“NÓS SOMOS ADVOGADOS, O NOSSO ÚNICO COMPROMISSO É COM OS CIDADÃOS E COM OS SEUS DIREITOS”
O atual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, afirma que é impossível não exercer este cargo em exclusividade, uma vez que o mesmo exige “uma dedicação total”. Orgulhoso por poder afirmar que a Ordem dos Advogados está agora “mais empenhada na cidadania, menos voltada para os seus interesses corporativos e mais para os direitos e interesses legítimos dos cidadãos”, assegura que não está dependente do Governo, embora seja “uma associação pública, que exerce competências delegadas pelo Estado”. Marinho e Pinto acredita que a Ordem dos Advogados está a ser alvo, por parte do Governo e da atual ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de uma “vingança mesquinha, própria de quem não tem visão de Estado”, embora preste “um serviço público de inegável valor, ao participar na administração da justiça”. Perante o atual cenário, o bastonário defende que “os tribunais não podem fazer apreciações políticas”, mas concorda que as medidas de austeridade apresentadas pelo Governo são “politicamente erradas, condenáveis e devem ser contestadas”. Quanto ao Presidente da República, Marinho e Pinto afirma que Cavaco Silva “deveria falar menos pelo Facebook e atuar mais a partir do Palácio de Belém; deveria ser mais interventivo”.
Ser bastonário da Ordem dos Advogados é um cargo prestigiante que fica para a vida ou é uma missão?
É um cargo de bastante prestígio e, sobretudo, muito trabalhoso, que exige uma disponibilidade total e uma capacidade de combate e de luta bastante superior àquilo que eu pensava antes de vir para aqui. São várias as frentes em que a ação de um bastonário se desenrola, nomeadamente no relacionamento institucional com órgãos do Estado, com o Governo, com a Assembleia da República, mas também com o Presidente da República – que sempre recebeu o bastonário –, com os Tribunais, com os magistrados. Para além disto, é também de referir a gestão desta casa, que tem mais de 200 trabalhadores e é muito complexa, bem como o relacionamento com os órgãos internos, que têm quase 900 dirigentes, entre os órgãos nacionais, conselho geral, conselho superior, comissões, institutos, conselhos distritais e delegações. Há várias advocacias dentro da Ordem: de negócios, de assessoria – de lobbying se quiser- mos –, mas também uma advocacia tradicional que luta nos tribunais pela justiça e que é a maioria; e depois há uma advocacia de base em que se ganha bastante pouco mas na qual se trabalha bastante, a do apoio judiciário, do acesso ao direito. Essas várias advocacias geram interesses próprios, possuem aspirações próprias; uma delas tem uma grande influência no aparelho do Estado, no Governo, na Assembleia da República, onde tem os seus deputados, os seus sócios, e que tem vindo a modelar, progressivamente, ao longo das últimas décadas, a advocacia, a configuração legal da advocacia, em favor dos seus interesses específicos, que não são propriamente os interesses da maioria dos advogados. Isto tudo é, sobretudo, muito cansativo, exige uma dedicação total.
É então uma função para ser exercida em exclusividade?
Eu estou a exercê-la em exclusividade. Aliás, disse-o antes, nas três eleições em que concorri, e fi-lo de forma clara perante os advogados. Para se ser bastonário hoje, é necessário dedicar-se exclusivamente ao cargo, a ideia de que se pode estar aqui e na advocacia ao mesmo tempo acabou. Isso teve consequências muito más para a própria Ordem e para a advocacia. Eu estou em exclusividade e não chego. Sou a primeira pessoa a chegar aqui de manhã e estou cá praticamente todo o dia, a não ser que a agenda não o permita. É preciso estar aqui em exclusividade. Este é um cargo muito cansativo, muito trabalhoso e que exige uma disponibilidade total.
Temos hoje uma Ordem dos Advogados (OA) diferente? Quais são as suas principais fragilidades?
Temos muitas, nós não temos poder. O poder da OA é o da palavra dos seus dirigentes. Hoje, temos uma Ordem diferente, que está mais empenhada na cidadania, menos voltada para os seus interesses corporativos e mais voltada para os interesses dos cidadãos, que aliás são quem justifica e densifica a profissão de advogado. A profissão de advogado existe com clientes: cidadãos, empresas, entidades que necessitam de auxílio jurídico em tribunal ou fora dele. Portanto, temos uma Ordem mais empenhada na cidadania, mais voltada para a afirmação da advocacia como pilar essencial da administração da justiça. Não pode haver administração da justiça, muito menos boa administração da justiça, se não houver uma participação efetiva e intensa dos advogados. Isso exige que sejam respeitados nos tribunais e sejam tratados como um elemento essencial para a administração da justiça, como, aliás, diz a Constituição.
O que é necessário mudar para serem respeitados?
