MIGUEL GUIMARÃES

“O MILAGRE PORTUGUÊS DE QUE TANTO SE TEM FALADO, NOMEADAMENTE NA IMPRENSA INTERNACIONAL, SÃO SEM DÚVIDA OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE”. Natural do Porto, Miguel Guimarães é o atual bastonário da Ordem dos Médicos, após ter sido reeleito em janeiro deste ano para assumir um novo triénio.Sob o tema da COVID-19 em Portugal, o bastonário fala à FRONTLINE do contributo da Ordem, que desde o primeiro momento emitiu recomendações, chegando por vezes a antecipar-se ao Governo. Neste âmbito destaca a campanha “MáscaraParaTodos”, precisamente por terem sido dos primeiros a insistir na importância do uso destes equipamentos.Referindo-se aos profissionais de saúde como “o milagre português de que tanto se tem falado”, em particular os médicos enquanto classe que representa, estende a sua admiração e gratidão a todos os que estiveram e estão na linha da frente, deixando para trás famílias, numa atitude de resiliência, espírito de sacrifício e dedicação.Perante o risco de uma segunda vaga da epidemia, Miguel Guimarães insiste no uso de máscara e da manutenção do distanciamento social como duas medidas basilares para não nos confrontarmos com um surto descontrolado. Acrescenta que cabe a todos ajudar os profissionais de saúde que estão no terreno, seguindo as regras de segurança.

Que vírus é este que enfrentamos? Continuamos perante um vírus desconhecido? Estamos perante um novo vírus para a humanidade, o que significa que somos todos suscetíveis, e explica o desenvolvimento e a ocorrência da pandemia. Apesar de já sabermos muito, e de nunca se ter publicado tanto sobre o mesmo assunto em tão pouco tempo, ainda nos falta conhecer muito sobre a fisiopatologia deste vírus, nomeadamente em termos de medicamentos ou vacina. O SARS-CoV-2 é um Coronavírus da família dos Coronaviridae, do latim corona ou coroa, dada a semelhança com uma coroa na microscopia eletrónica. Estes vírus pertencem a uma grande família de vírus RNA com abundantíssima expressão no reino animal, nomeadamente nos morcegos e envolvendo outros mamíferos, aves e répteis.  

Qual a diferença entre COVID-19 e SARS-CoV-2? O SARS-CoV-2 é um novo vírus da família do coronavírus e a COVID-19 foi o nome dado à doença que este agente provoca, do inglês Coronavirus Disease 2019. 

Já aconteceu algum surto com coronavírus em anos anteriores? Desde o início do século já aconteceram pelo menos dois surtos relacionados com coronavírus. O primeiro surto iniciou-se a 16 de novembro de 2002 com o SARSCoV (Severe Acute Respiratory SyndromeCoronaVirus) na província de Guangdong, na República Popular da China, e estendeu-se a 17 países. A OMS declarou o fim do risco de ocorrência de novos casos a 19 de maio de 2004.  Um novo surto ocorreu em 2012 na Arábia Saudita, posteriormente designado de MERSCoV (Middle East Respiratory Syndrome-related CoronaVirus). Ambos terão tido origem em morcegos e utilizado um hospedeiro intermediário, para chegarem ao ser humano. O MERS-CoV teve maior expressão no Médio Oriente e ainda não foi considerado extinto. Finalmente, em dezembro de 2019 foi detetado um novo surto por coronavírus na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. 

Declarações recentes do presidente dos EUA lançaram novas suspeitas sobre uma eventual “fuga” acidental do coronavírus que estaria a ser estudado num laboratório em Wuhan. Existe aqui algum fundo de verdade? A mãe-natureza explica a origem deste coronavírus. O genoma deste coronavírus partilha 96% do de um outro coronavírus encontrado nos morcegos e que é o Bat-CoV-RaTG13, que terá passado para um pangolim e, depois de algumas mutações, conseguiu transmitir-se aos humanos. A diferença para outros coronavírus está na forma como se liga aos recetores, sendo mais transmissível e capaz de originar uma pandemia. 

