ser tão condicionado?

Governar é diferente de gerir uma empresa. Quem pensa que é a mesma coisa, equivoca-se. É certo que a experiência da gestão pode acrescentar valor ao exercício, sempre complexo, da governação, mas governar é muito mais do que gerir. No Estado, o que procuramos é a salvaguarda do bem comum. A experiência da gestão tem-me sido útil para definir prioridades, estabelecer de forma clara os objetivos a atingir e as metas a alcançar, para determinar métricas de aferição de resultados, e também para motivar equipas e saber aproveitar o melhor de cada um. Devo dizer, a pro pósito, que tenho encontrado na função pública pessoas com altíssima qualidade e preparação, motivadas e dedicadas e com enorme espírito de serviço.

 

Por outro lado, os compromissos que assumimos com a troika limitam também as suas decisões/ações…

A intervenção externa reduz-nos muita margem de manobra, até porque estamos limitados na nossa soberania, designadamente ao nível financeiro. Mas por outro lado, o Programa de Assistência Económica e Financeira traça objetivos concretos e, nesse sentido, há que trabalhar para atingi-los. Só honrando os nossos compromissos e aquilo que foi acordado com a troika é que podemos aspirar a resgatar a nossa soberania de forma plena.

 

Que balanço faz destes meses de governação?

O resgate vai terminar em maio, a economia está a crescer e o desemprego a descer, mas falta fazer chegar à vida das pessoas, de forma mais sensível, os sinais desta retoma. Quando terminar a minha função farei um balanço pessoal face aos resultados atingidos. Mas, a avaliação política que interessa há de ser feita por quem confiou em mim.

 

Tem referido que este é o tempo do investimento. Acredita que 2014 vai efetivamente marcar uma viragem em termos económicos?

Acredito. Mantenho, contudo, o que tenho vindo a repetir ao longo dos últimos meses, que devemos olhar para os sinais de recuperação, que são consistentes, com alguma cautela, porque ainda temos um longo caminho de recuperação pela frente. O ambiente de confiança melhorou muito nestes últimos meses e estamos a assistir a uma nova vaga de empreendedorismo. Só nos últimos dois meses foram criadas 5 mil novas empresas em Portugal e o rácio de empresas constituídas face às dissolvidas é de mais de dois para um. Estes números indiciam que algo já mudou na nossa economia. Espero que esta dinâmica empreendedora tenha vindo para ficar. Temos a geração de portugueses mais qualificada e preparada de sempre, com vontade de criar os seus próprios negócios. As verbas do próximo quadro comunitário de apoio têm que estar adaptadas a esta nova realidade e devem servir, sobretudo, para realizar todo o potencial do nosso capital humano.

 

Sente que os investidores, designadamente internacionais, partilham desse otimismo? Os roadshows de investimento que já fez têm tido algum retorno?

Portugal tem dois défices de imagem que é preciso contrariar. Em primeiro lugar, tem um défice de visibilidade: à medida que nos afastamos dos mercados europeus, verificamos que Portugal é ainda um mercado pouco conhecido. Em segundo lugar, temos um défice reputacional, originado pelo resgate externo. Há um trabalho intenso que está a  ser feito – e a nossa diplomacia, e aqui incluo a AICEP e o Turismo de Portugal, merece reconhecimento pelo trabalho em prol da promoção de Portugal – no sentido de melhorar a perceção sobre o nosso país. O sucesso do processo de privatizações até ao momento tem ajudado a atrair o olhar dos investidores para Portugal, e os próprios mercados – veja-se o resultado muito positivo das últimas emissões – estão também a dar provas de confiança na nossa economia. Dos encontros que tive em Londres, Moscovo, Nova Iorque, Berlim, resultaram excelentes contactos com empresas e fundos de investimento que, estou certo, irão dar alguns frutos no futuro. Já estão a dar, aliás. Uma coisa é certa, contudo, existe um crescente interesse por Portugal, indicador do upside que os investidores associam ao nosso país.

 

Na sua opinião, qual é o principal constrangimento ao crescimento das empresas e da economia portuguesa?

Para além da recuperação do investimento privado é relevante melhorar o acesso e o custo do financiamento, nomeadamente às pequenas e médias empresas que sejam projetos viáveis. Isso passa por monitorizar e criar novos instrumentos de crédito para as PME, mas também por criar mecanismos que permitam uma melhor capitalização do tecido empresarial português. Só empresas bem capitalizadas estão em condições de competir adequadamente e assegurar o desafio do crescimento económico. Espero que o novo banco de fomento tenha um papel relevante na agenda da capitalização das PME.

 

Recentemente classificou a reforma do IRC como sendo “mais amiga das empresas e do investimento”. Acredita que esta reforma pode efetivamente contribuir para captar mais investimento estrangeiro para o nosso país?