Isso não depende dos advogados, depende da cultura de outros agentes judiciais, nomeadamente dos magistrados, e do poder político. A Ordem dos Advogados está hoje a ser alvo de um ataque por parte do Governo, que nem no Estado Novo aconteceu. Este governo erigiu a Ordem dos Advogados como uma espécie de inimigo principal. A atual ministra da Justiça, com a cumplicidade do Governo e do primeiro-ministro, transformou a Ordem dos Advogados no seu principal inimigo. Isto pode parecer exagerado mas não é; é a pura das realidades. Tudo começou com uma auditoria ao sistema de apoio judiciário que é prestado por mais de 9 mil advogados. O Estado gasta com cada processo de apoio judiciário um décimo do que gasta o Reino Unido, por exemplo. Portugal gasta 300 euros, enquanto o Reino Unido gasta 3 mil euros; só por estes valores já se pode avaliar a diferença. Mas não é só o Reino Unido, a maioria dos estados da Europa ocidental gasta acima de mil euros, e dos 300 euros que Portugal gasta, só 200 é que são para pagar ao advogado, que só pode pedir a remuneração um mês depois de acabar o processo. E é bom não esquecer que há processos que duram anos e anos (em que o advogado está a trabalhar sem receber nada) e, mesmo assim, a ministra da Justiça lançou uma campanha de calúnias sem precedentes na nossa história. Havia situações de fraude enormes, de furtos na ação executiva por parte dos solicitadores de execução, incluindo o presidente da Câmara dos Solicitadores de então – não o atual –, que nem foram faladas; foram silenciadas pelo Governo. Só o anterior presidente da Câmara dos Solicitadores tinha furtado mais de 1 milhão e 500 mil euros aos clientes, aos credores que iam cobrar as suas dívidas através deles, e a ministra da Justiça e este governo não se preocuparam nada com isso. A ministra só quis atacar e caluniar publicamente os advogados para descredibilizar um sistema que, não sendo perfeito, estava a funcionar bem; tudo com o objectivo de o substituir por outro que lhe permitisse arranjar mais uns empregos para os seus apaniguados. Queria criar um núcleo de avençados, gerando na opinião pública a falsa ideia de que se diminuíam os custos.
Acha que foi um ajuste de contas?
A ministra da Justiça perdeu aqui, na Ordem, em 2004. Ela foi humilhada eleitoralmente, ela e o seu grande guru no Ministério da Justiça, João Correia. Foram humilhados aqui, nas eleições de 2004, ficaram em último lugar. Portanto, ficaram com a pedra no sapato em relação àquilo que classificaram como a advocacia dos descamisados. O que está a acontecer é um ajuste de contas, mas note, é um ajuste de contas perverso, como são todos os ajustes de contas feitos em política. Mas este é mais grave, porque a ministra devia fazer uma auditoria ao funcionamento da ação executiva, ao sistema do solicitador de execução e do agente de execução, e deveria punir exemplarmente aqueles que se apropriaram do dinheiro dos exequentes. Mas não, a ministra quis fazer a auditoria apenas no apoio judiciário, com a qual eu até concordei; só que a auditoria ainda não tinha começado e ela já estava a lançar notícias para os jornais, assassinas da dignidade e da honra dos advogados portugueses. Notícias completamente falsas – «8 milhões de euros de fraudes», «crimes no apoio judiciário» –, e onde havia os crimes comprovadamente demonstrados – havia solicitadores que fugiam com o dinheiro dos clientes para o estrangeiro ou iam gastá-lo em casinos – não fez nenhuma auditoria. Pelo contrário, aliou-se aos solicitadores para afastar da presidência da Comissão para a Eficácia da Ação Executiva a pessoa que tinha descoberto essas fraudes e que as tinha denunciado, a Dra. Paula Lourenço. E aí se viu quais as verdadeiras intenções do Governo e a hipocrisia das declarações da ministra da Justiça, quando dizia que queria combater a corrupção e a criminalidade económica. Ela aliou-se a um certo tipo de criminalidade dentro da própria Justiça para a esconder e não fez sequer uma auditoria nem promoveu nenhuma ação corretora.
Outra das medidas deste governo foi baixar as receitas pagas nas taxas da Justiça…
A ministra da Justiça aumentou, e muito, as custas judiciais e, ao mesmo tempo, tirou cerca de 1 milhão e 400 mil euros, por ano, à Ordem dos Advogados, por mera vingança, por mesquinhez própria de quem não tem visão de Estado das funções que ocupa.
Alegam que tais valores não têm paridade na Ordem dos Médicos nem na Ordem dos Engenheiros…
A Ordem presta um serviço público de inegável valor, ao participar na administração da justiça. Só para lhe dar um exemplo, a Ordem dos Advogados envia, gratuitamente, as suas publicações para centenas de advogados em África; a Ordem celebrou com o governo de Timor-Leste um protocolo para formar advogados para aquele país. Isto é do interesse do Estado e nós não temos nenhum apoio estatal nesta matéria ou noutras matérias. O Estado não gasta nada na preparação e formação dos advogados que vão exercer uma atividade essencial à administração da justiça (como diz a Constituição) que é o patrocínio forense.
Durante este triénio, quais são as medidas implementadas de que mais se orgulha? Quais as mais polémicas?
Nós fizemos muita coisa positiva, que este governo não reconhece e ataca a Ordem dos Advogados com uma sanha persecutória própria de quem é movido por sentimentos de vingança (…).