NUNO CRATO

GK7I9302“O PAÍS NÃO PODE DEIXAR DE  TRABALHAR PARA QUE SEJAM OS MELHORES AQUELES QUE VÃO ENSINAR OS NOSSOS FILHOS E OS NOSSOS NETOS”

Reconhecido matemático, Nuno Crato, o atual ministro da Educação e Ciência, é um acérrimo defensor da melhoria da formação de professores. Para o ministro, “a qualificação e a qualidade dos docentes são um fator decisivo para a melhoria do sistema de ensino”. Por isso, mesmo debaixo de inúmeros protestos organizados por sindicatos e associações de professores, prosseguiu com a avaliação dos docentes. Consciente de que, em Portugal, chegámos a “uma nova fase de desenvolvimento da ciência”, Nuno Crato afirma que o seu ministério confere “um peso muito grande à investigação e à inovação” e sublinha que não houve “redução das verbas dedicadas à Ciência e Tecnologia, nem abandono da formação de recursos humanos”. Tal como revela, estamos perante “uma transição” de um desenvolvimento científico muito baseado em “bolsas individuais, atribuídas em concurso nacional, para um desenvolvimento de recursos humanos mais fundamentado em projetos, programas e unidades”. Numa entrevista onde foram, ainda, abordados temas como as escolas privadas, a escola pública do pós-troika, o papel dos pais no sistema de ensino, os exames ou o Estatuto do Estudante Internacional, o ministro destacou as bolsas do Ensino Superior como “uma história de sucesso” do seu ministério.

 

A redução do número de professores face à natalidade é inevitável? De que forma está o Ministério da Educação e Ciência a dar estabilidade ao quadro de docentes e, ao mesmo tempo, a tornar mais eficiente a gestão dos recursos humanos?

A redução da natalidade é dramática. Entre 1990 e 2011 o número total de alunos jovens na rede do Ensino Básico e Secundário do ministério baixou em quase 450 mil alunos. Prevê-se que entre 2011/2012 e 2017/2018 haja uma redução total no número de alunos de cerca de 40 mil, mesmo considerando o ligeiro aumento no número de alunos causado pelo alargamento da escolaridade obrigatória. É inevitável que sejam necessários menos recursos educativos. Há escolas do 1.º ciclo que estão com autorização excecional de funcionamento por terem muito poucos alunos e que têm de ser encerradas, concentrando alunos em centros escolares modernos e com melhores recursos. Mas no que se refere aos professores, e para dar maior estabilidade ao quadro de professores, não nos esqueçamos que estamos, neste momento, a resolver um problema de décadas, que é o da existência de professores contratados, que sucessivamente, durante muitos anos, se têm deslocado pelo país, de contrato em contrato, sem perspetivas de lugar nos quadros. Estamos a resolver esse problema de várias maneiras. Primeiro, estamos a fazer uma vinculação extraordinária dos professores mais antigos nos quadros do ministério, que tem em conta a sua antiguidade e qualificação, bem como as necessidades reais do sistema. Por outro lado, introduzimos na legislação uma “norma travão” à contratação sucessiva: os professores que sejam contratados repetidamente para horários completos e anuais, ao fim de cinco anos terão lugar nos quadros. Neste momento existem já numerosas rescisões e a passagem à reforma de muitos professores. Isso vai permitir, pouco a pouco, uma renovação nos quadros. Como sabemos que esta tendência se vai acelerar, e que daqui a 10 ou 15 anos vai haver reformas maciças, a partir desse momento vai ser necessário contratar um grande número de professores. Pretendemos que, quando isso acontecer, o sistema esteja já preparado e tenha formado os professores da melhor maneira possível.