A reforma do IRC foi feita com o apoio do Partido Socialista e este aspeto é da maior importância porque significa que ela tem todas as condições para oferecer perspetivas de previsibilidade e estabilidade aos investidores. Para além disso, materializa uma verdadeira simplificação de procedimentos, especialmente para as pequenas empresas, com volume de negócios não superior a  200 mil euros e total de balanço não superior a 500 mil euros. Portanto, potencialmente, esta reforma pode abranger mais de 300 mil empresas, o que corresponde sensivelmente a 70% do tecido empresarial nacional. Acresce ainda que esta reforma é também favorável à internacionalização das empresas ao prever um novo regime de participation exemption. É um sinal claro de que estamos a dar prioridade à atração de investimento nacional e estrangeiro, evitando a dupla tributação dos ganhos de capital que levaram muitas empresas, infelizmente, a transferir as suas sedes financeiras para outros países europeus. Em suma, estou convicto de que esta reforma vai melhorar a atratividade do país para acolher investimento estrangeiro.

 

Mas concorda que estamos ainda longe de ter uma taxa verdadeiramente competitiva…

A questão da taxa é relevante, mas temos que fazer uma baixa progressiva, conciliando o potencial de atração de investimento com as necessidades de consolidação financeira. No final do ano passado, a nossa carga fiscal sobre as empresas situava-se seis a treze pontos acima dos nossos parceiros, em função do perímetro considerado. De forma muito clara: o objetivo com a redução gradual das taxas é situar Portugal, a prazo, numa posição de competitividade fiscal, ou seja, no primeiro quartil europeu. Uma taxa IRC de 17% em 2018 é o objetivo. Com base em todos os estudos realizados sobre o impacto do IRC na economia, é expetável  que esta reforma do IRC possa contribuir, determinantemente, para aumentar a captação de IDE em cerca de 40%, contribuindo também para um aumento do potencial de crescimento de mais 1% do PIB, a prazo.

 

Referiu há pouco que Portugal vai honrar os seus compromissos internacionais. E muito se tem falado na saída da troika de Portugal, com dia e hora marcada. Como é que isso acontecerá? Com recurso a um programa cautelar, ou antecipa que podemos ter uma saída limpa? Esta é uma dúvida que está ainda por esclarecer…

No dia 17 de maio sairemos formalmente do Programa de Assistência Financeira e iremos recuperar uma fatia importante da nossa soberania. O Governo, de forma responsável e ponderada, optará pela saída que melhor sirva o interesse nacional. A escolha está ainda em aberto, sendo que estamos confrontados com duas boas opções, e não existem, ainda, conversações formais com os nossos parceiros da troika sobre qual o modelo mais adequado.

 

As exportações têm dado um contributo importante para a retoma económica. É expetável  que continuem a ser o principal motor da nossa economia?

É inegável que as empresas portuguesas estão, hoje, mais competitivas e a internacionalização destas tem resultado em ganhos muito importantes para a nossa economia. Permita-me que destaque alguns números que revelam isso mesmo: nos últimos três anos as nossas exportações passaram de um peso inferior a 30% no PIB para cerca de 42%, mais de 12 pontos percentuais. É um feito extraordinário das nossas empresas. As exportações são, neste sentido, um motor essencial do nosso crescimento económico, e enquanto este motor estiver a puxar pela nossa economia – o que acredito que seja uma realidade nos próximos anos –, é muito daí que virá o principal contributo para o crescimento da mesma. Convido-o, aliás, e a quem nos estiver a ler, a analisar a “Estratégia para o Fomento Industrial, a Competitividade e o Emprego”, onde constam inúmeras medidas, em diversas áreas, que o Governo considera prioritárias no âmbito da retoma económica. Nesse documento, prevemos que o peso das exportações ultrapasse 52% do PIB     em 2020.

 

Quais são as suas expetativas para 2014 no que concerne ao crescimento económico de Portugal?

Estou confiante quanto à retoma económica este ano no nosso país, podemos até vir a crescer mais do que o previsto no Orçamento do Estado de 2014. A maioria dos indicadores mostra que os agentes económicos estão a ganhar cada vez mais confiança e que os sinais positivos da economia deixam adivinhar uma trajetória de crescimento. Mas atenção, a nossa prioridade deve passar por garantir que esta retoma assente em novas premissas que promovam um crescimento sólido, duradouro e que assegure a competitividade da nossa economia, num contexto cada vez mais concorrencial e competitivo. Não queremos, com certeza, reviver a experiência de termos um crescimento alicerçado numa lógica de endividamento excessivo, com pouco valor acrescentado e fraca componente tecnológica.

 

Quais são os principais sinais da retoma da nossa economia? Quais considera mais relevantes?

Não é possível acreditar na retoma económica sem o reforço da confiança dos agentes e dos mercados. Nos últimos meses temos vindo a assistir à recuperação de todos os índices de confiança, tanto dos empresários, dos investidores, como dos consumidores e dos próprios mercados na nossa economia. A confiança é fundamental para a atração de investimento, tanto nacional como estrangeiro.

