MIGUEL POIARES MADURO

ÀS VEZES, FICA A IMPRESSÃO DE QUE O NOSSO DISCURSO MEDIÁTICO PRESTA MAIS ATENÇÃO AO JOGO POLÍTICO DO QUE AOS PRÓPRIOS FINS DA POLÍTICA

Miguel Poiares Maduro, ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, é um especialista em Direito Europeu e Constitucional, e integrou recentemente um grupo de alto nível europeu para a liberdade e pluralismo na comunicação social. O ministro foi agraciado com a Comenda da Ordem de Sant’Iago da Espada, por mérito literário, científico e artístico, atribuída pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio, em 2006. O que mais o surpreendeu no desempenho das suas funções foi, tal como revelou, “o ruído mediático muito elevado e uma relação de proximidade, talvez excessiva, entre o mundo político e o jornalístico, que se torna difícil de gerir, pouco transparente e conducente a um discurso público não necessariamente centrado naquilo que realmente interessa às pessoas”. Afirmando, sem pudores, que este mandato está a ser exercido “num período particularmente difícil da nossa história”, Poiares Maduro não tem dúvidas de que o Governo levará o mandato até ao fim, uma vez que “tem toda a legitimidade política e democrática para isso”. No que diz respeito ao Orçamento do Estado para 2014, o ministro sublinha que “cumpre com as nossas obrigações internacionais, reforça a nossa credibilidade internacional e permite concluir o Programa de Assistência Económica e Financeira”. Já em relação ao financiamento da RTP, atesta que será feito “de forma transparente” , uma vez que a estação pública deixará de receber “a indemnização compensatória e passará a ser unicamente financiada publicamente pela CAV (Contribuição para o Audiovisual)”, conclui Poiares Maduro.

 

O que mais o surpreendeu nestas funções? Para o que é que não estava preparado?

O que mais me surpreendeu foi o ruído mediático muito elevado e uma relação de proximidade, talvez excessiva, entre o mundo político e o jornalístico, que se torna difícil de gerir, pouco transparente e conducente a um discurso público não necessariamente centrado naquilo que realmente interessa às pessoas. Às vezes, fica a impressão de que o nosso discurso mediático presta mais atenção ao jogo político do que aos próprios fins da política.

 

O Governo tem condições para levar o mandato até ao fim?

Claro que sim, o Governo tem toda a legitimidade política e democrática para isso e tem vontade de concluir este mandato, exercido num período particularmente difícil da nossa história. Não temos dúvidas de que as atuais circunstâncias tornam o exercício da política mais complicado, mas também tornam o compromisso com ela ainda mais necessário.

 

Como é a sua relação com os colegas do CDS?

A minha relação é idêntica àquela que tenho com todos os colegas de Governo. É uma relação de total colaboração, aberta, com pontos em que estamos de acordo e outros em que temos diferenças. Porém, esta postura é totalmente natural e sem dúvida que enriquece qualquer Governo.

 

Qual é neste momento o clima no Conselho de Ministros?

O Conselho de Ministros é um órgão coletivo que reflete a dinâmica que descrevi antes. A atmosfera é boa, mas isso não quer dizer que exista sempre unanimidade em todos os temas. Se não existissem por vezes pontos de vista diferentes, não fazia qualquer sentido reunir o Conselho de Ministros. O que é importante é que o que quer que seja decidido no Conselho de Ministros é a decisão final de todos e aquela a que todos devemos lealdade.

 

Vinha com o objetivo de melhorar a comunicação do Governo, mas mantêm-se as críticas de que o Governo comunica mal. Como é que responde a essas críticas?