 

Mas que medidas foram já tomadas?GK7I9247

Estamos a pôr em prática quatro medidas para melhorar decisivamente a formação de professores. Primeiramente, para o acesso aos cursos de formação de educadores de infância e professores dos 1.º e 2.º ciclos – que está a cargo dos politécnicos –, passou a ser necessário que todos os candidatos tenham realizado exame a Português e a Matemática no 12.º ano (esta medida foi agora introduzida em portaria). Em segundo lugar, reformulámos toda a legislação de formação de professores, quer em politécnicos quer em universidades, de forma a torná-la ainda mais exigente, mais focada nos conteúdos curriculares que os professores vão ensinar e com possibilidade de uma prática pedagógica mais rigorosa. Isto porque sabemos que os professores só podem ensinar bem aquilo que sabem muito bem e, por isso, o reforço da formação de professores nas matérias de docência é uma questão essencial. Em terceiro lugar, instituímos uma Prova de Conhecimentos e Capacidades que se destina a dignificar a profissão de docente e a selecionar os melhores para lecionarem. Finalmente, estamos a desenvolver a formação contínua de professores.

 

Tem sido um grande defensor da avaliação, em todos os sentidos – de professores, alunos, escolas, manuais –, e reconheceu, recentemente, que o sistema de avaliação tem falhas… O que tenciona fazer?

Todos os sistemas de avaliação têm falhas, mas temos que melhorar o sistema e estamos a fazê-lo. Introduzimos provas finais nos 4.º e 6.º anos de escolaridade, bem como uma prova de Inglês obrigatória, mas sem efeito necessário nas notas, que é a prova da Universidade de Cambridge. Introduzimos também a prova de professores, que foi muito polémica, mas que é um aspeto do qual não podemos prescindir.    O país não pode deixar de trabalhar para que sejam os melhores aqueles que vão ensinar os nossos filhos e os nossos netos. As provas dos 4.º e 6.º anos de escolaridade, de Português e Matemática, apresentam uma característica inovadora: realizam-se em duas fases, e os alunos que mostraram dificuldades na primeira fase têm oportunidade de seguir um acompanhamento extraordinário e só depois virem a realizar a segunda fase das provas, podendo então progredir de ciclo. Tal medida permitiu-nos já, este ano, no 4.º ano de escolaridade, reduzir a taxa de retenção. Este ano transitaram no 4.º ano de escolaridade mais alunos, em percentagem, do que alguma vez nos últimos 12 anos. A prova de Inglês é muito interessante, pois é realizada pela Universidade de Cambridge, que tem uma experiência centenária de fazer provas de Inglês internacionais. É uma prova que permite aos nossos jovens confrontarem os seus conhecimentos com os níveis internacionais, seguidos por outros países. E têm ainda a oportunidade de obter um certificado que é válido no mundo inteiro.

 

E quanto à avaliação de professores?

A avaliação do trabalho dos professores é fundamental. Conseguimos logo no início do nosso mandato resolver um diferendo antigo e que tinha inflamado muito os ânimos. Neste momento esta avaliação está a decorrer com normalidade e é um incentivo à melhoria de todos.

 

Que papel defende para as escolas privadas?

Parece-me que a principal diferença não existe entre escolas públicas e privadas, mas antes entre as escolas privadas e públicas que prestam serviço público, por um lado, e as escolas privadas que têm normas completamente diferentes, que podem escolher os seus alunos, e que não prestam um serviço público nas mesmas condições que as outras. Mas as escolas privadas têm, no geral, ajudado o sistema a melhorar, têm tido maior autonomia e, por isso, maior possibilidade de fazer certo tipo de experiências pedagógicas e de apontar alternativas, desbravar caminhos. Recentemente introduzimos, através de duas portarias, uma muito maior flexibilidade curricular para as escolas privadas que têm contrato de associação e para as escolas públicas com os chamados contratos de autonomia. Essa maior autonomia curricular dá não só a liberdade que já criámos para todas, mas uma liberdade adicional de gerir até 25% do currículo, o que já é uma grande liberdade para as escolas, para se poderem adaptar às necessidades que detetarem e a que os pais entendam ser importante responder.

 

Que escola pública vamos ter no pós-troika? Que modelo de gestão de educação quer deixar?

