“AS CANDIDATURAS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NÃO SÃO PARTIDÁRIAS, SÃO DE INICIATIVA INDIVIDUAL”
Com uma presença discreta mas sempre assertiva, firme e determinada, Maria de Belém já desempenhou quase todos os cargos de relevância no PS e nos seus órgãos. Agora, e tendo em vista as eleições presidenciais de 2016, a deputada enfrenta um novo desafio na sua já vasta carreira, o de se candidatar a ser a primeira mulher Presidente da República em Portugal. A candidatura de Maria de Belém à Presidência da República é mais do que um “impulso” seu, porque, tal como revela, é fruto das “muitas pressões” que lhe foram sendo feitas ao longo do tempo por parte de “diversas pessoas da sociedade portuguesa”. Para a candidata a Belém, as funções principais de um Presidente da República estão longe de ser “executivas”, portanto, é preciso ter “muito cuidado” para não cair na tentação de se pensar que a Presidência da República é “um outro governo” ou “uma outra forma de governo”, sublinha. Levantando um pouco o véu sobre a sua candidatura, Maria de Belém afirma que o que defende é que o país “reganhe um estatuto de dignidade em termos externos – quer no domínio da União Europeia, quer em termos mais alargados, a nível global – e que, internamente, os portugueses aumentem a sua autoestima”. Com uma campanha eleitoral centrada na “representação adequada de todos os portugueses”, quer os que aqui estão quer os que estão espalhados pelo mundo, Maria de Belém assegura que vai apostar fortemente na “relação pessoal com os eleitores”.
Depois de Maria de Lourdes Pintasilgo, Portugal não voltou a ter nenhuma mulher primeiro-ministro e só nesta legislatura tivemos uma mulher presidente da Assembleia da República. Também nunca tivemos uma mulher Presidente da República. Apesar de todos os avanços, a política continua a ser uma atividade maioritariamente de homens?
Sim, a política continua a ser uma atividade maioritariamente de homens e os estudos indicam isso claramente. Sabemos que, na política, as mulheres estão ainda muito longe do lugar de destaque que a sua posição no mundo real poderia fazer crer que tivessem atingido. As mulheres neste momento são as pessoas mais qualificadas do país, são o maior número de professores universitários, de investigadores, e quando se fala em competência e mérito, se essa competência e mérito são avaliados, é precisamente nesse domínio. É estranho que, por um lado, continue a haver algum preconceito e, por outro, também alguma indisponibilidade das mulheres para se candidatarem a determinado tipo de lugares.
Foi dito que “a sua candidatura não é de convicção, mas de reação à de Sampaio da Nóvoa e que nunca se tinha ouvido uma palavra de intenção de Maria de Belém de um dia ocupar o Palácio de Belém”. Há quanto tempo anda a pensar candidatar-se à Presidência da República?
Eu posso dizer que as motivações podem existir, mas implicam sempre uma ponderação. E essa ponderação também leva em linha de conta o perfil das pessoas que se apresentam como potenciais candidatos. É evidente que o candidatar-me à Presidência da República, mais do que um impulso meu, correspondeu, também, a muitas pressões que me foram sendo feitas ao longo do tempo – há bastante tempo – por parte de diversas pessoas da sociedade portuguesa. Por outro lado, eu também considerei, perante o perfil das pessoas que em princípio se apresentarão como candidatas, que eu poderia, pelas minhas próprias características, acrescentar atributos pessoais e políticos que permitissem uma escolha mais clara àqueles que são chamados a votar para esse efeito.
Que compromissos prevê assumir no respeito pelo mandato que a Constituição confere ao Presidente da República?
A Constituição define, claramente, as funções principais que um Presidente da República deve ter e essas funções estão longe de ser executivas. É preciso ter muito cuidado para não cair na tentação de se pensar que a Presidência da República é um outro governo ou uma outra forma de governo. A Presidência da República está acima desse tipo de competências e tem, entre todas aquelas que a Constituição estabelece, uma função muito importante, em meu entender, que é a de representação do país e dos portugueses. Evidentemente que para o exercício das várias competências, designadamente esta, conta muito a avaliação que se faça do perfil de cada candidato, das características de personalidade de cada um dos candidatos ou das candidatas – neste caso haverá mais que uma, segundo aquilo que foi já anunciado – e isso significa que os portugueses vão ser chamados a escolher entre pessoas que têm diferentes graus de experiência política, e diferentes formas de ser e de estar, que já mostraram como são, como decidem. Os eleitores vão, sobretudo, avaliar a forma como essas pessoas já se comportaram na sua vida, para garantir que o cargo será exercido com toda a elevação, isenção e idoneidade. Eu acho que esta avaliação vai ser feita pelos portugueses no momento de votar.
Já desempenhou quase todos os cargos de relevância no partido e nos seus órgãos. No entanto, o PS ainda não afirmou que apoia a sua candidatura ou a de outro candidato, apesar dos rumores que fazem crer que o Partido Socialista vai apoiar Sampaio da Nóvoa. Que comentário faz?
