JOSÉ LUÍS CARNEIRO

“ESTAMOS INVESTIDOS DE UMA GRANDE RESPONSABILIDADE, QUE ENCARAMOS COM DETERMINAÇÃO”

Licenciado em Relações Internacionais, mestre em Estudos Africanos e doutorando em Ciência Política e Administração no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, professor, autarca, tendo estado 10 anos no Comité das Regiões da União Europeia, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e secretário-geral adjunto do PS durante dois anos, José Luís Carneiro é o atual ministro da Administração Interna.
Responsável por uma área governativa tão“complexa e dinâmica”,o ministro define e conduz “políticas públicas numa multiplicidade de vertentes que se revestem de elevada importância para a sociedade, para o funcionamento do Estado de Direito e para a defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos”, conclui.
Em termos de prioridades do mandato, José Luís Carneiro destaca “a conclusão do processo de reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com a separação entre as funções policiais e as de integração, em que as primeiras transitam para as forças de segurança e para a PJ e as segundas vão ser assumidas pela futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA)”,bem como a implementação da “Estratégia Integrada de Segurança Urbana, acompanhada pelo rejuvenescimento e a melhoria das condições salariais, de trabalho e de natureza social dos profissionais da GNR e da PSP”.
No que ao futuro diz respeito, o ministro da Administração Interna acredita que este passará pelo que vier a ser o “Conceito Estratégico de Segurança Interna”, uma vez que a segurança interna é dos pilares da Segurança Nacional.
Na opinião de José Luís Carneiro, o futuro passará também pela “modernização e inovação no quadro da transformação digital”, nomeadamente com o “reforço da segurança da Rede Nacional de Segurança Interna”, sublinha o ministro.

A ADMINISTRAÇÃO INTERNA É UM DOS LUGARES MAIS COMPLEXOS DE QUALQUER GOVERNO. QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFICULDADES DA PASTA QUE TUTELA?

Como é sabido, esta área governativa é responsável pela definição e condução de políticas públicas numa multiplicidade de vertentes que se revestem de elevada importância para a nossa sociedade, para o funcionamento do Estado de Direito e para a defesa dos direitos constitucionais. Podemos referir, entre as várias dimensões, a das forças e serviços de segurança, a da proteção civil, a que cuida da segurança rodoviária, ainda a componente da administração eleitoral ou a segurança das fronteiras portuguesas e europeias.

Os cidadãos esperam, legitimamente, viver uma vida com segurança, tranquilidade, paz social e respeito pelas liberdades, direitos e garantias inscritas na nossa Constituição. Todas as dimensões de política pública a cargo do Ministério da Administração Interna concorrem decisivamente para que se alcancem estes objetivos.

Mais do que dizer que enfrentamos uma grande dificuldade na chegada a estas funções, diríamos que estamos investidos de uma grande responsabilidade, que encaramos com determinação e com a consciência plena de que a elas temos de dedicar o melhor das nossas capacidades.

QUAIS SÃO, NESTE MOMENTO, AS PRIORIDADES DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA?

A conclusão do processo de reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com a separação entre as funções policiais e as de integração, em que as primeiras transitam para as forças de segurança e para a PJ e as segundas vão ser assumidas pela futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA). Outra prioridade é a de definir e implementar a Estratégia Integrada de Segurança Urbana, acompanhada pelo rejuvenescimento e pela melhoria das condições salariais, de trabalho e de natureza social dos profissionais da GNR e da PSP. O Orçamento do Estado para 2023 prevê os maiores aumentos salariais da década na PSP e na GNR, e temos uma perspetiva de reforço salarial ao longo de toda a legislatura. Ao mesmo tempo estamos a trabalhar, com recursos do PRR, na criação de habitação para os elementos que ingressam na PSP e na GNR e que se vêm deslocados, sendo que esta medida incide predominantemente, mas não de forma exclusiva, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Trabalhamos, ainda, em diálogo com autarquias locais das áreas metropolitanas na criação de um pacote de apoios sociais para elementos das forças de segurança. Este é um esforço ainda de carácter exploratório, que depois deverá ser alargado a outros territórios nacionais.