Considera que poderiam ter sido tomadas determinadas atitudes, por parte da China, para travar a propagação deste vírus, evitando que este ganhasse as proporções a que assistimos atualmente? No primeiro SARS-CoV a China foi muito criticada e acusada de ter omitido informação. Neste surto houve uma evolução em termos de transparência e disponibilização da informação relativa, por exemplo, ao genoma do vírus e às suas caraterísticas clínicas e epidemiológicas. Ainda assim, talvez se pudesse ter ido mais longe, mas é uma avaliação que só o tempo o dirá. 

Como se justificam os cenários a que assistimos em países como Itália, Espanha, França e agora Rússia ou Estados Unidos? O que falhou? Estado? Cidadãos? Sistemas de Saúde? A atividade pandémica não se iniciou em todos os países na mesma altura e, por isso, alguns países beneficiaram de alguns dias ou semanas de avanço, enquanto outros países tomaram decisões com base em informação ainda mais incipiente, com opções que tiveram de reverter mais tarde. Portugal tem, por exemplo, uma diferença de três semanas para Itália e de uma semana e meia para Espanha, o que foi tempo precioso para nos prepararmos. A Ordem dos Médicos e a sociedade civil desde o primeiro momento que contribuíram com recomendações, antecipando-se por vezes ao próprio Governo, o que também contribuiu para os resultados. 

Aparentemente o cenário em Portugal tem-se mantido controlado. Não temos assistido, por exemplo, ao entupimento das unidades de saúde como aconteceu em muitos outros países. Considera que Portugal estava preparado para fazer face a uma epidemia como esta? Ou pelo contrário existem muitos infetados que estão em casa e deveriam estar a ser tratados nos hospitais? Nenhum país e nenhuma sociedade pode dizer que estava preparado para esta pandemia. O Serviço Nacional de Saúde estava subfinanciado há vários anos, pelo que partiu numa situação de fragilidade ainda maior. Mas a liderança clínica, a qualidade técnica e, sobretudo, o espírito solidário e humanista dos médicos e dos restantes profissionais de saúde permitiu reorganizar o sistema e preparar uma boa resposta. Contudo, é de salientar que esta resposta aos doentes COVID-19 deixou muitos outros doentes com patologias igualmente importantes com dificuldades de acesso em tempo útil a consultas, exames e cirurgias. Quanto ao tratamento em casa, sabemos que nas suas expressões menos graves é possível e até aconselhável ter 80% a 85% dos doentes a serem acompanhados em casa, o que descongestiona os serviços de saúde, mas também evita que contraiam outras infeções em ambiente hospitalar. 

Portugal é um dos países do mundo que mais testes tem realizado à COVID-19. Mas a verdade é que muito se tem falado sobre se o número de infetados, apresentado diariamente pela Direção-Geral da Saúde (DGS), espelha a realidade. Eles refletem, realmente, a realidade portuguesa ou temos mais infetados e também mais mortos em Portugal? A nossa testagem não foi regular. Sobretudo de início, não é verdade que tenhamos feito mais testes do que outros países. Prova disso é que vários profissionais de saúde têm vindo a reportar que perante contactos de risco ou sintomatologia compatível com a doença não foram testados. Assim, o nosso número de infetados poderá ser, na verdade, superior. É algo que ficaremos a saber com mais pormenor com a massificação dos testes serológicos. Ainda assim, pelos números que nos são diariamente revelados, o número de testes aumentou muito nas últimas semanas, sendo que neste momento Portugal é um dos países a nível internacional que mais testes está a realizar por milhão de habitantes. 