Não faço comentário nenhum. O PS ainda não se pronunciou em relação ao apoio a nenhum dos candidatos, até pode considerar que não deve apoiar nenhum candidato, pelo menos numa primeira volta. É uma decisão que pode tomar. Seria um pouco diferente daquela que aconteceu em relação a todos os atos eleitorais para a Presidência da República, até agora, mas penso que os partidos também não devem ter que fazer o que sempre fizeram, numa altura em que tudo mudou. Tudo mudou à nossa volta, tudo mudou por parte da perceção do eleitorado, tudo mudou por parte das exigências do eleitorado. Na minha opinião, os partidos políticos também se devem adaptar as essas novas exigências e a essa nova sensibilidade e vontade do eleitorado. As pessoas são menos condicionáveis hoje do que o eram em épocas anteriores e, portanto, as decisões que os partidos tomam podem – e devem – ser soluções abertas. Penso que, numa primeira volta, os partidos deveriam deixar o eleitorado exprimir-se livremente, para garantir que a eleição para a Presidência da República não constitui mais um fator de afastamento das pessoas em relação aos partidos políticos.
A candidatura de Sampaio da Nóvoa representa uma preocupação para si? Poderá existir uma divisão do partido nas eleições presidenciais de 2016?
Eu acho que não. As candidaturas à Presidência da República não são partidárias, são de iniciativa individual, de exercício da cidadania ativa, de exercício daquilo que é importantíssimo para o robustecimento das democracias: cada um de nós deve assumir as suas responsabilidades e participar ativamente na vida política do seu país.
Com a sua candidatura, o que defende para o país?
Aquilo que eu defendo, entre outras coisas, é, sobretudo, que o país reganhe um estatuto de dignidade em termos externos – quer no domínio da União Europeia, quer em termos mais alargados, a nível global – e que, internamente, os portugueses aumentem a sua autoestima. Penso que o massacre que constituiu a crise económico-financeira que temos vindo a atravessar, as políticas que têm sido implementadas – sobretudo em relação aos países mais débeis –, teve um impacto terrível e conduziu ao enfraquecimento das condições sociais e económicas do país e do seu potencial de crescimento. Claro que há, neste conjunto, certas faixas da população que me preocupam em especial. Uma delas, como é evidente, é a dos mais idosos, porque a perda progressiva de capacidades e o envelhecimento muito acentuado da nossa população colocam-nos problemas específicos, já no presente e num futuro próximo. Mas aquilo que ainda me preocupa mais é a enorme percentagem de crianças pobres que temos, porque crianças pobres comprometem o seu próprio futuro e também o nosso, enquanto coletivo. Na minha opinião, há aqui um conjunto de ações que devem ser levadas a cabo, no sentido de lutarmos contra as consequências terríveis da pobreza infantil.
Está a preparar uma campanha centrada em que aspetos?
Em vários aspetos. Em primeiro lugar, na representação adequada de todos os portugueses, quer os que aqui estão quer os que estão espalhados pelo mundo, pois pertencemos todos à mesma comunidade. Internamente poderá haver muitos desafios – e vai haver em consequência dos resultados eleitorais –, porém, o maior desafio será fazer com que, independentemente do xadrez eleitoral, consigamos ter estabilidade de políticas e de condução de políticas que nos permita, por um lado, ter uma participação muito ativa a nível da União Europeia – no sentido de que a União Europeia seja capaz de perceber, estimar e de potenciar todo o xadrez dos países que a constituem e não agrave as assimetrias existentes – e, por outro lado, garantir, assegurar e reforçar o nosso papel de charneira – face à nossa localização geográfica – naquilo que são as novas multipolaridades a nível da política externa. É evidente que a política externa é conduzida pelo Governo, mas o Presidente da República tem, também aí, um papel a desempenhar, precisamente o de representação do país. Eu acho que tudo aquilo que nós devemos fazer é trabalhar, articuladamente, para que Portugal seja visto não como um país com problemas, desprestigiado, mas como um país que tem um povo absolutamente excecional, que merece respeito e reconhecimento. Independentemente das vicissitudes de determinadas crises globais, para as quais nós não contribuímos, mas por cujas consequências negativas fomos abrangidos, somos um povo talentoso e capaz. É necessário que essas crises globais possam acabar por constituir, não um ferrete mas, sobretudo, um estímulo para que nós possamos reforçar a nossa posição no quadro global.
Há algum Presidente da República em que se reveja? Porquê?
Os presidentes da República democráticos foram todos pessoas estimadas, e os níveis de aceitação que tiveram da população portuguesa demonstram bem que os portugueses estimaram o seu papel. Evidentemente que a crise financeira que nos assolou nos últimos sete anos teve impacto também na apreciação que os portugueses fazem das suas instituições e também o teve relativamente à avaliação que fizeram da instituição Presidente da República. Devo referir que, na minha opinião todas as personalidades que passaram por Belém se esforçaram, dentro das suas características próprias, por aumentar o prestígio do país, por incentivar o reforço do reconhecimento dos nossos talentos. Agora aquilo que está em avaliação é, de acordo com o perfil de cada um, quais foram aqueles que melhor souberam interpretar, no exercício dos seus mandatos, o papel que a Constituição lhes define e como é que os portugueses os avaliam.