Num país sob resgate e em que o Governo está obrigado a aplicar medidas que impõem importantes sacrifícios aos portugueses, a comunicação nunca seria fácil. Depois temos um espaço mediático muito adverso, e a necessidade de falar para fora (garantindo a nossa credibilidade internacional) e ao mesmo tempo para dentro torna ainda tudo mais difícil. Acresce que a natureza do processo negocial com a troika leva a que, com frequência, medidas que estão apenas a ser ponderadas pelo Governo, e antes mesmo de estar concluído o seu desenho final, já estejam a ser discutidas no espaço público, o que muitas vezes faz com que as mesmas medidas sejam discutidas várias vezes, multiplicando o impacto psicológico da austeridade. A minha preocupação neste contexto passa por prestar mais atenção, em matéria de coordenação política, aos processos de coordenação e preparação de políticas públicas e à promoção de instrumentos de proximidade e transparência na relação com os cidadãos.

 

Como é que se pode contrariar a ideia de que o Governo tem sido forte com os fracos e fraco com os fortes?

O Governo tem adotado medidas corajosas no que concerne aos chamados “fortes”. A reação de vários setores económicos mais protegidos a algumas medidas do recente orçamento são reflexo disso mesmo. O que acontece é que por muito que se cortasse naqueles que mais têm, e também para estes há limites de justiça a serem preservados, isso nunca chegaria para fazer face às necessidades do Estado. Se cortarmos 70 a alguém que tem 100, isso não nos evita ter de cortar 10 a 1000 que têm 50, se for nestes que está concentrada, não em termos individuais mas em termos agregados, a maior parte da despesa. Temos de distribuir equitativamente o esforço, mas, infelizmente, a nossa situação financeira exige esforços mesmo daqueles que preferíamos poupar aos sacrifícios.

 

Casos como o de Rui Machete não fragilizam o Executivo e o seu trabalho?

Não. Essa questão já foi abordada e clarificada pelo primeiro-ministro e pelo próprio ministro Rui Machete, por isso não vou contribuir para continuar a alimentar o tema.

 

Os briefings foram um erro?

Os briefings foram vítimas das circunstâncias, de uma tempestade perfeita de acontecimentos políticos que coincidiu com o aparecimento dos briefings, embora sem nenhuma relação com eles. São um bom instrumento para promover uma relação mais transparente e direta com os cidadãos e corrigir uma excessiva dependência do chamado off, declarações não atribuídas, no jornalismo português. Mais tarde ou mais cedo farão parte da nossa cultura política e mediática, assim o espero, mas infelizmente tinham-se tornado no contexto atual, eles próprios, o objeto da comunicação e ruído. Eu só insisto em algo quando acho que continua a servir o objetivo para que foi criado e não o contrário.

 

O Governo tem neste momento margem para garantir aos portugueses que não haverá um segundo resgate?

Este orçamento cumpre com as nossas obrigações internacionais, reforça a nossa credibilidade internacional e permite concluir o Programa de Assistência Económica e Financeira. É isso que justifica os sacrifícios feitos pelos portugueses. Sendo que tudo isto não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento para regressar ao crescimento económico e melhorar, mas de forma sustentada, o nível e qualidade de vida dos portugueses.

 

A reforma do Estado é algo que ainda não percebemos bem em que é que se traduzirá. Nas suas áreas, onde é que ela vai ocorrer e em que é que se vai traduzir?

Há duas dimensões do funcionamento do Estado em que estou a trabalhar. Ambas orientadas para a construção de uma administração pública de proximidade e sustentável. A primeira trata-se da descentralização de competências do Estado para as autarquias e entidades intermunicipais, numa lógica de eficiência e proximidade. A segunda é relativa ao novo paradigma do atendimento dos serviços públicos aos cidadãos, em que as ferramentas tecnológicas nos permitem maior capilaridade e proximidade da rede a um custo mais baixo.

 

Quando é que acha que Portugal poderá começar a usufruir das verbas do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional)?

Estamos a trabalhar para garantir que estaremos no grupo dos primeiros países a submeter à Comissão Europeia as propostas de Acordo de Parceria e Programas Operacionais. Caso os regulamentos comunitários sejam aprovados neste trimestre como esperado, é nossa intenção fechar todo o processo logo no primeiro semestre de 2014, o que nos permitirá começar a aprovar projetos já no segundo semestre de 2014. Isso representa um enorme avanço, em termos de prazos, face ao QREN.

