“ESPERAMOS QUE TODOS OS ATLETAS QUE PARTICIPEM NOS JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016 POSSAM CONFIRMAR AS MARCAS E OS RESULTADOS QUE ESTIVERAM NA ORIGEM DOS SEUS APURAMENTOS”
Licenciado em Educação Física e Desporto, pelo Instituto Nacional de Educação Física, José Manuel Constantino, o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), tem um currículo marcante, sempre ligado ao desporto. Presidiu à Confederação do Desporto de Portugal, entre 2000 e 2002, ao Instituto do Desporto de Portugal, entre 2002 e 2005, e foi membro do Conselho Superior do Desporto, entre 2001 e 2005. Enquanto presidente do COP, um dos seus principais objetivos passa por “reposicionar o Comité Olímpico de Portugal na sociedade portuguesa de uma forma distinta daquela como tradicionalmente é percecionado”. Com um mandato que só terminará após a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos Rio 2016, para o presidente do Comité Olímpico de Portugal o facto de o desporto ter, em Portugal, um papel secundário é “um problema cultural”, que obriga a um trabalho que não tem “resultados imediatos”. Contudo, e na sua opinião, atualmente a sociedade portuguesa dá uma importância “mais significativa” ao desporto do que há duas décadas atrás, mas ainda assim não é suficiente para nos colocar em “igualdade de circunstâncias” com outros países. Quanto à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos Rio 2016, José Manuel Constantino revela que até ao encerramento do processo de apuramento contam vir a ter um número de atletas “superior” àquele que esteve nos Jogos Olímpicos de Londres.
Quais são, de um modo geral, os objetivos do Comité Olímpico de Portugal?
O Comité Olímpico de Portugal tem como principais objetivos representar o movimento olímpico internacional em Portugal e cumprir todas as missões que lhe são atribuídas no âmbito da organização dos diferentes eventos que ocorrem no período de cada ciclo olímpico. De destacar as participações nos Jogos Olímpicos, de verão e de inverno, nos festivais da juventude europeus e mundiais e também recentemente nos Jogos Europeus, que se prevê que se venham a repetir nos próximos ciclos olímpicos.
Que balanço faz destes dois anos de mandato?
Ainda não faço um balanço, espero fazê-lo, apenas, no final do ciclo. Estamos sensivelmente a meio e, portanto, nestas coisas o importante não é como se começa mas sim como se acaba, e como ainda estou longe de acabar, vou deixar esse balanço para mais tarde. Todavia, temos encontrado algumas dificuldades por força dos constrangimentos financeiros a que estamos sujeitos num quadro em que o grau de exigências é cada vez maior e em que era necessário ter mais recursos, financeiros, humanos, para poder estar em todas as frentes de trabalho para as quais somos solicitados, mas digamos que no momento – e faltando ainda cerca de um ano e meio para terminar – o balanço é positivo. Para mim, a questão do encerramento do ciclo é determinante, até porque é acompanhada pela nossa participação nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro e por aquilo que vierem a ser os resultados da missão olímpica nacional nesses jogos.
Quais os principais objetivos que definiu para o seu mandato?
Há um objetivo de natureza genérica, que é reposicionar o Comité Olímpico de Portugal na sociedade portuguesa de uma forma distinta daquela como tradicionalmente é percecionado. Ao mesmo tempo pretendemos fazer tudo aquilo que estiver ao nosso alcance para a valorização do desporto.
Na sua opinião, quais são os principais problemas que o desporto enfrenta atualmente em Portugal?
São problemas que têm a ver com a ordem de importância que a sociedade portuguesa dá ao desporto. É um problema de natureza cultural e eu creio que o nosso maior obstáculo prende-se com o facto de a sociedade portuguesa não ser, propriamente, uma sociedade que dá ao desporto aquilo que ele – do meu ponto de vista – merece. Uma parte do trabalho do Comité Olímpico de Portugal é precisamente procurar valorizar, junto da comunidade, a importância social que o desporto tem para uma sociedade moderna.
O papel secundário do desporto em Portugal é uma questão cultural?
Sim, considero que é um problema cultural e é necessário fazer um trabalho que não tem resultados imediatos, que obriga à passagem por várias gerações de modo a que a situação seja distinta daquela que é atualmente. Reconheço que hoje, apesar de tudo, a sociedade portuguesa dá uma importância mais significativa ao desporto do que há duas décadas atrás e, portanto, reconheço que há um progresso, só que não é o suficiente para nos colocar em igualdade de circunstâncias com países com quem, por vezes, temos de nos medir, do ponto de vista da competitividade internacional. Temos esse défice, que se revela em múltiplos aspetos e, sobretudo, no modo como o desporto é tratado na sociedade portuguesa.
O financiamento é um problema para o desporto em Portugal? De onde chegam os apoios para as missões dos atletas? Das federações, do Estado, de empresas privadas?
Do Estado chega a parte mais significativa, uma outra parte chega dos patrocínios comerciais e outra parte ainda do Comité Olímpico Internacional e das suas diferentes organizações e, portanto, há uma tripla entrada de recursos financeiros no Comité Olímpico de Portugal.
Como se pode atrair as grandes empresas para o financiamento do desporto?
Por um lado, no âmbito das responsabilidades das empresas, existe a necessidade de estas percecionarem que as missões olímpicas nacionais são de interesse público e, como tal, há a obrigação cívica de as apoiar e ajudar. Em simultâneo, é necessário ter presente que o Comité Olímpico de Portugal é uma associação de natureza não lucrativa, que trabalha no âmbito da sua direção no regime de voluntariado, que presta um serviço de natureza e sentido público ao país e que nesse sentido deve ser objeto de apoio e de estima. Desta forma, o Comité Olímpico deve ser incluído no conjunto de iniciativas que são objeto de apoio da parte do setor empresarial. Há ainda um trabalho, que é da nossa responsabilidade, de reposicionar o desporto, o movimento olímpico, o Comité Olímpico, com uma outra lógica de atratividade para o setor empresarial, valorizando e dignificando o nosso trabalho e apresentando-nos como um exemplo suscetível de atrair o patrocínio privado para as nossas ações.
O Estado português tem feito tudo o que pode pelos atletas nacionais e pela produção de atletas?
Posso considerar que o Estado português tem feito aquilo que, no quadro das possibilidades existentes, lhe é permitido. Eu não gostaria de construir um discurso que de algum modo limite as nossas ambições por força do facto de os apoios financeiros do Estado ficarem aquém daquilo que seria desejado. O Comité Olímpico, em momentos próprios e nos locais próprios, tem chamado a atenção para aquilo que considera serem constrangimentos do nosso sistema desportivo, onde a questão do financiamento também é evocada e sublinhada. Eu não procuro justificar ou desculpar o que quer que seja, designadamente a competitividade do desporto nacional, por força dos constrangimentos de natureza financeira, que são um facto mas que eu não o apresento como um fator de natureza limitativa, porque senão não tinha aceite as responsabilidades que aceitei. Quando aceitei este cargo eu já sabia que os recursos que iria ter disponíveis não seriam aqueles que necessitaria.
Mas se tivéssemos um Estado mais participativo poderíamos ter mais e melhores atletas?
À partida sim, em termos teóricos sim. Não há uma relação direta de causa/efeito entre o nível de financiamento e os resultados, mas o facto de haver mais financiamento potencia a possibilidade de haver melhores resultados.
Qual a relação do Comité Olímpico de Portugal com as diferentes federações desportivas existentes em Portugal?
É uma relação de perfeita colaboração e de cooperação. O Comité Olímpico é a casa de todas as federações desportivas, nós somos uma emanação das federações desportivas e trabalhamos para elas e com elas. É uma relação pautada pelo mais estrito respeito pela autonomia e independência de cada uma das partes, mas sempre com uma cultura de compromisso e com um sentido de cooperação que anima todo o nosso trabalho, porque todo ele é dirigido aos treinadores, aos atletas, às federações. Nós não trabalhamos para nós próprios, trabalhamos para Portugal e para os agentes desportivos.
Quais as principais divergências entre estas instituições?
Não tenho divergências para assinalar. É provável que elas existam, assim como pontos de vista distintos, mas as nossas relações são pautadas pelo mais estrito sentido de colaboração e de responsabilidade.
Os Centros de Alto Rendimento foram uma aposta falhada?
Eu considero, em primeiro lugar, que não são Centros de Alto Rendimento, são polos de especialização desportiva, porque muitos deles não dispõem do conjunto de valências que um Centro de Alto Rendimento deve dispor, mas enquanto polos de desenvolvimento e de especialização desportiva são úteis ao trabalho das nossas federações e dos nossos atletas. A situação é muito díspar de centro para centro. Há, de facto, centros onde há problemas, onde se começou muito bem e depois os problemas surgiram, outros onde os problemas foram superados. Portanto, o balanço é muito assimétrico. Aquilo que espero é que se alcance um patamar que permita a otimização e o aproveitamento desses recursos a favor do desporto nacional.
Se tivesse que destacar um desses centros como aquele que melhor cumpre a função para a qual foi criado, qual destacaria?
Eu penso que o centro de Rio Maior é um excelente centro. O da Anadia também é muito bom.
Estamos a menos de um ano dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Como está a correr a preparação da missão portuguesa?
Está a correr de forma satisfatória. O processo ainda não está encerrado, só se encerrará mais próximo das datas dos jogos, porque é aí que se encerra o processo de apuramento para as diferentes modalidades olímpicas, mas, até à data, as coisas têm corrido de forma favorável. O número dos atletas que estão integrados ultrapassa a nossa expectativa, e esperamos, até ao encerramento do processo de apuramento, ter um número de atletas superior àquele que tivemos nos Jogos Olímpicos de Londres.
Para já, qual é o número dos atletas que fazem parte desta missão?
Neste momento contamos com 44 atletas.
Quais os principais objetivos da missão Rio 2016?
Esperamos que todos os atletas que participem nos Jogos Olímpicos Rio 2016 possam, durante os mesmos, confirmar as marcas e os resultados que estiveram na origem dos seus apuramentos. Melhor será se se puderem superar, se ficarem para além dos seus apuramentos.
Falar de resultados é inevitável. Portugal poderá ser candidato a algum lugar no pódio? Em que modalidade?
Nas modalidades que têm, até à data, tido lugares de pódio em campeonatos do mundo.
Quais as principais modalidades já apuradas para os Jogos Olímpicos?
Tiro, futebol, canoagem, natação, atletismo e vela.
Qual a importância da integração de uma equipa de futebol nos Jogos Olímpicos de 2016?
É muito positivo. O futebol é a modalidade mais praticada em Portugal, é a modalidade que suscita maior atratividade junto do público. Para além disto, Portugal tem nesta modalidade posições cimeiras nos rankings internacionais, estranho seria que não estivesse representado numa competição como os Jogos Olímpicos. Felizmente conseguimos garantir esse apuramento, através de uma direção muito focada, precisamente, no objetivo de atingir o apuramento para poder participar nos Jogos Olímpicos, e agora vamos aguardar que essa participação possa ter resultados equivalentes àquilo que a Seleção Sub 21 tem alcançado nas diferentes competições internacionais em que tem participado.
Quantas pessoas estão envolvidas na preparação dos Jogos Olímpicos de 2016?
Entre federações e atletas, são várias centenas de pessoas.
Comparativamente à organização de outras missões desportivas, tem sentido o impacto da crise na preparação da missão Rio 2016?
Não propriamente no âmbito da preparação olímpica porque o pacote financeiro que foi contratualizado com o Estado é até superior a ciclos olímpicos anteriores e, portanto, há mais meios. Mas houve um decréscimo significativo no apoio financeiro às federações, no âmbito do alto rendimento e, portanto, é natural que as federações tenham sentido o efeito dessas reduções que, em alguns casos, foi bastante significativo.
Os Jogos Olímpicos de 2016 vão ser organizados num país lusófono. Qual a importância dos mesmos para Portugal?
Portugal devia aproveitar para se afirmar como um país fundador da língua, como um país que pretende mostrar-se ao mundo e fazê-lo num contexto em que tem a língua como elemento de união. Portanto, seja na área política, económica, empresarial ou cultural, creio que deveria, neste momento, haver uma enorme mobilização para se aproveitar as circunstâncias da realização destes jogos num país que fala português. Portugal deveria estar presente também, não apenas com uma delegação desportiva, porque isso já o faz em todos os Jogos Olímpicos, independentemente do país onde eles se organizam. Estranharei se o nosso país não se mobilizar para se mostrar ao mundo. E acho que devemos ter uma presença muito para além da desportiva.
Qual a mensagem que gostaria de deixar a todos os intervenientes na missão Rio 2016?
Quero deixar uma mensagem de esperança, de otimismo e de expectativa. Que os nossos atletas possam, efetivamente, mostrar no Brasil o melhor que têm, o seu talento, a sua capacidade. O facto de terem sido apurados para participar nos jogos já é um reconhecimento de um elevado mérito desportivo e nós esperamos que, no âmbito das competições, consigam confirmar esse mérito e dar alegrias e satisfação aos portugueses.
O que mudou na participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de 1912 até agora?
Mudou, sobretudo, uma atenção que estava, nos primórdios do Comité Olímpico – que se chamava Comité Olímpico Português –, muito centrada na organização das missões, para uma intervenção que hoje se pauta por um plano societário que, tendo o desporto como elemento de referência, não se esgota nas organizações das missões olímpicas.
Na sua opinião, os Jogos Olímpicos são uma competição entre atletas ou entre países?
Entre atletas que representam países e, nesse sentido, não se avalia apenas as competências entre atletas e o seu valor desportivo, avaliam-se também as capacidades desportivas dos países. Os países têm também a sua competição.
A verdade é que quando há um atleta no pódio é o hino do seu país que se ouve…
Há um atleta no pódio, é o hino do país que é tocado. Quando os três atletas estão no pódio é a bandeira dos respetivos países que sobe. No próprio desfile de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos, os atletas desfilam atrás da bandeira do seu país. O facto de a Carta Olímpica referir que a competição dos Jogos Olímpicos não é uma competição entre países mas entre atletas é desmentida pela própria realidade dos factos. Porque as cerimónias que coroam os vencedores são acompanhadas de elementos identificativos dos próprios países. Assim, é impossível passar ao lado da comparação entre os países.
Como é feita a reintegração dos atletas na sociedade depois de estes deixarem de competir? Qual o papel desempenhado pelo Comité Olímpico de Portugal nesta reintegração?
O Comité Olímpico procura intervir em vários pontos. Por um lado, procura valorizar todas as carreiras desportivas que conseguem conciliar a preparação académica com a desportiva, procurando que os fatores que perturbam esta conciliação, designadamente na área dos estudos, possam ser alterados de modo a que seja possível que quem esteja na preparação desportiva não tenha necessariamente que abandonar a sua preparação académica, pois é esta que vai permitir a aquisição de competências que depois tornarão mais fácil a integração dos atletas no mercado de trabalho, quando a carreira desportiva termina. Temos uma segunda intervenção, ao nível da criação de condições favoráveis para a empregabilidade dos atletas que passam pela preparação olímpica, através de um programa de responsabilidade social que o Comité Olímpico tem e a que se associam várias entidades empresariais, que criam a possibilidade ou de estágios profissionais ou mesmo de empregos remunerados. Em terceiro lugar, para quem não tem formação académica ou possibilidade de empregabilidade imediata, procuramos encontrar mecanismos de aquisição rápida de competências tradicionais que permitam aos atletas ter mais “armas” para concorrer no mercado de trabalho. É evidente que esta situação, que já é por si só complexa, se agrava quando o país tem os índices de desemprego e as dificuldades de empregabilidade que tem. Não é fácil, embora hoje seja confirmável que, contrariamente ao que acontecia em gerações anteriores, há 20 anos, por exemplo, o número de atletas que estão em preparação olímpica e que estão em formação superior ou que já detêm essa formação é incomparavelmente superior àquilo que se passava há décadas atrás, e creio que isso no futuro criará condições favoráveis à empregabilidade no pós-competição.