Outro assunto que tem gerado bastante controvérsia é se o pico da pandemia foi ou não já atingido. Este pico já aconteceu? O que é necessário analisar para dizer com certeza que já o ultrapassámos? É natural que não seja fácil apontar datas exatas sobre a curva no momento em que a estamos para viver, até porque o que as autoridades de saúde reportam diariamente são os números de novos casos confirmados e, para a curva, o que importa saber não é o momento do diagnóstico, mas sim o momento em que surgiram os sintomas. Ainda assim, tudo aponta para que estejamos já numa fase de descida sustentável, podendo o pico ter ocorrido na segunda quinzena de abril. No entanto, esta descida não nos deve deixar confortáveis e devemos continuar a promover o distanciamento social e o uso de máscaras cirúrgicas ou comunitárias sempre que o distanciamento não é possível, para além das medidas de higiene aconselhadas pela DGS. Esta é a fórmula mais segura para evitarmos um retrocesso, que seria sempre muito penoso em termos de saúde, sociais, psicológicos e económicos. 

A verdade é que já assistimos a alguns dias de muita estabilidade ao nível de novos casos de infeção, contudo, na semana passada, e durante três dias seguidos, foi revelado um crescimento exponencial de novos casos… Este é um cenário expectável? O número de novos casos identificados a cada dia pode ter mais relação com o número de testes realizados do que com um aumento ou descida no número efetivo de doentes. Por isso, dois ou três dias seguidos de um resultado – positivo ou negativo – não nos deve animar ou desanimar.  

Quanto à prestação do Governo perante esta pandemia, que comentário faz? Foram tomadas as medidas necessárias no momento certo? A realidade dinâmica da pandemia e a informação muito incipiente sobre o novo coronavírus torna muito difícil tomar decisões na posse de todos os dados possíveis. Reconhecemos, contudo, que o Governo fez um esforço de coordenação importante e, sobretudo, que ouviu as recomendações e apelos da sociedade civil e dos profissionais de saúde, nomeadamente da Ordem dos Médicos. Recorde-se que apenas um dia depois de o Conselho Nacional de Saúde ter decidido não recomendar o fecho de escolas, o Governo – e bem – avançou nesse sentido. A própria Ordem dos Médicos, no dia em que Portugal anunciava o seu primeiro doente, recomendou o cancelamento ou adiamento de todos os congressos e simpósios, medida essa que foi depois seguida por outras entidades. 

E o Sistema Nacional de Saúde (SNS) soube, na sua opinião, responder a todas as necessidades exigidas até agora? O SNS deu uma boa resposta aos doentes COVID-19. A nossa principal preocupação ao longo destes meses foi o relato de muitas situações em que escassearam ou faltaram mesmo equipamentos de proteção individual adequados para quem está no terreno. Não é admissível que quem está a salvar vidas não veja a sua própria vida devidamente protegida. No entanto, reforço que os dados que existem sobre excesso de mortalidade em março e abril sugerem que muitas outras pessoas podem ter sido afetadas pelos cancelamentos a que a pandemia obrigou. O recurso às urgências hospitalares também caiu muito, nomeadamente em casos de AVC ou de enfarte agudo do miocárdio, o que indica que mesmo em situações graves as pessoas tiveram receio de ir ao hospital. A nossa recomendação é de que perante casos graves não hesitem. Os hospitais estão preparados para separar os doentes COVID-19 dos restantes. 

Muito se tem falado também sobre a brilhante prestação de todos os nossos profissionais de saúde. Considera que esta classe está a ter todas as condições necessárias para exercer a sua profissão neste tempo de pandemia? Quais são as principais queixas? O milagre português de que tanto se tem falado, nomeadamente na imprensa internacional, são sem dúvida os profissionais de saúde. Refiro-me em particular aos médicos enquanto classe que represento. Mas a minha admiração e agradecimento é extensível a todos os que estiveram e estão na linha da frente, deixando para trás as suas famílias, os seus pais idosos ou os seus filhos pequenos. A resiliência, o espírito de sacrifício e de dedicação, o humanismo e a solidariedade permitiram minimizar o impacto desta emergência de saúde pública internacional para a qual ninguém estava preparado. As condições no terreno não são as ideais, até porque já não eram. O nosso SNS já estava muito fragilizado em termos de infraestruturas, equipamentos e capital humano e isso fez-se sentir agora, com as pessoas a desdobrarem-se em horas extraordinárias e com a tutela a ter de fazer aquisições de equipamentos que há muitos anos vínhamos a alertar que eram necessários, como os ventiladores. A falta de equipamentos de proteção individual foi para nós outro dos grandes motivos de preocupação. Convém realçar que do total de infetados, mais de 11% são profissionais de saúde. De resto, não posso deixar também de relevar o notável trabalho realizado por todos os profissionais de diferentes áreas (bombeiros, militares, forças de segurança, autoridades judiciárias, cuidadores e tantos outros), que durante a fase de confinamento também cuidaram de todos nós. 

