PEDRO SIZA VIEIRA

“As nossas empresas estão a crescer nos mercados externos, estão a ganhar quota de mercado e a fazer esforços de investimento para aumentar a sua capacidade produtiva”

Advogado durante quase 30 anos, Pedro Siza Vieira é, atualmente, o ministro Adjunto de António Costa e tem como principal missão “apoiar os diversos membros do Governo na execução de programas, que são interministeriais e que correspondem à execução do Programa de Governo”. Transportes, banca, parcerias público-privadas e mercados de capitais são algumas das áreas que estão no currículo de Pedro Siza Vieira, o ministro que integrou o Governo num momento que reconheceu ter sido extremamente difícil. “Tomei posse como membro do Governo no dia 21 de outubro de 2017, uma semana depois dos grandes incêndios de 15 para 16 de outubro, que tiveram um impacto absolutamente devastador em grande parte do território de Portugal continental e que atingiram cerca de 40 municípios”, recordou pedro Siza Vieira em entrevista à FRONTLINE. Contudo, na opinião do ministro, Portugal tem hoje “um Governo motivado, capaz de assegurar que o país se encontra melhor preparado para novas circunstâncias que possam voltar a ocorrer”. Admitindo que as funções que desempenha são “muito estimulantes, do ponto de vista pessoal e político, mas são também funções de grande responsabilidade”, o ministro Adjunto reconhece ser “muito honroso” integrar o Governo.

 

Quem é Pedro Siza Vieira?

Tenho 53 anos, sou casado, pai de três filhos, vivi fora de Portugal e durante quase 30 anos fui advogado. Isso também me definiu bastante na forma como vivi, trabalhei e como encarei a relação com os outros.

 

O que o fez deixar a advocacia para segundo plano e integrar o Governo?

As funções que exerço são muito estimulantes, do ponto de vista pessoal e político, mas são também funções de grande responsabilidade. Pode parecer antiquando usar estas expressões, mas, na minha opinião, é muito honroso integrar o Governo do meu país e, portanto, quando me foi dada a oportunidade e quando me foi feito o convite, achei que tinha condições para o aceitar. Fui muito motivado pela tarefa e pelas circunstâncias em que iria exercer as funções, o que me levou a aceitar, mais do que pensar no que ficava para trás.

 

Como identifica a sua principal missão como ministro Adjunto de António Costa?

A principal função do ministro Adjunto é apoiar os diversos membros do Governo na execução de programas, que são interministeriais e que correspondem à execução do Programa de Governo. Cada ministro tem a sua tutela setorial, mas existe um conjunto de ações, medidas, programas, projetos, que envolvem a articulação entre mais do que um ministério e, nesse sentido, a orgânica do Governo prevê que o lugar de ministro Adjunto apoie o primeiro-ministro na coordenação desses programas interministeriais. Um exemplo é a execução do Programa Nacional de Coesão Territorial, que foi aprovado pelo Governo, logo em 2016. A coesão territorial, o desenvolvimento equilibrado do país e do território e o desenvolvimento do interior são uma prioridade do Governo e todos estes fatores levaram ao desenvolvimento deste programa. A sua execução cabe a praticamente todos os ministérios e estes devem assegurar que a sua execução é consistente, devem monitorizar a sua concretização, bem como avaliar a necessidade e conveniência da sua execução. Outro exemplo é o Programa Capitalizar, que envolve, essencialmente, os ministérios das Finanças, da Economia, da Justiça, com vista a apoiar os esforços de capitalização das empresas e o apoio à melhoria das condições de investimento empresarial.

 

Quais são as principais dificuldades da pasta que tutela?

São essencialmente aquelas que decorrem do facto de a minha tarefa ser de coordenação. Os recursos nem sempre são equivalentes, é preciso assegurar a compatibilização de tempos de resposta e de medidas diferentes, mas ao fim de cinco meses não posso afirmar que existam dificuldades.

 

Referiu, aquando da sua chegada ao Governo: “Temos um país devastado, o Estado falhou e temos um Governo fragilizado.” Na sua opinião, que Governo e que país temos hoje?