 

Quais são as apostas do Governo para este pacote?

As apostas do Governo para o Portugal 2020 são claras e marcam uma forte viragem nas prioridades de aplicação dos Fundos Estruturais em Portugal – das infraestruturas para uma aposta nas pessoas e na competitividade das empresas.

 

Como é que está a correr o PAEL (Programa de Apoio à Economia Local)?

O Governo fez um esforço extraordinário para disponibilizar este programa de apoio, através de empréstimo, aos municípios, para que estes pudessem pagar as dívidas em atraso que tivessem com fornecedores. De uma linha inicial de mil milhões de euros, foram aprovadas candidaturas de 110 municípios, num total de 810 milhões de euros. A lei exige um procedimento de controlo prévio e intercalar rigoroso, incluindo o Tribunal de Contas. Da parte do Governo, tudo tem sido feito para uma rápida implementação do Programa e já foram disponibilizados às autarquias cerca de 450 milhões de euros. Os restantes 360 milhões de euros dizem respeito a candidaturas que, ou se encontram em análise no Tribunal de Contas para efeitos de visto prévio, ou estão dependentes da entrega de alguma informação ou documentação pelos municípios.

 

Com a vitória do PS e o aumento da força do PCP a nível local, acha que a relação do Governo com as autarquias vai tornar-se mais difícil?

Empenhar-nos-emos para que assim não seja. O Governo deverá ter a mesma abertura, cooperação e lealdade institucional com todas as autarquias portuguesas, com todos os autarcas e com as suas associações representativas. A legitimidade democrática de todos deve e será com certeza mutuamente respeitada.

 

Tem no seu horizonte a fusão de municípios ainda neste mandato?

Não. Neste mandato o Governo promoveu a reorganização territorial ao nível autárquico da qual resultou uma diminuição significativa do número de freguesias (28% em Portugal continental) e uma redução do número de entidades intermunicipais. Quanto aos municípios, as exigências de reforma foram muito rigorosas, tendo gerado fortes racionalizações nestes dois anos ao nível das estruturas orgânicas (redução de 40% das empresas locais e participações em empresas), do número de trabalhadores (-8%), do número de dirigentes (-25%) e do pessoal de apoio político (-26%). Esta opção está já a produzir resultados muito significativos nas finanças municipais, com redução igualmente muito significativa do endividamento (menos mil milhões), dos pagamentos em atraso (-5%) e com três anos consecutivos, incluindo o atual que é ano eleitoral.

 

Como vai financiar a RTP?

De forma transparente. Foi isso que este Governo e eu próprio sempre prometemos. No próximo ano a RTP deixará de receber a indemnização compensatória e passará a ser unicamente financiada publicamente pela CAV (Contribuição para o Audiovisual), que é uma forma mais transparente de financiamento da RTP. O financiamento público será menor do que este ano, mas o suficiente e necessário para a RTP cumprir os objetivos ambiciosos do novo contrato de concessão do serviço público.

 

Como é a sua relação com Alberto da Ponte?

Cordial e franca, como deve sempre ser a relação entre o ministro da tutela e um conselho de administração.

 

O novo conselho geral que ele quer independente não vai pôr em causa a legitimidade do atual conselho de administração?

Sou eu que tenho defendido a necessidade de eliminar o risco ou perceção do risco de governamentalização da RTP. Isto é fundamental para a credibilidade da empresa perante os portugueses, mas também para permitir uma gestão mais efetiva da mesma. É neste contexto que defendo a criação de um conselho geral independente.

 

Pode garantir que não haverá despedimentos na RTP?

Não tenho escondido que a RTP tem de reduzir o peso dos recursos humanos no seu orçamento, e isso está no PDR, mas tenho também dito que espero que isto se faça com o menor custo social possível e preservando políticas de mérito dentro da empresa. O resto é competência da administração.