Pretendemos, igualmente, consolidar a reforma do Sistema de Proteção Civil. Neste âmbito, a criação de novas equipas de bombeiros profissionais (as designadas EIP – Equipas de Intervenção Permanente) e a implementação dos comandos sub-regionais da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil em janeiro de 2023 são duas dimensões importantes. Posso também referenciar o desejo deste ministério em contribuir para o apereiçoamento das leis eleitorais. Trata-se de uma competência exclusiva da Assembleia da República, contudo temos trabalho realizado nesse domínio e já manifestámos a nossa disponibilidade para colaborar ativamente.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É UM DOS CRIMES MAIS PARTICIPADOS ÀS AUTORIDADES COMPETENTES. NA SUA OPINIÃO SÃO NECESSÁRIAS MEDIDAS URGENTES PARA TRAVAR ESTE PROBLEMA? DE QUE MEDIDAS ESTAMOS A FALAR?

Tem havido um aumento da participação desses crimes e que resulta de uma maior perceção e sensibilização para a sua gravidade. A formação dada nesse domínio a mais de 8 mil elementos da GNR e da PSP, e a existência de quase 500 salas de atendimento à vítima, completamente operacionais em instalações das forças de segurança, são medidas que vão prosseguir. Aliás, todas as novas instalações da GNR e da PSP incluem, de raiz, um espaço próprio para esse efeito. Recordo ainda que estão a ser concluídos os trabalhos relativos à base de dados da violência doméstica, em conjunto com outros ministérios, bem como com a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Superior da Magistratura. Acabámos também de inaugurar duas estruturas multidisciplinares de acompanhamento de vítimas de violência, em Loures e Évora, com envolvimento da GNR e da PSP, das autarquias e de outras estruturas do Estado.

AINDA A NÍVEL DA SEGURANÇA E DOS CRIMES, A QUESTÃO DO CRESCIMENTO DOS GANGUES JUVENIS ESTÁ TAMBÉM A REVELAR-SE UM PROBLEMA GRAVE? QUE MEDIDAS ESTÃO JÁ A SER TOMADAS?

Não se pode afirmar que tenha havido um crescimento. Com o desconfinamento e os efeitos da pandemia na saúde mental, há indicadores que apontam para um ressurgimento desse fenómeno.Esta situação levou-nos a criar uma Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta como forma de a estudar em profundidade, para podermos desenvolver políticas públicas coerentes, adequadas e assentes em pressupostos fiáveis nas várias vertentes desse problema. Neste contexto, podemos afirmar que têm sido ouvidas várias entidades, desde organizações da sociedade civil, académicos e investigadores, tendo tido também “voz” representantes juvenis associados à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens. Por outro lado, a prevenção desse tipo de criminalidade estará contemplada na Estratégia Integrada de Segurança Urbana, que defini como uma das prioridades para esta legislatura e para a qual já recolhemos variados e importantes contributos, nomeadamente no decurso das II Conferências de Segurança Urbana, que tiveram lugar em Coimbra. Dois instrumentos que já podemos identificar como relevantes para esse objetivo serão a nova geração de Contratos Locais de Segurança e o programa Escola Segura, também adaptado às novas realidades.

O QUE É NECESSÁRIO FAZER PARA QUE PORTUGAL, NÃO OBSTANTE AS QUESTÕES JÁ FALADAS, CONTINUE A SER CONSIDERADO UM DOS PAÍSES MAIS SEGUROS DO MUNDO?

Devemos prosseguir com o caminho que tem vindo a ser feito, nomeadamente com o reforço do dispositivo policial, mais robusto e operacional, e o consequente reforço do policiamento de proximidade e de visibilidade, em especial nas áreas urbanas. Esta abordagem contribui para o aumento do sentimento de segurança das populações e para solidificar a confiança nas instituições. A adoção de mais videovigilância nos centros urbanos, com recurso à analítica, e o uso das chamadas bodycams pelos membros das forças de segurança são outras duas medidas que ajudarão Portugal a aperfeiçoar as políticas públicas na área da segurança interna.

Dito isto, tudo começa nas atitudes e com- portamentos que cada um de nós adota por- que a polícia só intervém quando já se está no fim da linha. Portanto, temos de refletir, enquanto comunidade, sobre como melhorar as condições de igualdade entre todos os cidadãos no acesso e usufruto de bens públicos essenciais e como desenvolver uma sociedade mais consciente em matéria de valores da nossa vida coletiva, porque não podemos nem é desejável querermos ter um polícia por cada cidadão. Esta visão obriga a uma abordagem multidisciplinar e integrada das políticas públicas, que olhe para as dimensões da habitação, dos transportes, da educação, das políticas sociais e da saúde, incluindo na vertente da saúde mental.