Tomei posse como membro do Governo no dia 21 de outubro de 2017, uma semana depois dos grandes incêndios de 15 para 16 de outubro, que tiveram um impacto absolutamente devastador em grande parte do território de Portugal continental e que atingiram cerca de 40 municípios. A investigação levada a cabo concluiu que os fenómenos meteorológicos que estão na origem da escala do incêndio e das condições que levaram à sua propagação tão rápida são absolutamente inéditas, em termos europeus, e nunca vistas em termos da velocidade de propagação e da rapidez com que o fogo se tornou incontrolável. O país estava traumatizado naquela semana que se seguiu aos incêndios, a capacidade de acorrer às circunstâncias estava dificultada. Hoje, encontro um Governo motivado, capaz de assegurar que o país se encontra melhor preparado para novas circunstâncias que possam voltar a ocorrer. Temos que ter a consciência da ameaça que impende sobre Portugal, consequência, por um lado, do tipo de ordenamento do território que temos, mas também pelas alterações climatéricas que estamos a experimentar. Temos cada vez mais épocas de muito calor, que se estendem por muito mais tempo, ondas de calor muito intensas, e, por outro lado, uma situação de seca que perdura já há quatro anos, o que significa que as condições para a conflagração de incêndios muito violentos estão reunidas. Vim agora do Chile, onde, no ano passado, arderam 480 mil hectares de floresta. O Chile, na sua zona central, tem um clima muito parecido com o de Portugal. Na Califórnia, no mesmo ano, morreram quase 200 pessoas, consequência de incêndios florestais de grande dimensão. A mesma coisa aconteceu na Austrália, ou na África do Sul, na província do Cabo. Tudo zonas com o clima de natureza mediterrânica, com o tipo de ocupação florestal que nós temos e onde as alterações climatéricas estão a criar condições para incêndios violentos e nunca vistos. Condições que contribuem também para a ocorrência de épocas de incêndios mais largas, testando e pondo em causa a capacidade dos sistemas de resposta pública para estas calamidades. Todos nós temos a noção, nos seis meses que nos separam deste flagelo, de que o país precisa de fazer um grande esforço no sentido da prevenção do fogo florestal, daí a campanha muito grande que estamos a fazer para a limpeza dos matos, sobretudo à volta dos aglomerados urbanos e das construções isoladas, porque sabemos também que quando ocorrer uma catástrofe, se não fizermos este trabalho preparatório, vai ser muito mais difícil proteger pessoas e bens. Vejo, portanto, um Governo altamente motivado para assegurar que as estruturas do Estado estejam muito mais bem preparadas agora do que alguma vez estiveram. Existe um investimento absolutamente inédito na prevenção de fogos e uma capacitação das estruturas de resposta aos incêndios mais eficaz do que aconteceu no passado. Espero que o país também esteja, hoje em dia, mais consciente da situação de risco em que se encontra e que esta consciência coletiva desencadeie respostas mais responsáveis na mitigação e prevenção dessa situação de risco.

 

Temos alguma coisa a aprender com as matas das empresas de celulose?

Este ano a violência do fogo foi tal, que mesmo a floresta bem gerida acabou por arder. A Portucel, que faz uma gestão ativa do seu espaço florestal, ainda assim viu uma parte muito considerável da sua floresta arder, dada a violência do fogo e das condições climatéricas adversas. Mas é verdade que uma floresta ativamente gerida é uma floresta que é mais resistente às condições de fogo, e é isso que todos temos que tentar fazer. Estas empresas (celulose e cortiça), extraindo valor económico da floresta, conseguem fazer uma gestão ativa da floresta que exploram. O que nos falta noutro tipo de ocupação florestal é, precisamente, uma valorização económica dos espaços florestais que permita aos proprietários ter um interesse económico maior em assegurar uma boa manutenção desses espaços. Percebemos a dificuldade que é encontrar rentabilização para propriedades florestais, e enquanto a situação for esta, vai ser muito difícil encontrarmos uma gestão ativa e uma proteção eficaz para os nossos territórios. Temos de encontrar uma forma de dar valor económico à ocupação florestal, para passarmos a ter uma floresta mais diversificada, uma ocupação dos territórios florestais com manchas descontínuas, dedicadas à pastorícia, por exemplo, que permitam tornar o nosso território mais resistente às novas condições climatéricas.

 

A biomassa…

O Governo tem em curso o licenciamento de cinco novas centrais de biomassa no centro do país, de exploração municipal, que se juntam às duas que já existem e que são uma das formas de aproveitamento do material da floresta e, portanto, de gestão de combustível. Mas outras opções existem, que, seguramente, teremos que acautelar.

 

Que PSD lhe parece que vamos ter com Rui Rio?

Cabe a ele e ao PSD definir o tipo de oposição que querem fazer. Rui Rio é uma pessoa combativa, de convicções fortes, que já manifestou a intenção de ser uma oposição firme e o desejo de não se pôr de parte daquilo que considerou serem reformas importantes para o país. O Governo também já definiu que existem matérias que ultrapassam o horizonte de uma legislatura ou que têm que ver com a própria organização do Estado, como é o caso da descentralização. O Governo tinha colocado à discussão pública a descentralização ou o próximo quadro comunitário de apoio e regista com agrado a disponibilidade do maior partido da oposição para se envolver nesses debates.

 

Na sua opinião, como é que o Governo vai gerir a convivência com os parceiros de esquerda e a nova disponibilidade do PSD?

Este Governo é um Governo do Partido Socialista – não é um Governo de coligação –, que tem estado a executar o seu programa e que tem encontrado na execução do seu programa o apoio de alguns partidos com assento parlamentar, parceiros que vão votando as medidas do Governo e que, em alguns momentos, foram discordando de medidas do Governo; outras vezes, propuseram medidas que o Governo não acolheu; e outras, aprovaram e negociaram outras medidas com muita combatividade mas também espírito construtivo.

 

Acha que é possível que possam existir acordos entre PS e PSD sem a assinatura do PCP e BE?

Isso é a dinâmica da discussão política e do jogo parlamentar. O Governo faz propostas, discute-as no Parlamento e os partidos votam segundo aquilo que constitui a sua vontade. Não é um cenário que deva preocupar muito as pessoas.

 

Rui Rio, ainda como candidato à liderança do PSD, falou sobre a possibilidade de as pensões, no futuro, serem atualizadas face ao desempenho da economia. Qual a sua posição?

Vou aguardar pelas propostas concretas que o PSD irá fazer em matéria de Segurança Social e que Rui Rio quereria construir com conta, peso e medida. Não irei comentar propostas que o então candidato Rui Rio fez.

 

O Estado deve ir para tribunal contra o SIRESP por causa da responsabilidade do que aconteceu em Pedrógão?

A principal preocupação que estamos a ter é a de assegurar que a nossa capacidade de resposta a situações de crise, incêndios ou outras catástrofes dentro do âmbito da proteção civil é a melhor possível, nomeadamente ao nível dos sistemas de comunicação. O Estado conseguiu chegar a um entendimento com a operadora do SIRESP, no sentido de esta reforçar a capacidade de resposta do sistema e aumentar a resiliência da rede. Importa assegurar que temos um sistema que responde, o melhor possível, às crises que possamos enfrentar.

 

Qual o ponto de situação com a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), e como se prevê que irá funcionar este próximo verão?

A agência vai ser um agente de transformação do nosso sistema de prevenção e de combate ao fogo florestal. O Governo acolheu, na íntegra, o relatório da comissão técnica independente que o Parlamento aprovou, na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande. Essa comissão era composta por 12 peritos, independentes: seis designados pelo Parlamento, seis designados pelo Conselho de Reitores, que aprovou, por unanimidade, um relatório que identificou as circunstâncias daquele incidente e que fez um conjunto de recomendações sobre qual deveria ser o nosso modelo de prevenção e combate aos fogos florestais. O Parlamento aprovou esse relatório por unanimidade e o Governo decidiu também acolher e concretizar todas as recomendações do mesmo. O relatório identificou a necessidade de, por um lado, assegurarmos uma maior conjugação entre prevenção dos incêndios florestais e combate aos mesmos – o nosso sistema estava muito focado no combate e esquecia a vertente da prevenção. É preciso reforçar a prevenção. Recomendou que houvesse maior especialização entre combate ao fogo florestal e proteção de pessoas e bens, porque são medidas completamente diferentes. Depois recomenda profissionalização, capacitação e trazer conhecimento.  Para assegurar que o nosso sistema evolui gradualmente e de forma sustentada para um novo modelo com estas características, a comissão técnica independente recomendou a instalação de uma agência, que foi criada pelo Governo, e que está neste momento em fase de instalação. Provavelmente estará completamente operacional até ao final do ano, e o seu papel será apoiar a transição para este novo modelo e auxiliar tecnicamente os agentes no terreno.

 

Participou na criação do Programa Capitalizar, destinado às empresas portuguesas. Que balanço faz das medidas implementadas até esta data?

Faço um balanço muito positivo. Este programa visava, essencialmente, combater três problemas: o baixo nível de autonomia financeira das empresas portuguesas, por comparação com as suas congéneres europeias; o elevado número de empresas muito endividadas, que tínhamos entre nós; e a elevada dependência do financiamento bancário. As propostas apresentadas pretendiam criar condições e mudar o contexto em que as empresas tomam decisões de financiamento. Criámos, pois, incentivos fiscais muito fortes para o investimento e reforço dos capitais próprios das empresas. Propusemos medidas legislativas e fiscais para ajudar na recuperação de empresas em dificuldades e apoiámos também um conjunto de propostas no sentido de diversificar as fontes de financiamento por parte das empresas: seja com linhas públicas que supram aquilo que o mercado neste momento não está a dar, particularmente às PME, seja no sentido da dinamização do mercado de capitais. Constato que, neste ano, por exemplo, já houve um aumento significativo da autonomia financeira média das empresas portuguesas, que estava nos 20% e já ultrapassa os 40%.