 

A diminuição da taxa de desemprego é, sem dúvida, um sinal positivo…

É um sinal positivo, mas estamos ainda longe de uma taxa de desemprego que seja socialmente aceitável. O desemprego é porventura o maior flagelo social do nosso país. Quem cria emprego são as empresas. Por isso, é fundamental que a transformação da nossa economia tenha como prioridade a atração de investimento, sobretudo estrangeiro, que gere emprego qualificado e que aproveite o potencial humano de que dispomos. A ciência vai muito para além da atividade empresarial, mas como ministro da Economia, é minha função  criar as condições para que haja um reforço efetivo da academia e dos centros de investigação e desenvolvimento com o mundo empresarial, para que seja possível converter os resultados da investigação em inovação e criação de riqueza. Só desta forma conseguiremos uma posição diferenciadora para os nossos produtos e para os nossos serviços.

 

Que balanço faz da recente entrada de Portugal nos mercados? O que revelam os resultados obtidos?

Até agora, todas as operações de emissão de dívida têm sido bem-sucedidas. A procura da dívida portuguesa tem superado, sempre, a oferta, e os juros têm vindo, paulatinamente, a registar uma tendência de queda, o que é revelador da confiança que os investidores estão a (re)ganhar quanto à capacidade do Estado português cumprir as suas obrigações financeiras.

 

Afirmou que os funcionários  públicos serão, provavelmente, chamados a fazer “mais sacrifícios adicionais em 2014”. Pode explicar-nos a que se refere?

Esses sacrifícios são conhecidos porque constam no Orçamento do Estado que está já em vigor. Os funcionários públicos com salários superiores a 675 euros viram reduzidos os seus salários em janeiro. O Governo tem plena consciência do esforço que está a pedir aos funcionários do Estado no contexto do processo de ajustamento. Todavia, temos de ser realistas. Portugal assumiu compromissos muito sérios quando assinou o Memorando de Entendimento com as instituições internacionais e ficou obrigado a fazer um ajustamento na despesa pública. Este processo implica que consigamos ajustar a administração pública às reais necessidades do país, modernizá-la e redimensioná-la de forma a podermos continuar a ter uma função pública de excelência, financeiramente sustentável a médio e longo prazo. A lógica do endividamento irresponsável acabou.

 

Para quando podemos esperar uma redução de impostos?

É um facto que temos uma carga fiscal excessiva, mas não podemos nunca perder de vista que ela resulta da necessidade de corrigir desequilíbrios orçamentais gravíssimos, resultantes de anos sucessivos de imprudência. A decisão do TC em 2012 obrigou a um enorme aumento de impostos sobre o trabalho. Acredito que o caminho de retoma da nossa economia poderá mudar esta situação e estender aos rendimentos sobre o trabalho a política de redução fiscal que conseguimos, já este ano, aplicar às empresas. Na minha opinião, seria desejável que em 2015 se iniciasse a redução do IRS.

 

Se baixarem os impostos apenas em 2015, não concorda que o Governo poderá ser acusado de uma caça ao voto?

O tempo do populismo e da irresponsabilidade financeira acabou. Uma eventual descida de impostos terá como racionais únicos a melhoria do desempenho da nossa economia, por um lado, e a melhoria evidente da racionalização da despesa pública. Creio que a gravidade do período que atravessámos não é compaginável com medidas de pendor eleitoralista. O que nos move é a sustentabilidade económica e financeira do Estado, deixando a quem nos suceder um Estado melhor do que aquele que herdámos.

 

E quanto ao IRS? Para quando são esperadas alterações?

Como sabe, à semelhança do que aconteceu para o IRC, vai ser criada uma comissão para a reforma do IRS, com o objetivo de estudar a redução progressiva deste imposto. A experiência diz-nos que é muito mais rápido aumentar impostos do que reduzi-los. Perante os constrangimentos que continuaremos a ter ao longo dos próximos anos, é fundamental que a redução do IRS, que terá de ser sempre lenta e gradual, se faça de uma forma justa e equilibrada, atendendo às circunstâncias quer da nossa economia, quer dos nossos cofres públicos.

 

Para quando um aumento do salário mínimo?

Para os bons empresários as pessoas não são um custo, têm antes um valor que é tanto maior quanto melhor forem a liderança e a motivação num projeto empresarial de sucesso. As empresas que estão a crescer, que obtêm bons resultados e que estão em condições de remunerar os seus colaboradores não devem ficar à espera que o Governo decrete o aumento do salário mínimo. De qualquer forma, acredito que essa é uma discussão que teremos que ter durante os próximos meses, com maior intensidade e rigor depois da saída da troika, porque é difícil perceber que depois de três anos de tantos sacrifícios exigidos aos portugueses, e com algum aumento da confiança no crescimento económico, não estejamos em condições de atualizar o salário mínimo nacional.