Falta material de proteção individual em Portugal? O que está e já foi feito para alterar esta situação? A tutela fez um esforço para reforçar a aquisição e capacidade de distribuição pelas diferentes unidades. Mas também aqui várias instituições e a sociedade civil fizeram a diferença, unindo-se para colmatar falhas no terreno. A própria indústria nacional foi capaz de se reconverter para fabricar algum deste material. Os empresários, os autarcas e a indústria (nomeadamente a farmacêutica) tiveram um papel fundamental na fase aguda e na fase de mudança. 

E quanto aos ventiladores de que tanto se tem falado, eles existem em número suficiente no nosso país? A falta de ventiladores e de camas de cuidados intensivos não é um problema de agora. Muitos hospitais já eram antes obrigados a adiar ou cancelar cirurgias por falta de vagas nos cuidados intensivos, caso os doentes tivessem complicações e viessem a precisar de uma resposta com este grau de diferenciação. Felizmente, com o achatamento da curva da pandemia foi possível reduzir a pressão nos serviços de saúde e os equipamentos terão sido em número suficiente. Mas, uma vez mais, não nos podemos esquecer que, para libertar camas para os doentes COVID-19, o SNS deixou outras coisas por realizar e, com as listas de espera longas que já conhecíamos, será muito difícil recuperar. É essencial um reforço do SNS após esta pandemia, que na verdade veio colocar a nu a necessidade de apostarmos em serviços públicos fortes e que realçou também a importância da saúde para a economia mundial. Diria mesmo que uma das grandes lições desta pandemia para os governos dos diferentes países foi a descoberta da importância fundamental do investimento em saúde para salvaguardar todas as outras áreas de intervenção social e, em especial, a economia. 

Qual o objetivo da iniciativa “Todos por quem cuida”? Qual a verba/materiais já angariados até ao momento? O movimento solidário Todos Por Quem Cuida nasceu de um repto da sociedade civil para que levássemos mais apoio até ao terreno. Criámos, assim, uma conta solidária que juntou a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos e cujos pormenores podem ser acompanhados em www.todosporquemcuida.pt Já reunimos mais de 1,2 milhões de euros, com o apoio dos cidadãos e também de instituições como a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica e o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil. Estamos a fazer chegar essencialmente equipamentos de proteção a todos os que estão nas várias linhas da frente. Isto é, apoiamos profissionais de saúde de hospitais e centros de saúde, mas não só. A nossa iniciativa quer ser o mais abrangente possível e já ajudámos também cuidadores, bombeiros, forças de segurança e a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica, entre várias IPSS e farmácias. A nossa ação que mereceu mais mediatismo foi a distribuição que estamos a fazer de 500 “caixas de entubação” a hospitais de todo o país, sejam do setor público, privado ou social. Estas caixas, desenvolvidas em parceria com a indústria portuguesa, são um equipamento de proteção para os profissionais de saúde que se encontram nos blocos operatórios, nas Unidades de Cuidados Intensivos e nas salas de emergência, que precisam de realizar procedimentos em que existe um elevado risco de produção de aerossóis, como a entubação e/ou extubação de doentes. Estas caixas funcionam como uma barreira física entre o doente e os profissionais nestes momentos, mantendo a visibilidade do procedimento durante a sua execução. Estes são uns dos procedimentos com maior risco de infeção pelo novo coronavírus dada a elevada aerossolização associada, mas também são importantes a proteger de outros agentes infeciosos. Com estes equipamentos, diminui-se significativamente o risco, com a vantagem de serem equipamentos reutilizáveis. De ressalvar, contudo, que a utilização destas caixas não exclui a utilização dos restantes equipamentos de proteção individual e as medidas de higienização já conhecidas. As caixas de proteção, fabricadas em policarbonato – um material que permite o uso de materiais alcaloides para a sua desinfeção – foram desenvolvidas e testadas por especialistas, em ambiente hospitalar, em parceria com a indústria nacional portuguesa. 