Eu não vejo que a escola pública seja diferente no pós-troika. É evidente que  tivemos de fazer diversas poupanças durante este período de dificuldades que vivemos e que, em grande parte, vamos continuar a viver nos próximos anos.     O caso mais gritante foi o atraso na requalificação de muitas escolas. Mas aí também vamos prosseguir, vamos continuar a melhorar as escolas; não com luxos, mas de modo a atender às necessidades dos jovens e das escolas. Vamos recomeçar muito em breve o programa de requalificação que a Parque Escolar tinha interrompido e estamos já a pensar no futuro. Estamos já a olhar para as escolas que têm maiores deficiências estruturais, que têm mais problemas nos edifícios, e estamos, pouco a pouco, a fazer projetos para essas escolas. Projetos que as recuperem, dando-lhes dignidade, mas sem luxos.

 

GK7I9261As Novas Oportunidades, de Maria de Lurdes Rodrigues, não terão uma nova oportunidade?

Nós queremos, sobretudo, dar oportunidades de rigor, de exigência e de qualidade e, como é evidente, estamos também preocupados em fornecer oportunidades de formação e de certificação de competências. Para isso existem os atuais CQEP (Centros de Qualificação e de Ensino Profissional), que são centros que vão ter maior rigor na validação de competências, na certificação da qualificação das pessoas, e que vão servir, sobretudo, de orientação profissional. Ao contrário dos anteriores Centros de Novas Oportunidades, não vão fazer formação, mas sim orientar os jovens e adultos para formações apropriadas à sua formação inicial e às suas ambições.

 

Sendo um reconhecido matemático que se distinguiu a traduzir para a realidade grandes teoremas da Matemática, que balanço faz hoje da aprendizagem e do ensino da Matemática entre nós? O que melhorou nestes seus quase três anos de mandato?

O ensino da Matemática, como todo o ensino em Portugal, veio a melhorar lentamente ao longo dos anos. Há vários fatores que contribuíram para isso, nomeadamente a introdução de provas e uma maior atenção aos resultados das escolas por parte de toda a população, nomeadamente dos pais e dos professores. Isso é algo a que assistimos ao longo dos últimos 10 ou 15 anos. Estamos a acentuar esse movimento de melhoria e estamos a fazê-lo com várias armas. Uma delas é a melhor estruturação dos programas e a melhor clarificação das metas curriculares. Instituímos metas para tornar mais claro aquilo que um jovem deve aprender em cada etapa da sua formação. Essa alteração foi muito evidente no Português e na Matemática, onde introduzimos também novos programas.

 

Qual é o objetivo dos novos programas?

Primeiro, deixe-me dizer que não são mudanças radicais, são mudanças calmas e graduais. O grande objetivo da mudança na Matemática é uma estruturação mais clara da disciplina, uma sequenciação mais clara e a introdução de objetivos mais ambiciosos. Reconhecemos que a Matemática, em conjunto com o Português, é uma das disciplinas que mais ajudam a formar os jovens para o futuro, seja ele um futuro de ciência e tecnologia, seja de uma via profissional ou seja de estudos humanísticos. Por isso, o programa de Matemática e as metas tornaram-se mais rigorosos, mais bem organizados e mais ambiciosos. Em Português passou-se o mesmo. As metas e as mudanças que foram feitas no currículo refletem uma maior ambição no nível da língua portuguesa e uma maior valorização da literatura, que é um património comum do nosso país e daqueles que falam e leem em português. É essencial que os nossos jovens tenham contacto com as grandes obras e que sejam educados na escola a conhecer os nossos grandes autores.

 

Mas não é o que acontece agora…

Mudámos as coisas este ano. Camilo Castelo Branco regressa à escola, Alexandre Herculano está na escola, além de se manterem autores que já existiam. Há uma maior ênfase na literatura, pois ela é a expressão trabalhada da língua e porque é um meio de aprender a comunicação de forma mais elevada.

O segundo aspeto em que acentuamos muito o programa de Português foi o da comunicação. É necessário que os nossos jovens tenham cada vez mais à-vontade não só a ler, como a escrever e falar.         E essa comunicação escrita e oral é um dos aspetos destacados no novo currículo de Português, em especial no 12.º ano.

 

Que papel defende para os pais no sistema de aprendizagem escolar?

O primeiro papel dos pais é escolher a escola. Neste momento existe liberdade de escolha para todo o sistema público, coisa que não existia quando chegámos a este ministério. Eu sei que esta liberdade ainda é limitada por questões de residência e de procura das escolas, mas é já importante, porque dá aos pais um poder de atuação sobre a escola. Exortaria todos os pais a acompanharem os filhos na escola, estarem a par do que eles fazem, e apoiarem o esforço de exigência dos professores. Os nossos professores precisam de sentir que a sociedade os apoia e que, quando querem que os alunos aprendam, a sociedade está com eles, os pais estão com eles, os diretores estão com eles e o ministério está com eles nesse esforço de exigência sobre os jovens. Julgo que os pais têm um papel decisivo nesse apoio aos professores. Mas têm um papel decisivo também na vigilância sobre a escola, nas sugestões e no apoio à escola. As associações de pais têm sido, para muitas das nossas escolas, um fator de desenvolvimento.

 

Aproxima-se mais uma época de exames. A anterior teve muitos alunos a manifestar dificuldades. Aliás, os resultados não o deixaram satisfeito. Como explica este gap tão grande entre as notas do Secundário e as dos exames? As matérias são dadas de forma diferente? A abordagem dos exames não acompanha a linguagem e as realidades do Secundário? Porque é que os resultados são tão negativos?

Há escolas que manifestam discrepâncias exageradas entre as notas internas e as dos exames, mas há outras em que as notas estão muito a par. Aliás, temos dado incentivos às escolas para que tal aconteça e recompensamos, em crédito horário, as escolas em que haja uma maior paridade entre as notas da avaliação externa e as da avaliação interna. Fazemo-lo porque queremos que melhorem, e para que isso aconteça é preciso que a avaliação interna esteja alinhada com os padrões nacionais. É verdade que há dificuldades persistentes em várias disciplinas, nomeadamente em Português e Matemática. São dificuldades que não se ultrapassam de um ano para o outro e que vão sendo progressivamente superadas à medida que este conjunto de medidas tomadas produz efeito. Por exemplo, o facto de terem sido introduzidas duas provas no 4.º ano de escolaridade é um incentivo para que os alunos entrem no 2.º ciclo mais bem preparados e mais alerta para essas disciplinas. O facto de haver provas no final do 2.º ciclo é outro alerta e incentivo para os professores, para que tomem muita atenção aos resultados. Para esta melhoria contribui também termos instituído apoios diversos para os alunos com dificuldades – as escolas têm créditos horários e têm meios para apoiar os alunos que têm dificuldades – e ainda contribui termos instituído metas mais bem organizadas e programas mais eficientes.

 

Identifica-se com este modelo de exames?

Os exames têm evoluído muito nestes últimos anos e têm sido progressivamente mais rigorosos e mais bem concebidos. Demos uma grande autonomia ao instituto que faz os exames, o IAVE (Instituto de Avaliação Educativa), que sucede ao GAVE, que era simplesmente uma direção-geral, diretamente dependente do ministro. O IAVE é um instituto público com autonomia administrativa e financeira. Tem um conselho geral, no qual estão representados muitos parceiros educativos, nomeadamente os institutos politécnicos, as universidades, o conselho de escolas, as associações de professores e as sociedades científicas. Este conselho geral tem uma grande autonomia na orientação do IAVE e dos exames. Essa medida vai também no sentido de os exames serem cada vez mais bem elaborados, sendo preparados com maior independência e rigor técnico. Pretendemos que esse organismo esteja dotado das capacidades próprias para fazer os exames, sem interferência política. Todos os contributos são bem-vindos, mas não vamos ceder à solução fácil, de fazer exames mais simples para inflacionar artificialmente os resultados.

 

Este ano não teme que haja greves, manifestações, protestos, boicotes aos exames…

Como imagina, não sou eu quem decreta as greves… mas não vejo razão nenhuma para que haja greves a exames…

 

Todos concordam que Portugal precisa de mais engenheiros, mais médicos, mais cientistas. O que já fez para concretizar este objetivo? Há emprego para estes profissionais em Portugal?

Sabemos que há áreas em que existe mais facilidade em encontrar emprego do que outras, mas o nosso país continua a ter necessidade de técnicos, e, infelizmente, há muitos jovens que poderiam ter uma profissão técnica ou científica que lhes daria satisfação pessoal e um emprego, e que infelizmente não prosseguem os estudos nessas áreas porque têm deficiências básicas a Matemática, a Português ou Física, disciplinas centrais. Daí a nossa grande preocupação em que os jovens tenham uma formação nessas disciplinas que lhes permita fazer opções livres no futuro, nomeadamente a de seguirem uma carreira técnica ou científica.

 

Como avalia os impactos da emigração de “cérebros” portugueses e outros profissionais, nomeadamente médicos, enfermeiros e engenheiros recém-formados?

Tem havido alguma emigração económica. O país tem dificuldades, como sabemos, e temos uma elevada emigração. Claro que nós gostaríamos que tal não acontecesse, pelo menos da forma que acontece – a mobilidade e a aquisição de experiências no estrangeiro é sempre positiva. Mas não vamos abandonar a formação dos jovens por pensar que eles podem emigrar. Pelo contrário, a melhor formação e a formação mais adequada às necessidades do país será uma ajuda à retenção de técnicos superiores. No que se refere à ciência, lançámos programas para atrair os melhores investigadores, nomeadamente o programa Investigador FCT – um programa de contratação, por períodos de cinco anos, dos melhores investigadores, que tem conseguido reter no país uma série de investigadores altamente qualificados (Maria Mota, Rui Costa, Nuno Santos…). Este programa conseguiu mesmo um chamado brain gain, ou seja, conseguiu que investigadores portugueses que estavam no estrangeiro regressassem para trabalhar e que investigadores estrangeiros viessem a contribuir para o desenvolvimento do nosso sistema científico.

 

Receia que as novas tecnologias e a informação ao alcance de uma tecla destruam a capacidade de memorização, de relacionamento e até a capacidade crítica e de reflexão do aluno?

Não, de forma alguma. As novas tecnologias devem ser postas ao serviço da criatividade, do ensino, e não devem ser vistas como um pretexto para não aprender, como às vezes algumas pessoas erradamente pensam. As novas tecnologias não vão substituir o professor, não vão substituir a sala de aula nem a leitura. Pelo contrário, podem facilitar o trabalho do professor, podem facilitar o trabalho da sala de aula ou a leitura. Eu tenho de confessar que hoje leio maioritariamente e-books. Sempre que posso escolher, opto pelo formato digital.

 

Que ensino estamos a promover no Secundário e nas faculdades? Que alunos estamos a formar para GK7I9247as universidades? E para o mundo do trabalho?

Estamos a formar jovens cada vez mais bem preparados, cada vez mais ambiciosos. Evidentemente estamos ainda longe do que queremos, e pretendemos que a excelência se estenda a todos, mas há uma série de áreas onde se verifica que atingimos patamares que nunca antes tínhamos atingido. Se olharmos para as Olimpíadas da Matemática ou da Física, ou para as escolas de Música, vemos que há uma geração de enorme qualidade e rigor que está a ser formada nas nossas escolas.

 

O que nos pode dizer acerca do regime das bolsas do Ensino Superior?

As bolsas do Ensino Superior são uma história de sucesso deste ministério. Atribuímos cada ano mais bolsas, mais rapidamente, e conseguimos que o valor médio da bolsa suba. Isto aconteceu ao mesmo tempo que introduzimos uma maior exigência dos critérios de acesso. No primeiro ano que o fizemos, para ter uma renovação de bolsa era necessário que o jovem tivesse tido, no ano anterior, 50% de sucesso escolar. No ano seguinte, exigimos um sucesso a 60%, e assim nos mantivemos. Há um dado muito reconfortante: é que com uma maior exigência, conseguimos atribuir mais bolsas, com maior valor médio e com maior rapidez.

 

Fala-se muito de abandono do Ensino Superior. O que está o ministério a fazer para reverter esta situação?

Para além do sistema de bolsas, estamos a desenvolver uma série de medidas de apoio aos estudantes do Ensino Superior. Em parceria com as instituições do interior do país, estamos a criar o programa +Superior, que vai permitir que essas instituições, em conjunto com autarquias, empresas ou outros parceiros, ofereçam bolsas aos alunos que quiserem lá ir estudar. Nós queremos fazer ver aos jovens que existem, no interior do país, ótimas instituições de ensino e uma tranquilidade muito propícia ao estudo. Para além disso, o custo de vida é aí mais baixo e existe uma segurança física grande. Se a tudo isto juntarmos alguns incentivos, vamos, certamente, conseguir trazer mais jovens para o interior. Temos também um outro programa, o Retomar, que está em preparação com o ministro Miguel Poiares Maduro e com o seu ministério, que se destina aos jovens que abandonaram os estudos e que gostaríamos que voltassem para o Ensino Superior. Finalmente, temos os chamados Ciclos Curtos, que se destinam a formar os técnicos superiores profissionais, a dar-lhes um diploma técnico. São cursos reservados aos institutos politécnicos, que terão uma grande componente prática. O que pretendemos é dar resposta a necessidades regionais e nacionais de formação média, que constituem uma das grandes insuficiências do nosso país. Os empresários queixam-se de que têm ótimos técnicos superiores, ótimos trabalhadores indiferenciados, mas precisam de pessoas especializadas com uma formação média. E a verdade é que existe uma grande empregabilidade, em diversas áreas, para quem tiver essa formação média.

 

Qual é o interesse da criação do Estatuto do Estudante Internacional?

É dar aos nossos institutos politécnicos e universidades a possibilidade de abrirem vagas especiais para estudantes estrangeiros, e que essas vagas sejam fixadas com custos próximos dos custos reais. As pessoas não têm noção disso, mas um curso superior, num politécnico ou numa universidade, tem um custo real anual que ronda os 5 mil euros, e que em alguns casos ultrapassa em muito esse valor. No entanto, a propina que os jovens pagam é de 1000 euros por ano. Isto significa que o Estado – e bem! – tem feito um investimento no Ensino Superior e nos jovens, mas significa também que os politécnicos e universidades têm o direito de conquistar alunos fora do país e da União Europeia, obtendo como receita um valor perto do custo real do estudante, de forma a que não seja o contribuinte português a financiar o custo desse estudante, como muitas vezes tem acontecido.

 

Qual o peso que vai dar à investigação e à inovação até ao fim do seu mandato?

Estamos a dar um peso muito grande à investigação e à inovação. O nosso país apostou, e bem, durante muitos anos, consistentemente, na formação científica dos jovens. Este Governo prossegue essa aposta, mas reconhece que chegámos a um patamar diferente. Existem agora desafios para os quais estamos mais bem preparados do que estávamos há 10 ou 20 anos. Destaco, de entre esses desafios: os fundos europeus, nomeadamente os do chamado Horizonte 2020. Os cientistas, as universidades e os centros de investigação vão concorrer a fundos competitivos, onde estão a competir com cientistas, universidades e centros de investigação de outros países. São grandes projetos, para os quais a massa crítica e a qualidade são decisivos. A Europa tem de parte, para o Horizonte 2020, cerca de 80 mil milhões de euros, o que é a maior quantia alguma vez posta à disposição de um fundo para apoio à ciência. Por isso, estamos muito empenhados em ajudar a ciência portuguesa a conseguir concorrer a estes fundos. Saliento que no anterior programa da União Europeia, o chamado FP7, também para a ciência, Portugal recolheu, até ao momento, menos dinheiro do que aquele com que contribuiu para os fundos comuns. Ou seja, só conseguimos recuperar, com projetos, parte do dinheiro que investimos. Agora, na fase final, estamos a acelerar essa recuperação. É muito recompensador verificar que a ciência portuguesa, nos últimos dois anos, aumentou muito a sua competitividade internacional. No próximo programa comunitário, neste Horizonte 2020, pretendemos que Portugal seja um ganhador líquido e não um contribuinte líquido. Na Europa e em Portugal reconhece-se, cada vez mais, que o desenvolvimento económico moderno tem como motor a inovação de base científica e tecnológica, e que não é possível participar nessa corrida à inovação – que é uma corrida à produtividade, ao valor acrescentado – sem recursos humanos altamente qualificados. Isto significa que a ciência e tecnologia portuguesas têm cada vez mais de se interpenetrar com o tecido empresarial português, de forma a poderem fornecer soluções científica e tecnologicamente avançadas para o nosso desenvolvimento industrial. Este é um desafio para o qual a ciência portuguesa se esteve a preparar, pouco a pouco, e que agora vai acelerar. Mas deixe-me acrescentar, para que não subsistam dúvidas: o desenvolvimento científico e tecnológico não pode prosseguir se não continuar a haver investimento na ciência fundamental. A investigação movida pela curiosidade e pela simples vontade de entender o mundo está na base da ciência.

 

Como poderemos continuar a apostar na Ciência e Tecnologia?

Como é óbvio, há áreas da Ciência e da Tecnologia que só se desenvolvem em certas etapas porque há fundos públicos envolvidos, e nós pretendemos manter esses fundos, mas há outras áreas para as quais a contribuição dos agentes económicos não só é crucial, para trazer recursos para a investigação e desenvolvimento, como é também decisiva para que surjam projetos diretamente aplicados à indústria.

Temos dois grandes desafios, o europeu e o industrial, e estamos a dar incentivos aos cientistas e tecnólogos portugueses para que se envolvam mais nos dois.  Já falei do desafio europeu. Saliento apenas que, este ano, o nosso Programa Incentivo de 2014, que é um programa de apoio às unidades de investigação promovido pela FCT, foi centrado na formação avançada de recursos humanos e contratação de recursos humanos virados para o reforço da competitividade internacional. E os critérios de atribuição de recursos foram ditados pela capacidade das unidades para desenvolverem essa competitividade. No que se refere à maior ligação da    ciência à indústria, temos dois programas. O primeiro é um concurso que foi aberto, e que o vai ser repetidamente, para programas doutorais em conjunto com empresas. O segundo é um incentivo financeiro que é dado neste momento à contratação de doutorados pela indústria. Não temos dúvidas de que a existência de doutorados no próprio ambiente empresarial é uma condição facilitadora da ligação da indústria às universidades e à transferência da investigação e do conhecimento para a geração de produtos avançados.

 

Mas tem sido criticado pela redução das bolsas atribuídas à Ciência e Tecnologia… O que tenciona fazer a nível da ciência e inovação até ao fim do seu mandato?

Não há redução das verbas dedicadas à Ciência e Tecnologia, nem há abandono da formação de recursos humanos, simplesmente há uma transição que se está a operar – e que é normal quando os países atingem uma maior maturidade científica, como é o nosso caso –, de um desenvolvimento científico baseado, sobretudo, em bolsas individuais, atribuídas em concurso nacional, para um desenvolvimento de recursos humanos mais fundamentado em projetos científicos, programas doutorais e unidades de investigação. Os países mais desenvolvidos têm, sobretudo, programas de formação avançada baseados em unidades e em projetos. É para aí que estamos a caminhar. Como disse antes, lançámos um programa de incentivo para a contratação e formação de recursos humanos. São estímulos à competitividade e nós queremos que a formação de recursos humanos esteja cada vez mais ligada ao desenvolvimento das unidades de investigação e dos projetos competitivos em termos europeus. Aqui, tanto estamos a falar da ciência mais abstrata como da mais aplicável.