MUITOS DOS AGENTES DAS FORÇAS DE SEGURANÇA TÊM SIDO FERIDOS NO DECORRER DAS SUAS FUNÇÕES. QUE COMENTÁRIO FAZ?

Qualquer agressão a um agente de autoridade é, em si mesma, um ataque ao Estado de Direito democrático. É, como tal, algo com que não podemos pactuar. Trata-se de uma circunstância que tem sido potenciada pelo impacto nos comportamentos e na saúde mental dos cidadãos, no seguimento dos confinamentos exigidos pelo combate à pandemia. Neste domínio, temos um olhar muito atento à necessidade de dotar, cada vez mais, as nossas forças de segurança com melhores equipamentos de proteção, sendo que pre- vemos investir, até 2026, um total de 15,3 milhões de euros em equipamento de proteção individual. Devemos proteger os elementos das forças de segurança, que são a maior garantia de tranquilidade e estabilidade na nossa sociedade, da ordem e segurança pública. Como já referimos, iremos implementar outras medidas para valorizar as carreiras e as condições de trabalho dos elementos das forças de segurança.

O QUE LEVOU O GOVERNO A GARANTIR O REFORÇO DO SUBSÍDIO DE RISCO PARA AS FORÇAS DE SEGURANÇA?

Deve ser mencionado que essa decisão foi tomada na anterior legislatura. Tratou-se de uma questão de justiça e de valorização das condições materiais dos elementos das forças de segurança. É importante notar que o suplemento de risco possui duas dimensões: uma componente fixa, no valor de 100 euros; e uma componente variável, que representa 20% do salário base. Olhando para as duas componentes, o valor do suplemento vai dos 279 aos 947 euros. Neste caso, o aumento em mais do triplo do valor de 31 euros, para 100 euros, incidiu na componente fixa do suplemento e não na parte variável, permitindo melhorar especialmente as remunerações mais baixas. Esta revisão representou um investimento adicional, permanente, da ordem dos 50 milhões de euros anuais.
No quadro da valorização salarial dos elemen- tos das forças de segurança, numa perspetiva plurianual, prevê-se, até 2026, um aumento médio anual de 5% dos salários. Isto significa que até ao final da legislatura teremos ganhos salariais médios de 20%, portanto irá existir um reforço, também por via da componente variável do suplemento de risco, que, como já vimos, representa 20% da base salarial. Noutra vertente, foi implementado o pa- gamento dos retroativos de suplementos remuneratórios não pagos, em períodos de férias, devidos aos elementos da GNR e da PSP, que teve início em 2020 e será pago de forma faseada até 2023, à razão de 28,5 milhões de euros por ano.

DURANTE O SEU MANDATO VAI SER RECUPERADA A DISCUSSÃO SOBRE A CRIAÇÃO DE UMA POLÍCIA ÚNICA NACIONAL?

Não. Essa não é uma opção que esteja nos compromissos assumidos pelo programa do Governo nem concordamos com ela. O nosso modelo plural é a garantia de um sistema com maiores níveis de autocontrolo e regulação. Aquilo em que apostamos é na criação de serviços comuns partilhados, por exemplo no domínio da logística ou áreas administrativas, a exemplo do que já existe ao nível dos serviços de informações. Ou seja, reduzem-se duplicações, o que permite colocar mais elementos policiais ao serviço direto das populações e, ainda, reduzem-se custos, o que permite libertar recursos que podem ser aplicados noutros domínios.

A QUE SE DEVE O CRESCIMENTO DO ORÇAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA PARA 2023? EM QUE SERÃO APLICADAS AS VERBAS?

O Orçamento do Estado previsto para 2023 é de 2601 milhões de euros, mais 220 milhões do que em 2022, e visa um objetivo muito claro: valorizar as remunerações dos profissionais das forças de segurança, melhorar as suas infraestruturas e modernizar os equipamentos com que cumprem as suas missões. Para isso é muito importante olhar para o novo diploma de investimento plurianual, no valor de 607 milhões de euros, que dá continuidade ao programa iniciado em 2017 e que permitiu executar mais de 340 milhões de euros nessas duas componentes.

Estamos também muito empenhados em potenciar a execução de fundos comunitários, tanto no quadro comunitário de apoio, como no Plano de Recuperação e Resiliência, que constitui uma oportunidade ímpar para o nosso país.