Considera que o desconfinamento da sociedade e a consequente reabertura da economia está a acontecer no momento certo ou foi uma tomada de decisão precoce, por parte do Governo? A verdade é que muitos dos peritos consultados não concordavam com o levantamento do Estado de Emergência tão cedo… A conjugação de medidas que, na dose certa, respondam às necessidades dos serviços de saúde e da economia é uma equação difícil. Estamos perante um inimigo invisível e também imprevisível, sobre o qual conhecemos pouco. É o verdadeiro jogo da incerteza. Os dados epidemiológicos corroboravam a intenção do Governo de avançar para o “desconfinamento” progressivo. Na minha opinião o primeiro-ministro tomou a decisão correta no tempo certo. É nosso entendimento que é importante acompanhar de perto o impacto do aligeiramento das medidas na pandemia, com transparência e humildade suficiente para recuar, caso venha a ser necessário. Apenas defendemos que deveriam ter sido promovidas campanhas massivas de uso obrigatório de máscaras nos locais públicos para que este regresso à nossa nova normalidade decorra sem grandes sobressaltos.  

Na sua opinião até quando se devem manter as restrições em Portugal? Enquanto não tivermos um tratamento que funcione no SARS-CoV-2 ou uma vacina segura e eficaz, não poderemos voltar ao que tínhamos antes. As máscaras e o distanciamento social são medidas que vieram para durar. Temos de reaprender a viver em sociedade, de reconverter os nossos hábitos para evitarmos ao máximo lidar com novas curvas pandémicas que causem nos nossos serviços de saúde uma pressão difícil de superar. Preocupa-nos sobretudo a capacidade de resposta no próximo inverno, quando a um eventual surto de COVID-19 juntarmos a gripe sazonal. Também por isso temos insistido na necessidade de o Ministério da Saúde lançar desde já procedimentos concursais para aquisição em massa da vacina contra a gripe, para que possamos partir para o inverno com a certeza de que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. 

Usar máscaras comunitárias é um direito ou um dever dos cidadãos? Que comentário faz aos recuos e avanços da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da própria ministra da Saúde relativamente a esta questão? Uma das campanhas em que Ordem dos Médicos está envolvida é a MáscaraParaTodos, precisamente porque, desde o primeiro momento, fomos dos primeiros a insistir na importância de usarmos estes equipamentos. É impossível termos máscaras mais robustas para todos, como os modelos FFP2, que devem ficar reservadas ao uso hospitalar. Mesmo as máscaras cirúrgicas podem não ser suficientes. Mas a máscara comunitária, feita de acordo com as regras definidas pelas autoridades, é essencial para recuperarmos um pouco das nossas vidas. A mensagem é muito simples: a minha protege-te, a tua protege-me. A ministra da Saúde e a DGS não estiveram bem quando se escudaram em suposta evidência científica para não defender o uso generalizado de máscara. Deviam ter sido transparentes e assumir que o problema era a disponibilidade das mesmas. 

Concorda com a reabertura das creches e escolas? Será um ambiente seguro para as nossas crianças e jovens? A questão do distanciamento social, sobretudo nas idades mais precoces, como creches e jardins de infância, pode ser muito difícil de concretizar, e compreendo perfeitamente as dúvidas e anseios dos pais. Mas também é bom tranquilizar as pessoas, dizendo que a expressão grave da doença nas crianças é muito reduzida, pelo que o que devem é evitar contactos de proximidade com os avós ou pessoas com fatores de risco. Os dados epidemiológicos devem ser acompanhados com muita cautela nesta fase. 