 

Na sua opinião, qual é o estado do setor empresarial em Portugal? Temos um setor confiante e positivo ou, pelo contrário, retraído e amedrontado?

Os indicadores de confiança dos investidores e das empresas estão em máximos de sempre. Um bom sinal disso é ver que os níveis de investimento privado estão também muito altos, as empresas investem quando têm confiança nas perspetivas de negócios futuros. Estão confiantes não apenas na recuperação do mercado interno, estão muito empenhadas no crescimento das exportações – nós conseguimos, no ano passado, provavelmente ter as exportações acima de 43% do PIB, o que é verdadeiramente inédito. As nossas empresas estão a crescer nos mercados externos, estão a ganhar quota de mercado e a fazer esforços de investimento para aumentar a sua capacidade produtiva. Isto significa que as empresas estão com perspetivas positivas e estão, claramente, confiantes.

 

Serão necessários mais incentivos para as empresas nacionais?

Não podemos estar satisfeitos com o estado em que nos encontramos, o Governo definiu metas ambiciosas, por exemplo o Programa Internacionalizar definiu como objetivo passar para 50% o peso das exportações no PIB. O que tenho dito é que devemos aproveitar este contexto excecional da nossa economia para tentarmos consolidar ganhos. Devemos criar mais e melhor emprego para os portugueses. Tudo isto passa por apoiar o investimento privado, por reforçar a qualificação dos nossos recursos humanos, seja no ensino seja na qualificação de ativos, e passa, sobretudo, pela inovação: assegurar que o conhecimento passado nas universidades e nos politécnicos chega às empresas e que as faz subir na cadeia de valor internacional.

 

Falando de coesão territorial, admitiu que poderiam existir incentivos fiscais para desenvolver o interior e para quem quer abrir empresas nessas regiões. Que balanço faz desta ação? De que incentivos fiscais estamos a falar e para quando?

Este foi um objetivo definido logo no Programa de Governo. O diagnóstico foi que as pessoas saíram porque não têm oportunidades de emprego no interior e porque não há investimento. Para invertermos este ciclo, devemos aumentar a capacidade de investimento, na diversificação da base económica do interior, na valorização dos recursos endógenos, porque com investimento criar-se-á emprego que atrairá e fixará populações. Uma das medidas deste programa foi repor a discriminação positiva, em sede de IRC, para as empresas localizadas no interior. Outro exemplo foi o caso das discriminações positivas nos sistemas de incentivos, no âmbito do Portugal 2020. Temos vários programas em curso que são especificamente dirigidos ao interior do país e que até final de 2017 já tinham permitido apoiar cerca de 1500 milhões de investimento empresarial nos territórios do interior. O balanço que vamos fazendo é positivo, mas não podemos simplesmente congratularmo-nos, devemos continuar a averiguar se podemos fazer mais esforços, porque este é um objetivo estruturante no nosso país.

 

Esteve envolvido na criação, com os principais bancos portugueses, de uma plataforma para o crédito malparado. Essa equipa está já a trabalhar? E vai alargar-se a outros bancos?

O âmbito de atuação desta plataforma é apenas uma pequena parte do universo de crédito malparado que o sistema bancário português tem, mas, mesmo desta forma, vai tentar incidir sobre a recuperação de devedores que possam criar valor e que possam propiciar uma maior recuperação do crédito por parte desses bancos. Essa estrutura está a funcionar e já tem começado a interagir com alguns devedores.

 

A banca tem acelerado a concessão de crédito à habitação, as taxas de juro ainda estão negativas, mas é previsível que subam a curto prazo. Este ambiente de euforia no crédito da banca não pode, a prazo, estragar os resultados da governação e voltar tudo à estaca zero?

O tema do crédito à habitação é complexo, porque por um lado está a recuperar de uma queda muito grande que houve nos anos de crise e, portanto, nós estamos a ver um crescimento do crédito concedido à habitação, mas os níveis de concessão de crédito ainda estão inferiores àqueles que eram nos anos antes da crise, e sobretudo o conjunto de todos os créditos de habitação existentes é inferior àqueles que existiam, por exemplo, em 2008 e 2009. Portanto, a situação ainda não é comparável à que existia anteriormente, mas, obviamente, penso que existem razões para se ir observando tudo isto de perto – essa tarefa cabe ao supervisor do sistema bancário, o Banco de Portugal.