JOSÉ PEDRO AGUIAR-BRANCO

ACREDITO QUE O PARLAMENTO OCUPA UM LUGAR CENTRAL NO SISTEMA DEMOCRÁTICO

Para José Pedro Aguiar-Branco, assumir a presidência da Assembleia da República é mais do que uma honra, é um “compromisso para com a democracia”. Aguiar-Branco traz para o cargo a experiência acumulada como deputado, líder parlamentar e ministro, e, neste papel, busca “prestigiar a centralidade do Parlamento no sistema democrático” e “reforçar a proximidade com os cidadãos”, promovendo o diálogo num contexto parlamentar polarizado e fragmentado. Com uma visão apartidária, o presidente da Assembleia da República enfatiza o espírito de serviço público e o desafio de liderar com equilíbrio e equidistância. Na sua opinião o maior desafio é combater o desencanto democrático e entre ações concretas, destaca a proposta de “abertura do Parlamento aos fins de semana”. 

Preocupado com reformas legislativas essenciais, como a melhoria na justiça e a revisão do regime de incompatibilidades, o presidente defende consensos em prol do bem comum. Frente aos jovens, busca dialogar através de tecnologias e fóruns inovadores, enquanto reitera a importância da educação cívica para fortalecer a democracia.

Com foco no fortalecimento institucional, espera deixar no Parlamentos a marca da “normalidade cívica e democrática”, reforçando que, durante a sua presidência, haverá sempre “liberdade de expressão para todos os deputados, direito de os partidos se expressarem com autenticidade e todo o apoio a um clima de negociação, de trabalho conjunto e de construção de consensos”, conclui.

O que representa para si o ter assumido esta função de Presidente da Assembleia da República? 

É uma honra, porque é uma oportunidade de servir o Parlamento e a democracia. Fui deputado durante 10 anos, fui líder parlamentar e estive muitas vezes na Assembleia como ministro, a prestar esclarecimentos aos deputados. Acredito que o Parlamento ocupa um lugar central no sistema democrático e quero, enquanto Presidente, contribuir para prestigiar a Assembleia da República.  

Considera que este está a ser, até agora, o maior desafio da sua carreira? Porquê?  

Para mim, a política não é uma carreira. Sou advogado, sou cidadão. Estou como Presidente da Assembleia da República. Tenho desempenhado, ao longo da vida, diversos cargos políticos, sempre com esta consciência. Procuro encarar a função de Presidente da Assembleia da República com o mesmo espírito de serviço à causa pública e o mesmo desprendimento. É um desafio, mas abraço-o com gosto. 

Quais são os principais obstáculos que, na sua opinião, o Parlamento enfrenta atualmente? 

Estamos a comemorar os 50 anos da Revolução de Abril. Vamos assinalar, em breve, o cinquentenário das primeiras eleições livres, do 25 de Novembro e da Constituição de 1976. São datas muito importantes. A democracia deve ser celebrada, mas também construída e melhorada. E o Parlamento tem de estar no centro deste processo. Precisamos de reforçar a proximidade com os cidadãos e com o país. Estar junto do território. E gastar mais tempo a dialogar, a procurar soluções e consensos, num Parlamento mais polarizado que nunca. O país precisa de quem queira construir e trabalhar pelo bem comum.  

De que forma tem tentado vir a reforçar a ética e a transparência na Assembleia da República? 

Acredito que reforçamos a ética e a transparência quando aumentamos a visibilidade do trabalho parlamentar e o escrutínio dos cidadãos. Por isso, tenho-me esforçado para abrir o Parlamento às pessoas. Vamos abrir o Parlamento aos fins de semana e temos visitado, com os deputados de cada círculo eleitoral, os vários distritos, para fortalecer os laços entre os eleitores e os eleitos. Uma iniciativa que nunca tinha sido feita e que estamos a iniciar neste mandato. 

Qual é o seu papel, como Presidente da Assembleia, em facilitar o entendimento e a cooperação entre partidos com posições tão divergentes como os que temos atualmente? 

Temos, hoje, uma realidade a que não estávamos habituados em Portugal, com uma grande fragmentação parlamentar. Quando muitos pensavam que, neste novo cenário, o diálogo era impossível e que as instituições não iriam conseguir responder, a verdade é que têm conseguido fazê-lo. O Parlamento está a trabalhar. Tudo indica que teremos um Orçamento de Estado aprovado e o Governo, apesar de suportado por uma maioria relativa, tem conseguido governar.  

Enquanto Presidente, procuro contribuir para a normalidade institucional. Tratando os partidos com equidistância e preservando a liberdade de expressão de cada um dos deputados, que é a marca de um Parlamento a funcionar de forma regular. 

Quais são, na sua opinião, as principais reformas legislativas que gostaria de ver aprovadas durante o seu mandato? 

É público que tenho defendido a importância de uma reforma na Justiça, para combater a morosidade e reforçar a confiança dos cidadãos no sistema judicial. Mas também a reforma do regime das incompatibilidades, que afasta, cada vez mais, as pessoas do exercício dos cargos políticos. Sei que não é um tema popular, mas é fundamental melhorar a nossa capacidade de recrutamento para a atividade política.  

Julgo que os partidos devem sentar-se à mesa e, sem negar as suas diferenças, construir consensos a favor do bem comum. 

Como analisa o papel dos jovens na política e que medidas deverão ser adotadas para os atrair? 

Tenho estado com muitos jovens, em diferentes pontos do país. O que encontro é uma geração interessada, que quer participar na política, mas que nem sempre confia nos partidos ou nas instituições. Às vezes, porque não conhece, ou não percebe como funcionam. Por isso é tão importante abrir essas instituições às pessoas, mas também encontrar novas formas de interagir com os mais jovens. Utilizando por exemplo, as novas tecnologias, criando ferramentas e fóruns que permitam uma maior participação em temas que realmente interessam aos mais novos.  

Como equilibra os interesses dos vários partidos com os do país? 

O meu papel enquanto Presidente da Assembleia da República é ser imparcial e criar as condições para que os partidos e os deputados se expressem livremente. É preciso um clima de normalidade democrática para que cada partido possa manifestar a sua visão dos interesses do país. Cabe aos portugueses fazer uma avaliação e julgar nas urnas o que é dito e defendido por cada um dos partidos na Assembleia da República.  

Como avalia a postura dos diferentes partidos para alcançar um consenso em torno das medidas essenciais do orçamento, considerando a diversidade de forças no Parlamento? 

Não me cabe, enquanto Presidente da Assembleia da República, avaliar as posições dos partidos. Fico satisfeito que tenha sido possível dialogar, negociar e chegar a um consenso. Julgo que o país não teria compreendido que houvesse três eleições legislativas em três anos. Agora, espero que, noutras áreas, também seja possível construir consensos. Em democracia, negociar e ceder não é sair derrotado. 

De que forma deve o Parlamento adaptar-se aos desafios de segurança, como o cibercrime e as ameaças externas? 

São áreas às quais temos de estar muito atentos, porque o mundo está a mudar e os desafios são cada vez mais. Entendo que o mundo digital traz muitas oportunidades, mas também levanta questões novas, que têm de ser pensadas. O cibercrime, a proteção de dados, a exposição dos menores a conteúdos pornográficos e violentos, o uso excessivo das redes sociais. Em Portugal, as grandes decisões sobre o mundo digital resultaram sempre de consensos entre os partidos. Espero que isso possa continuar a acontecer. 

É favorável a uma revisão constitucional? Se sim, em que áreas? 

A revisão da Constituição obedece a procedimentos próprios. Os partidos que entendam podem apresentar uma proposta de revisão ordinária. Depois disso, é constituída uma Comissão Eventual e vai a votação no Plenário, onde é necessária uma maioria de dois terços, para uma revisão ordinária e de quatro quintos para uma revisão extraordinária.  

Como vê a importância da educação cívica para o fortalecimento da democracia? 

O Parlamento pode e deve contribuir para a cultura cívica do país. Recebemos diariamente muitas escolas e muitos cidadãos, que vêm visitar a Assembleia e assistir aos nossos trabalhos. Espero que isso possa acontecer cada vez mais e é também por isso que propus a abertura do Parlamento aos fins-de-semana. 

Como pode, na sua opinião, o Parlamento promover uma maior transparência nas finanças públicas? 

O Parlamento, além de representar os portugueses e de legislar, também é responsável por escrutinar o Governo. Nas diversas legislaturas, isso tem sempre acontecido. No plenário, nas comissões, nas perguntas escritas que os deputados enviam ao Governo, mas também nas Comissões de Inquérito. Neste mandato, já demos posse a várias, e pedi sempre que tivessem seriedade e celeridade. 

Considera que há espaço para simplificar o processo legislativo? 

Tenho defendido publicamente que é preciso rever o Regimento da Assembleia da República. Disse-o, aliás, logo no dia da minha eleição. Esse é um processo que deve envolver os vários partidos. Dou-lhe um exemplo: há uns meses, introduzimos um novo sistema de controlo de tempos no Plenário. Foi uma forma de garantir que o controlo do uso da palavra é feito de forma totalmente imparcial e, ao mesmo tempo, que os tempos são cumpridos. Foi uma boa alteração, e tem corrido muito bem. 

Na sua opinião, de que forma pode o Parlamento contribuir para reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, num momento em que o desencanto e a abstenção são preocupantes? 

O maior desafio é reforçar a proximidade entre o Parlamento e os cidadãos. A minha primeira decisão enquanto Presidente da Assembleia da República foi mandar retirar as grades que cercavam o Parlamento. Foi um ato simbólico, com o qual eu quis marcar o tom desta legislatura. Tudo o que temos feito desde então vai neste sentido: de abrir o Parlamento e de o aproximar das pessoas e de combater aquilo que tenho dito ser um dos maiores défices que temos no nosso país. O défice da participação.  

Acredita que o atual modelo de debates no Parlamento permite a representação eficaz das preocupações dos cidadãos, ou vê necessidade de reformas? 

Acredito na democracia representativa e acredito que o Parlamento é o lugar certo para representar a diversidade dos cidadãos. Por isso tenho insistido tanto na importância de defender a liberdade de expressão dos deputados. Quero que os deputados possam expressar-se sem condicionamentos e que as pessoas, na altura de votar, avaliem se estão a ser bem representadas. 

Considerando os desafios económicos e sociais que Portugal enfrenta, de que forma, na sua opinião, o Parlamento se pode tornar um espaço mais acessível e transparente para a população? 

Como referi anteriormente, uma das ideias que temos é a abertura do Parlamento aos fins de semana. Para quem trabalha e, sobretudo, para quem vive fora de Lisboa. Mas indo, também, ao encontro das pessoas. Foi por isso que lançámos a iniciativa Parlamento Próximo, que pretende aproximar a Assembleia da República do território nacional, através da realização de reuniões e encontros com as forças viva de cada um dos distritos em Portugal. Ouvindo as preocupações, e mostrando o trabalho que é desenvolvido na AR.   

Na sua opinião, quais as consequências para a Europa, e para o mundo, da vitória de Donald Trump nestas eleições americanas? 

O Presidente Trump venceu de forma clara estas eleições. Foi essa a vontade do povo americano, e temos de a respeitar. Estou certo de que as autoridades políticas, tanto em Portugal como na Europa, saberão trabalhar para preservar a aliança transatlântica e para estabelecer uma boa relação com a nova Administração. 

Podemos contar com a sua candidatura à Presidência da República em janeiro de 2026, ou será que estamos perante o próximo candidato à liderança da Câmara do Porto? 

Como tenho dito, quando estamos a fazer uma coisa e a pensar noutra, fazemos mal as duas. Estou focado no exercício das minhas funções como Presidente da Assembleia da República, e que devem terminar, segundo o acordo com o Partido Socialista, em setembro de 2026. 

Que mensagem gostaria de deixar aos portugueses sobre o papel do Parlamento? 

Cito o Presidente da República no discurso do 5 de Outubro: “a mais imperfeita democracia é muito melhor do que a ditadura”. Eu sou um democrata por convicção. Faz parte da minha história. Sou um democrata e um parlamentarista. Mas sei que o nosso sistema não é perfeito. Precisa sempre de ser construído, de ser melhorado, de se adaptar aos tempos, de acolher o contributo de todos. Quero que todos possam conhecer o Parlamento, confiar no Parlamento e participar na vida cívica e política. Portugal precisa de todos. 

Que marca quer deixar no Parlamento? 

A marca da normalidade cívica e democrática. Os portugueses não desejam a instabilidade, nem as crispações artificiais que paralisam as instituições e não deixam o país progredir. Comigo, haverá liberdade de expressão para todos os deputados, direito de os partidos se expressarem com autenticidade e todo o apoio a um clima de negociação, de trabalho conjunto e de construção de consensos. 

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