E dos restaurantes? Com regras bem definidas, é possível retomar este tipo de atividades. A pandemia tem o lado da saúde, mas não podemos esquecer também o lado económico e social. Portugal estava longe de ter uma economia sólida e um embate como o da pandemia pode ter efeitos desastrosos. O que me parece que tem estado a acontecer é que são feitos alguns anúncios de possível reabertura sem o devido acompanhamento de legislação publicada com tempo para as empresas se organizarem, o que pode gerar mais dúvidas, receio e desconforto. A informação que prolifera nas falsas notícias e nas redes sociais também não contribui para um esclarecimento cabal da população. De resto, a falsa informação que infelizmente circula nas redes sociais constitui per si a fase negra desta pandemia, que deve ser combatida de forma enérgica por todos nós. Aproveito para realçar o papel positivo nesta matéria que a comunicação social assumiu ao procurar dar informação segura e cientificamente credível, apoiando as medidas que foram sendo definidas pela autoridade nacional de saúde e questionando a mesma autoridade sobre algumas medidas importantes para o combate à pandemia, como foi o caso das máscaras. 

Depois de estar na Europa o vírus já sofreu diversas mutações. Estamos atualmente perante um vírus mais enfraquecido ou pelo contrário podemos afirmar que ganhou força? Tudo o que possa dizer sobre este tema não será muito mais do que especulação. Toda a evidência científica é bastante preliminar e tanto encontramos estudos que referem mutações genéticas que estão a fortalecer o vírus, como temos outros dados que indicam que com o bom tempo o SARS-CoV-2 parece estar a perder força. Proteger, proteger, proteger e testar, testar, testar são as únicas certezas que temos nesta altura de um caminho que não devemos abandonar. 

Corremos o real risco de assistirmos a uma segunda vaga desta epidemia? Para quando? Mais uma vez, não temos certezas de nada. Mas tudo indica que possamos vir a ter uma segunda ou terceira vaga. O importante é que a vigilância epidemiológica atue rapidamente para que consigamos sempre um achatamento das curvas que venhamos a enfrentar.  

O que a pode motivar? Alguns lapsos no desconfinamento podem deitar por terra o percurso que fizemos. Mas a própria evolução genética do vírus pode ditar uma nova curva. Insisto que o uso de máscara e a manutenção do distanciamento social são duas medidas basilares para não nos confrontarmos com um surto descontrolado. 

Caso esse cenário seja uma realidade, o que podemos esperar do SNS? Como será, na sua opinião, a resposta dada pelo nosso Sistema Nacional de Saúde? Uma segunda vaga descontrolada seria desastrosa para a economia e para o SNS. Os nossos profissionais estão esgotados. Fizeram e estão a fazer um esforço sobre-humano, mas não é possível e muito menos legítimo que lhes exijamos que repitam isto vezes sem conta. Por outro lado, o SNS não pode continuar a limitar a sua capacidade de resposta em tudo o resto que tem ficado por fazer e que também é essencial para a vida e saúde dos nossos doentes, muitos deles com comorbilidades que exigem uma atenção cuidada e permanente. O recurso a meios como a telemedicina é um bom apoio, mas nada substitui a consulta médica presencial e a relação médico-doente, a base da qualidade e dos resultados em saúde. Ainda assim, penso que neste momento estaremos mais preparados para enfrentar uma pandemia, dada a experiência acumulada nesta fase que estamos a viver, em que aprendemos muito sobre organização, planeamento, liderança, trabalho em equipa e a melhor forma de lidar com esta doença. Os nossos profissionais e, em especial, os médicos, têm uma capacidade de adaptação e resposta invulgares a situações de stress, tendo como suporte um sentido humanista e solidário inexcedível. O que, de resto, constitui uma marca indelével do ser português.  