Outra área de prioridade importante passa por promover a progressiva profissionalização dos corpos de bombeiros, sem desvalorizar a importância do voluntariado. Para esse efeito, será aumentada a remuneração mensal dos bombeiros que integram as EIP em 6,9% (de 757,01 para 809,13 euros), num encargo suplementar de cerca de 3,6 milhões de euros. Deste modo, atingida a sua plenitude de funções, as EIP representarão um impacto financeiro de 27 milhões de euros para o Estado Português e outro tanto para as autarquias.

Poderíamos destacar igualmente medidas como o aumento do financiamento permanente às Associações Humanitárias de Bombeiros, na ordem dos 6,7%, atingindo-se o valor mais alto de sempre, de 31,7 milhões de euros; o robustecimento do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), no valor de 52,6 milhões de euros; a aquisição, no âmbito do PRR, de 81 veículos de combate a incêndios rurais e que será a maior distribuição de veículos desde 1980; a aquisição de de equipamentos de proteção individual e formar 3300 agentes de proteção civil, através da Escola Nacional de Bombeiros.

FALOU, NO SEU ÚLTIMO DISCURSO NA AS- SEMBLEIA DA REPÚBLICA, DE UMA PERSPETIVA DE FUNDO DA SEGURANÇA. POR ONDE PASSA ESSA ESTRATÉGIA?

O reforço do policiamento de visibilidade e de proximidade é uma pedra basilar dessa abordagem, a par do reforço da videovigilância, seja nos centros urbanos seja através do uso de câmaras portáteis pelos guardas da GNR e pelos polícias da PSP. Estas medidas serão complementadas com um novo modelo do dispositivo de esquadras e postos territoriais, que permitirá colocar mais elementos em atividade operacional nas ruas.

A EXTINÇÃO DO SEF FOI, NA SUA OPINIÃO, UMA DECISÃO PRECIPITADA?

Prefiro falar em reestruturação e aperfeiçoamento do sistema de segurança interna. É importante ter em consideração que Portugal é subscritor do Pacto Global para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares, um documento das Nações Unidas, bem como do Pacto para a Migração e o Asilo da União Europeia. Estes dois documentos preconizam a necessidade de promovermos migrações ordenadas, seguras e regulares, como forma de proteger os cidadãos migrantes e que tenham em consideração a capacidade de acolhimento dos Estados-membros e as condições que cada país possui.

Além disso, lembro que o programa eleitoral do PS em 2015 já assumia a reestruturação do sistema de controlo das fronteiras, tanto a nível aéreo como marítimo, sendo de notar que estas fronteiras são, também, fronteiras externas da União. A solução preconizada reforça os níveis de segurança e o cumprimento dos objetivos de acolhimento.

COMO SERÁ FEITA A REESTRUTURAÇÃO DESTE ORGANISMO?

Esta reestruturação, como referi atrás, separa as funções policiais das funções administrativas ligadas à integração de imigrantes. Nesta segunda componente há cerca de 700 funcionários da carreira geral que vão transitar para a futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo.

Quanto aos elementos da Carreira de Inspeção e Fiscalização do SEF, há um acordo de princípio entre as várias entidades envolvidas para que transitem em bloco para a Polícia Judiciária. No entanto, porque as competências do SEF em matéria de controlo das fronteiras vão ser assumidas pela GNR e pela PSP, muitos desses inspetores irão apoiar essas forças de segurança nos postos fronteiriços. Em resumo, esses elementos continuam a desempenhar as mesmas funções mas estando agora nos quadros da PJ, ficando a apoiar a PSP nas fronteiras aéreas e a GNR nos postos fronteiriços terrestres e marítimos.

Esta solução permitirá um reforço da capacidade de fiscalização das fronteiras nacionais, porque basta ver que, conjugadas, as forças de segurança portuguesas ultrapassam os 40 mil efetivos. Começará a ser implementada ao longo do primeiro trimestre do próximo ano, mas exige que se defina o modelo de transferência e estamos a trabalhar com todos para que este processo complexo seja implementado com sucesso, sem precipitação e num clima de colaboração e confiança mútuas.

AFIRMOU, RECENTEMENTE, QUE O PAÍS FEZ VÁRIAS MELHORIAS NO COMBATE AOS INCÊNDIOS. A QUE MELHORIAS SE REFERE?

Sim. No essencial, houve melhorias a três ní- veis: no conhecimento dos fogos florestais, na coordenação entre os agentes de proteção civil e nos meios. No primeiro caso, o estarmos confrontados com desafios tão exigentes e a nível global torna essencial compreendê-los em toda a sua profundidade e complexidade, para os conseguir antever e desenvolver os esforços necessários à proteção de vidas e do património. Esse conhecimento é também importante para avaliar e perceber o que se faz e como se pode melhorar. Exemplo disso foi o que fizemos depois do grande incêndio da serra da Estrela, neste verão, ao criarmos uma comissão para estudar todos os grandes incêndios ocorridos este ano em Portugal e avaliar melhorias a introduzir. E, a par dos trabalhos dessa comissão, nomeámos um painel independente de especialistas, investigadores e académicos para analisar esses grandes fogos, como forma de assegurar a maior transparência possível nesse processo e nas respetivas conclusões e assim promover melhores políticas públicas neste domínio.

Considero, contudo, que é importante atender a alguns dos indicadores relacionados com o período de incêndios rurais mais recentemente vivido. De 1 de janeiro a 22 de novembro verificaram-se 10.411 incêndios rurais e 109 mil hectares de área ardida. Comparando com o histórico dos 10 anos anteriores, registaram-se menos 32% de incêndios e menos 12% de área ardida do que a média anual neste período.

A taxa de sucesso do ataque inicial aos incêndios este ano foi de 90%, ou seja, foi esta a percentagem de fogos rurais que foi extinta nos primeiros 90 minutos de ocorrência. Os incêndios com área ardida inferior a um hectare foram os mais frequentes, totalizando 83%. Existe hoje em toda a Europa um consenso muito grande sobre o grande desafio que os incêndios rurais e os fenómenos meteorológicos colocam às sociedades e aos dispositivos de proteção civil. Em Portugal estivemos confrontados com indicadores muito severos, ditados por temperaturas muito elevadas, ventos fortes e humidade baixa. Situações similares ocorreram também em vários pontos da Europa, até Central e do Norte, onde normalmente tal não se verificava. Muitos desses países tiveram de combater incêndios extremamente violentos, que obrigaram a evacuações em massa de localidades inteiras, com milhares de pessoas retiradas das suas casas e com prejuízos incalculáveis.
Este é um desafio global que a Comissão Europeia coloca na sua agenda de prioridades. Como disse já a presidente da Comissão Europeia, “nenhum país pode lutar sozinho contra estes fenómenos meteorológicos extremos e a sua força devastadora”. E por isso, vai ser duplicada a capacidade de combate a incêndios durante o próximo ano, com a aquisição, por parte da União Europeia, de 10 aviões anfíbios ligeiros e três novos helicópteros, para acrescentar à frota já existente do Mecanismo Europeu de Proteção Civil.

Olhando ainda para a dimensão do nosso sistema de proteção civil, é importante notar, também, que foi criada uma nova estrutura de comandos a níveis sub-regional e regional para garantir uma melhor e mais eficaz coordenação entre os vários atores do sistema de proteção civil que intervêm no combate aos fogos florestais, desde as estruturas e instituições do Estado às entidades civis.

A terceira grande melhoria deu-se no reforço dos meios ao dispor do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais. Entre outros exemplos e sem falar no grande esforço financeiro já feito, incluindo a antecipação do pagamento de verbas pelos custos adicionais que as Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários tiveram de assumir, lembro que o número de elementos envolvidos em 2022 foi o maior de sempre no período de maior empenhamento (entre 1 de julho e 30 de setembro), com 12.917 elementos, 3062 equipas e 2833 viaturas.

Se compararmos com o período homólogo de 2021, eram mais 859 efetivos, mais 267 equipas e mais 177 viaturas. Houve 60 meios aéreos disponíveis em permanência entre 1 de junho e 15 de outubro.A Força de Sapadores Bombeiros Florestais, pertencente ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, já tem algumas dezenas de vigilantes da natureza. Na GNR, foi reativada a carreira de guarda-florestal pelo meu antecessor, Eduardo Cabrita, havendo a expetativa de, até 2023, haver mais 500 desses profissionais. Assistiu-se também a um crescimento exponencial do número de Equipas de Intervenção Permanente, cada uma constituída por 5 bombeiros profissionais: se em 2016 tínhamos 169, agora já estão autorizadas 750 e mais de 550 já estão a funcionar em pleno.

NO QUE AO COMBATE AOS INCÊNDIOS DIZ RESPEITO, ESTÁ EM CONDIÇÕES DE GARANTIR QUE O QUE ACONTECEU EM 2017 NÃO SE VOLTARÁ A REPETIR?

É fundamental notar que estamos perante um quadro de alterações climáticas que nos coloca perante fenómenos meteorológicos e fogos florestais cada vez mais intensos e extremos. Agora, o que podemos assegurar é que tudo faremos para reduzir essa possibilidade. E para isso é que o Governo tem vindo a trabalhar nas várias dimensões dessa temática.

No que respeita ao Ministério da Administração Interna, que é responsável pela componente do combate, temos apostado no reforço da resposta profissional permanente. Trata-se de uma parceria entre o Governo, as Câmaras Municipais e as Associações Humanitárias de Bombeiros, que já permitiu assinar protocolos para criar mais Equipas de Intervenção Permanente de bombeiros, cuja especialização inclui valências para atuação nas variadas missões da proteção civil e não só de combate aos fogos. Outra medida é a da reestruturação do dispositivo, criando cinco comandos regionais que já estão a operar e 23 comandos sub-regionais, que estarão a funcionar a partir de janeiro do próximo ano. Mas, não esquecer que há dimensões, a montante, que devem centrar as nossas prioridades nacionais: organizar a propriedade, reordenar e modificar a estrutura florestal. Garantir um uso ambiental, económico e social sustentado da floresta é o que tem de continuar a ser feito.

 

QUANTO AOS ACIDENTES RODOVIÁRIOS, A META DOS ZERO ACIDENTES É ALGO QUE CONSEGUIREMOS ATINGIR? O QUE ESTÁ A SER FEITO NESSE SENTIDO?

A prevenção rodoviária é outra das principais prioridades políticas do Governo e do ministério em particular. Estamos a trabalhar no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária até 2030, para o qual contamos com contributos da sociedade civil. Existem já nas estradas, ao longo do ano, mais de 80 ações de sensibilização junto dos condutores em diferentes temáticas, algumas delas porque são fatores diretos para a ocorrência de acidentes. Estamos a falar da condução sob o efeito do álcool, do uso do telemóvel ao volante ou da necessidade de fazer pausas regulares para descanso em viagens mais longas.

POR ONDE PASSA O FUTURO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA EM PORTUGAL?

Esse futuro vai ser definido pelo que vier a ser o Conceito Estratégico de Segurança Interna. Sendo a segurança interna um dos pilares da Segurança Nacional, este é um projeto vindo do tempo em que o atual primeiro-ministro era ministro da Administração Interna, que relancei no início do mandato, tendo convidado o Prof. Nuno Severiano Teixeira para coordenar o grupo de trabalho que o vai elaborar. Este documento, que deverá ser articulado com o conceito Estratégico de Defesa Nacional, permitirá termos um enquadramento conceptual e global nesta área de soberania. Daí decorrerá, depois, o conjunto de orientações e definições orgânicas e operacionais, bem como os meios e os instrumentos financeiros correspondentes.

Além das tradicionais questões de segurança, a reflexão sobre esse Conceito Estratégico vai contemplar novas ameaças e riscos resultantes da globalização das sociedades, sejam a saúde pública, as pandemias, a pobreza, as desigualdades, as crises económico-financeiras ou as alterações climáticas. O futuro passa também pela modernização e inovação no quadro da transformação digital. Em 2023 vamos dar passos seguros nesse campo, também por via do investimento com recurso a fundos comunitários. Destaco o reforço da segurança da Rede Nacional de Segurança Interna, fortalecendo os meios de cibersegurança (17,4 milhões de euros), bem como permitir a partilha de recursos e soluções entre as forças e serviços de segurança, através da gradual integração das estruturas de apoio técnico e de suporte logístico, eliminando redundâncias e libertando recursos humanos para a área operacional, o que traduzirá um valor acima de 3 milhões de euros. Pretendemos, também, investir na nova geração de centros operacionais do 112 (serão aqui aplicados 11,5 milhões de euros) que permitirão a geolocalização de chamadas, uma nova app para cidadãos surdos e a interoperabilidade com os centros operacionais europeus.

Serão atualizados os sistemas de informação Schengen e o sistema europeu de informação e autorização de viagens (EES/ETIAS).

Ocorrerá ainda um investimento no Projeto Rede de Comunicações de Emergência (SI-RESP) do Estado de 36,5 milhões de euros, a que acrescem, a cinco anos, mais 75 milhões de euros (valor base de lançamento do concurso público internacional) e mais 38,5 milhões de euros em outros investimentos.

 

 

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