O que pode um Presidente da República fazer para pôr fim ao ciclo de austeridade? Como se combate a austeridade enquanto ideologia europeia?
O Presidente da República não tem competências a nível das políticas do Executivo, mas nas suas relações, quer internas quer externas, ele deve sublinhar o impacto negativo terrível que as políticas de austeridade tiveram a nível dos mais frágeis e deve usar a sua capacidade de influência para o demonstrar no quadro do respeito pelos seus poderes.
Enquanto membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que leitura faz dos efeitos destas políticas de austeridade?
Acompanhei, por variadas razões – não só por causa das áreas em que tenho trabalhado mas também pelas funções que assumi na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa –, a análise desse mesmo impacto, em termos sociais e económicos, nos diferentes países que integram o Conselho da Europa. E fui mesmo autora de dois relatórios, um no início da crise e outro agora na sessão de junho, que foi a última em que participei. Na análise que hoje é feita de uma maneira objetiva, não apenas pelos economistas, que sempre foram contrários à bondade dos resultados destas políticas de austeridade, mas também por muitas organizações internacionais que são insuspeitas – por exemplo, o FMI –, já se avalia com uns olhos completamente diferentes o impacto dos programas impostos aos países sob assistência financeira. O FMI reconheceu os erros em relação às consequências negativas de algumas medidas a nível do desemprego ou do crescimento da pobreza, que na altura em que os programas foram impostos aos governos não eram esperadas. Acho que é altura para pôr a nu os dados trágicos destas políticas de austeridade. Para mim, um Presidente da República deve estar a par de tudo isto, deve estar muito informado sobre o que se passa no seu país e deve abrir os olhos dos que têm responsabilidades para o que sente e sofre o povo.
Na sua opinião, temos hoje uma Europa diferente?
O que tem acontecido na Europa, do ponto de vista da minha avaliação, é que ela está a mudar sem dizer que muda. Mas já se percebeu, e bem, que sobretudo os níveis de desigualdade crescente a que temos assistido são perigosíssimos do ponto de vista da coesão, da paz e da estabilidade e, particularmente, do crescimento económico.
Como encara as declarações de Vítor Ramalho, membro da Comissão Política Nacional do PS e que se afirma seu amigo, quando este declara que “não tem condições para ser candidata a Presidente da República”?
Essa é uma avaliação de Vítor Ramalho que eu estranho muito. Mas não me vou pronunciar sobre ele, porque os portugueses conhecem-me, vão conhecer-me ainda melhor e é a cada um dos eleitores que caberá fazer o seu juízo sobre quem eu sou e como sou.
Na sua opinião, a política de hoje é ou não feita de grandes cartazes e comícios? O que poderemos esperar da campanha de Maria de Belém?
A política continua a ser feita de uma maneira muito clássica e muito constante para uma realidade sociológica que mudou profundamente. Tendo isto em consideração, na minha opinião, uma campanha para a Presidência da República, ou a minha campanha, deve assentar muito na relação pessoal. Em iniciativas que me permitam ter uma relação pessoal com os eleitores. Não me vejo a encher o país de cartazes. Apostar nas metodologias clássicas das campanhas, que já estão um pouco ultrapassadas, é regredir e não caminhar para a frente.
Que comentário faz aos resultados obtidos pelo PS, e mais propriamente por António Costa, nestas eleições?
Peço a vossa compreensão, mas não sou comentadora política. A partir do momento em que me apresento como candidata a Presidente da República, devo estar acima dos partidos e não me intrometer nas relações entre eles. Se o fizesse, numa época em que precisamos de serenidade, moderação e sentido de compromisso, estaria a promover precisamente o contrário.
Na eventualidade de haver uma demissão por parte de António Costa, quem deveria, na sua opinião, assumir a liderança do partido?
O facto de ser militante do Partido Socialista e de ter exercido, enquanto tal, funções da maior responsabilidade, impede-me, ainda mais, de me pronunciar sobre a sua vida interna. E não o farei. O Partido Socialista tem uma História que fala por si e saberá encontrar, em cada momento, a solução que continuará a fazer dele o partido estruturante da democracia portuguesa, defensor da liberdade e promotor da correção das desigualdades que sempre foi.
A coligação PSD/CDS ganhou as eleições. Ser Presidente da República com um governo que continua a aplicar a mesma política perturba os seus projetos?
Os resultados eleitorais apontam para a imprescindibilidade da concertação como condição inseparável da governabilidade. Uma democracia adulta deve estar à altura de saber respeitar aquilo que o voto popular exprimiu. E o quadro constitucional define bem as funções presidenciais, designadamente nos domínios procedimentais, da transparência e da responsabilidade política das decisões a tomar. Um Presidente da República tem que saber sempre estar à altura das exigências de cada momento e o quadro que se aproxima está longe de ser fácil. Exige experiência política, ponderação, capacidade de mediação e enorme sentido de responsabilidade.