Para quando uma vacina? Podemos afirmar, com certeza, que a vacina trará a resposta necessária para travar a pandemia? Existem vários ensaios a decorrer em todo o mundo, alguns dos quais já em humanos. Mas ainda é cedo para dizer se algum chegará a bom porto. Do que tem vindo a público, o mais provável é que nenhuma vacina chegue ao mercado a tempo do próximo inverno, pelo que temos um grande desafio pela frente. Na verdade, nestes três surtos de doença por coronavírus à escala global no século XXI tem-se assistido a uma melhoria franca da resposta dos métodos de diagnóstico, sobretudo de biologia molecular, e de sequenciação genómica. Não obstante, esta melhoria no diagnóstico, infelizmente, não teve grande impacto no desenvolvimento de terapêuticas dirigidas e de vacinas. Resta-nos, assim, perante um mundo cada vez mais global, individual e coletivamente promover o conhecimento e a sabedoria. Só assim poderemos minimizar os riscos de exposição, proceder à deteção precoce e ao diagnóstico atempado e adotar as medidas de controlo de infeção, terapêuticas e de prevenção mais eficazes. Mas gostaria de realçar o facto de a comunidade científica a nível mundial estar concentrada em encontrar uma solução rápida para resolver esta pandemia. E por isso, acredito que a famosa vacina que todos desejamos vai estar disponível bastante mais cedo do que é habitual noutras circunstâncias. 

Quais as vantagens da realização dos testes de imunidade? A que conclusões é possível chegar? Os resultados podem apontar qual o caminho a seguir? A COVID-19, tal como acontece noutras doenças, pode passar por alguns de nós de forma assintomática, nomeadamente nas crianças. Quer isto dizer que muitas pessoas podem já ter tido a doença, mesmo não sabendo. O que os testes de imunidade são capazes de mostrar é se os anticorpos existem no organismo. No caso de a resposta ser positiva, considera-se que essa pessoa está teoricamente imune ao vírus, sendo que o conhecimento nesta área ainda é limitado. Esta informação permitir-nos robustecer o conhecimento epidemiológico da pandemia e é também muito útil nas decisões que tomamos em termos de retoma de atividades, o que pode permitir ajudar a economia mais cedo. É muito diferente abrir uma escola onde achamos que ninguém foi infetado pelo SARS-CoV-2 ou sabermos que nesse estabelecimento uma percentagem significativa de pessoas já teve contacto com o vírus, reduzindo-se a probabilidade de novo surto nesse local. 

Que “normalidade” podemos esperar nos próximos tempos? Vamos ter de aprender a viver com o vírus? Não será uma normalidade. Será uma nova normalidade. Seria falacioso dizermos que vai ficar tudo bem quando este vírus já nos roubou tantas vidas humanas e quando teve e continuará a ter tanto impacto a nível da saúde mental, social, psicológico, cultural, económico, etc. Vamos mesmo ter de aprender a viver com o vírus, com a certeza de que estamos agora mais preparados para futuras pandemias ou doenças infeciosas, que serão certamente o grande desafio do futuro. A própria Organização Mundial de Saúde já tinha identificado o combate às doenças infeciosas como um dos maiores desafios de saúde pública para as próximas décadas. 

A imunidade está garantida aos recuperados da COVID-19? Os estudos que têm sido feitos em vários locais indicam que tanto as pessoas que desenvolveram formas mais graves da doença como as assintomáticas registam nos testes um índice elevado de anticorpos que potencialmente lhes conferirá imunidade. Contudo, ainda está por clarificar durante quando tempo perdurará essa imunidade, isto é, se será para sempre ou apenas durante alguns meses. Os cenários estão também em aberto perante possíveis mutações do vírus. Mas isto não nos deve retirar o otimismo ou a confiança. A ciência e a medicina estão, uma vez mais, a trabalhar lado a lado para fazer a nossa sociedade avançar e para encontrar respostas que nos permitam viver mais anos e com mais saúde. Até lá, cabe-nos a todos continuar a ajudar os profissionais de saúde que estão no terreno, seguindo as regras de segurança e protegendo-nos uns aos outros. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *