JORGE DELGADO

TEMOS DE TRANSFERIR A MOBILIDADE PARA OS TRANSPORTES PÚBLICOS, FAZENDO DISSO O SEU EIXO PRINCIPAL”

Secretário de Estado da Mobilidade Urbana, Jorge Moreno Delgado é licenciado em
Engenharia Civil, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tem um mestrado em Estruturas de Engenharia Civil e um doutoramento em Engenharia Civil.
Fazendo um balanço muito positivo do trabalho desenvolvido, até agora, no seu mandato, Jorge Delgado destaca como principais êxitos a evolução da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal, bem como o trabalho, importante, na “regulação do setor do táxi” e “na mobilidade elétrica”.
Na opinião do secretário de Estado da Mobilidade Urbana, o “tempo” tem sido a grande dificuldade da área que tutela, isto porque, tal como revela, “os investimentos são realmente muito pesados e demorados”. Quanto às lacunas existentes em Portugal, ao nível das infraestruturas, o secretário de Estado assume: “Ainda há lacunas nas infraestruturas e, por isso, estamos a realizar investimentos robustos para alterar essa situação. Até ao final da década temos em curso ou comprometidos 4,8 mil milhões de investimentos na promoção dos transportes públicos, seja do lado da oferta, seja do lado da procura.” Jorge Delgado referiu também que temos padrões de mobilidade que são “insustentáveis”, tanto do ponto de vista ambiental, como económico e social.

Em jeito de conclusão, o secretário de Estado da Mobilidade Urbana afirmou: “O que gostaria de deixar como legado era poder dizer que a nossa ação foi decisiva para alterar padrões de mobilidade que hoje existem”.

QUE BALANÇO FAZ DO TRABALHO DESENVOLVIDO ATÉ AGORA?

Essa primeira pergunta é logo uma prova à minha modéstia, de qualquer das formas, sem falsas modéstias, neste ano e pouco em que estou nestas funções, o balanço só pode ser positivo.

Temos dado continuidade aos investimentos que já estavam em curso e lançado outros investimentosrelevantes, também, nos transportes. Continuamos a apoiar a redução tarifária de uma forma expressiva, garantindo transportes a preço acessível para todo o cidadão.
Desenvolvemos a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal, que está prestes a ser aprovada. Temos feito um trabalho importante na regulação do setor do táxi, na mobilidade elétrica e nos investimentosque continuam. Enfim, num ano e pouco, acho que temos dado passos firmes, em diferentes áreas desta área governativa.

QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES DA ÁREA QUE TUTELA?
Para ser franco, acho que a principal dificuldade é mesmo o tempo. O tempo, no sentido de que grande parte do que temos para fazer, para alterar os padrões de mobilidade, demora tempo a conseguir. Os investimentos são realmente muito pesados e demorados. Por outro lado, a organização do sistema, para permitir um sistema integrado de mobilidade, que envolve muitas entidades, demora tempo a coordenar e a organizar e, de alguma maneira, o comportamento das pessoas – que é fundamental – também é algo que demora muito tempo a conseguir alterar.

PORTUGAL MANTÉM, NA SUA OPINIÃO, GRANDES LACUNAS AO NÍVEL DAS INFRAESTRUTURAS? QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS?
Ainda há lacunas nas infraestruturas e, por isso, estamos a realizar investimentos robustos para alterar essa situação. Até ao final da década temos em curso ou comprometidos 4,8 mil milhões de investimentos na promoção de transportes públicos, seja do lado da oferta, seja do lado da procura. As redes de metro estão a ser, finalmente, bem massificadas, como eixo estruturante da mobilidade, do suporte de transporte público que vão dar.
As estruturas, das mais físicas às menos tangíveis, são investimentos importantes que têm de ser feitos e que ainda não existem.

QUE PASSOS TÊM SIDO DADOS NO SENTIDO DA DESCARBONIZAÇÃO DA MOBILIDADE? PORTUGAL ESTÁ A DAR OS PASSOS CERTOS?

Essa pergunta é pertinente. De facto, no setor dos Transportes, a mobilidade é responsável por emissões de gases de estufa, de uma forma global. Também é um setor que consome 75% dos produtos petrolíferos. Dentro desses, 66% no transporte rodoviário. Isto leva-nos a concluir que a primeira ação é mesmo para descarbonizar, é mesmo descarbonizar o transporte rodoviário.
Essa transformação tem de ser feita, sem ela não conseguiremos descarbonizar o setor dos Transportes. É preciso mudar e fazer esse caminho no sentido de reduzir o número de veículos quecirculam, fazendo transferências modais para transportes públicos, para transportes de massas e eletrificados. Mas sem desvalorizarmos o automóvel, ele vai ter de continuar a existir.

A NORMA EURO 7 INICIA-SE EM 2024. É O TEMPO CERTO?

O tempo é curto para a transformação que temos de fazer. O tempo é escasso para toda a mudança que temos de atingir, para podermos combater estes efeitos climáticos que nos assombram e que estão mais do que presentes. Podemos poupar neste caminho, e 2024 é o
ano possível, vamos trabalhar para que isso seja realidade.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS METAS E OBJETIVOS DA ESTRATÉGIA NACIONAL DA MOBILIDADE ATIVA?
Nós temos duas estratégias de mobilidade ativa, a ciclável, que já está aprovada e em curso; e a pedonal, que já esteve em processo de consulta pública e que será aprovada muito em breve.
No seu conjunto, ambas têm dois ou três objetivos fundamentais. Primeiro, incrementar a quota modal destetipo de mobilidade: aumentarmos o número de viagens com bicicleta, aumentarmos o número de viagens a pé.
Segundo, criar as condições para que a utilização desses meios seja mais segura. As cidades são, hoje, dominadas pelo automóvel, estão muito agressivas para este tipo de utilizações, pelo que temos de converter o espaço urbano para que possa ser mais seguro para a utilização da bicicleta e da atividade pedonal. E também queremos criar condições para proporcionar aos cidadãos uma saúde melhor, reduzindo os níveis de sedentarismo.

VAMOS CONSEGUIR ATINGIR AS METAS, NO QUE À EXISTÊNCIA DE CICLOVIAS DIZ RESPEITO, ATÉ 2030?

Os investimentos na área das ciclovias têm sido paulatinos, houve investimentos expressivos, no contextode um programa chamado Portugal Ciclável, que permitiu fazer, essencialmente, ciclovias de interligação entre municípios. Neste momento, os programas dos fundos europeus regionais têm verbas dedicadas à mobilidade ativa, que, geridas pelas comissões de coordenação em articulação com os municípios, espero que venham a promover um conjunto significativo de projetos na área das ciclovias. Mas, acima de tudo, também temos de conjugar isso com uma alteração do planeamento das cidades. As cidades têm de passar a ter planos de mobilidade urbana sustentável, que permitam tornar este modo ativo de nos movermos como central.

 

AS VÁRIAS POLÍTICAS DE MOBILIDADE URBANA COLOCAM O AUTOMÓVEL COMO ALGO A ERRADICAR DO CENTRO DAS CIDADES. COMO AS NOVAS FORMAS DE MOBILIDADES (BICICLETAS, TROTINETAS, ETC.), O TRANSPORTE INDIVIDUAL PASSA A SER NOVAMENTE BEM-VINDO?

O transporte individual em bicicleta, a pé, de trotineta, foi sempre bem-vindo e agora é ainda mais, enquanto agente de transformação. Faço notar que o transporte público, por muito eficiente que seja, não nos leva a todos os pontos. Só com uma visão integrada podemos fazer um percurso a pé, de bicicleta, de trotineta ou, para maiores distâncias, articulado com autocarros.

NA SUA OPINIÃO, ESTÃO JÁ CRIADAS AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA QUE A UTILIZAÇÃO DOS TRANSPORTES PÚBLICOS SEJA ATRATIVA EPRIORITÁRIA?

Nós temos já soluções de transportes públicos que, evidentemente, não chegam para servir as necessidades de todas as pessoas. Temos redes de metro que já têm alguma expressão, temos planos e contratos de operação rodoviária cada vez mais articulados e cada vez melhores. Temos um apoio à redução tarifária muito expressivo, que é atrativo para a utilização de transportes públicos, e isto são já medidas incentivadoras da sua utilização. Mas reconheço que temos ainda de melhorar. Temos de fazer desse transporte público um transporte mais fiável, com mais qualidade, com mais previsibilidade.E é para isso que estamos a trabalhar.

ESTAMOS PREPARADOS, EM TERMOS DE INFRAESTRUTURAS E DE POLÍTICAS DE PLANEAMENTO URBANO, PARA A MASSIFICAÇÃO DO CARRO ELÉTRICO?

A rede de carregamento elétrico, em Portugal, tem dado passos muito firmes e muito concretos, sempre à frente das necessidades, sempre à frente do número de veículos elétricos que vão sendovendidos e que vão sendo utilizados.
Nós somos o quarto país com mais postos de carregamento por cada 100 km de estrada. Temos potências instaladas que estão acima do número de veículos existentes. Somos uma referência na Europa, desse ponto de vista, mas as cidades são um aspeto fundamental e têm que se adaptar para que, de facto, o número de pontos de carregamento seja o necessário e esteja no sítio certo, para que as pessoas possam adotar o carro elétrico e tenham confiança nos carregamentos. Para isso,contamos muito com os municípios e estamos até, neste momento, a fazer ações de sensibilização, agilizando o processo dos investidores que quiserem instalar pontos de carregamento elétrico.

DISSE, RECENTEMENTE, QUE PORTUGAL TINHA COMO AMBIÇÃO DISPONIBILIZAR, ATÉ 2030, 36 MIL PONTOS DE CARREGAMENTO ELÉTRICO. QUAL É O VALOR REAL DESTES PONTOS DE CARREGAMENTO?

À data de hoje, nós temos já mais de 7 mil pontos de carregamento. O número tem crescido de uma forma que não é linear e num ritmo próximo do exponencial. De facto, partimos de uma base muito pequena. Esta taxa de crescimento não se irá manter sempre nesta forma exponencial. De qualquer das formas, é uma taxa ainda muito expressiva.
Durante o ano passado, chegámos a instalar mais de 30 pontos de carregamento por semana. É  um número que será para manter, eventualmente até será ampliado. Mas para o   conseguirmos, não só precisamos de ter boas condições, como ter maior agilidade, do ponto de vista do licenciamento, porque há iniciativa privada para o fazer. Já existe uma entidade, a Associação Portuguesa de Operadores e Comercializadores de Veículos Elétricos, que nos acompanha nas sessões de divulgação junto dos municípios, para fazer esta sensibilização, bem como a agilização dos processos.

NA SUA OPINIÃO, O REGIME DE INCENTIVO À AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS ELÉTRICOS É SUFICIENTE PARA ACOMPANHAR ACRESCENTE PROCURA?

O incentivo à aquisição de veículos elétricos foi um incentivo importantíssimo no arranque deste processo da mobilidade elétrica. Foi um incentivo necessário por questões de preço dos veículos, por questões de motivação à adesão, no combate a uma certa insegurança, que existia, em todos aqueles que ponderavam adquirir um privilégio.
Contudo, estes incentivos não têm nada que ver com o crescimento do número de vendas de veículos elétricos, que está quase na casa do dobro a cada ano que passa. Quanto aos incentivos, eles vão-se manter ainda este ano, mas estamos a ponderar outras iniciativas, utilizando recursos da mesma natureza para incentivar a mobilidade elétrica, de uma forma mais transversal, nomeadamente através de uma intervenção no preço dos carregamentos, tentando reduzi-lo para tornar mais atrativa a utilização do veículo elétrico para todos.

E AO NÍVEL DAS FROTAS, COMO É QUE O GOVERNO ESTÁ A APOIAR A DESCARBORIZAÇÃO?

Nós temos apoiado com o fundamental, com o POSEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos) ou, agora, com o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), e iremos apoiar com REPowerEU, depois de aprovado, frotas de autocarros de transporte público. Já apoiámos mais de 1200 autocarros que são, hoje, de tecnologias alternativas aos combustíveis fósseis e continuaremos a seguir esse caminho, para que renovação das frotas de transportes aconteça.

A PANDEMIA VEIO TRAZER MUITAS ALTERAÇÕES AO NÍVEL DA SOCIEDADE, NÃO SÓ NA FORMA COMO NOS DEVEMOS RELACIONAR, MAS TAMBÉM AO NÍVEL DOS EMPREGOS E DAS INFRAESTRUTURAS. NAS ESTRUTURAS QUE TUTELA, O QUE MUDOU VERDADEIRAMENTE?

Felizmente, ao nível do relacionamento já não precisamos ter limitações de parâmetros. Quanto à organização do trabalho, de facto a pandemia veio mostrar que há muitas deslocações que não precisamos de fazer, que há teletrabalho que pode ser feito quando for oportuno e adequado, e as nossas estruturas também absorveram parte desses ensinamentos. Eu diria que houve aprendizagens que resultaram desse processo de pandemia.

QUAL A ESTRATÉGIA PARA MUDAR A MOBILIDADE EM PORTUGAL?

Pois, essa é a questão fundamental, como alterar os padrões de mobilidade, quando temos padrões que, do ponto devista ambiental, são insustentáveis, sendo-o igualmente do ponto de vista económico e social. Porque, de facto, a forma como os vemos não é digna do século XXI. Quando olhamos para as nossas ruas e vemos as pessoas a passarem tempos infinitos aprisionadas no seu automóvel, isso não é o expectávelpara o nosso tempo.
A estratégia que queremos prosseguir baseia-se em três eixos: evitar viagens, transferir viagens para modos mais sustentáveis e melhorar os meios de evitar viagens. Temos de transferir a mobilidade para os transportes públicos, fazendo disso o seu eixo principal. E temos de, no fim da linha, talvez, melhorar a qualidade dos meios de transporte do ponto de vista energético, nomeadamente utilizar fontes energéticas que sejam verdes.

COMO AVALIA O IMPACTO DO APOIO À REDUÇÃO TARIFÁRIA DO PART?
O PART– Programa de Apoio à Redução Tarifária vem de 2019 e teve, na altura, um sucesso imenso. Conseguirmos reduzir o valor de um passe na Área Metropolitana de Lisboa, em alguns casos de mais de 100 euros para 40 euros, foi algo que transformou a vida das pessoas e que lhes abriu aoportunidade de aderir ao transporte público como maior firmeza.
Evidentemente que, depois, com a pandemia, tivemos uma queda muito grande. Agora já estamos outra vez numa fase de maior normalidade e continuamos a apoiar a redução tarifária, inclusive aindacom alguma quebra de procura que exista, mas fazendo coisas como, por exemplo, congelar o aumento do preço dos passes, que implicou um adicional de 50 milhões
de euros no Orçamento do Estado 2023, sendo que, de 2019 até à data, já mais de 1600 milhões euros foram investidos na redução tarifária.

E QUANTO À RECUPERAÇÃO DE PASSAGEIROS NOS TRANSPORTES ?

O ano de 2019 foi um ano de boom, com o aparecimento do apoio à redução tarifária. Tivemos incrementos acima de 10%. Mas a pandemia atirou-nos ao chão, pôs-nos com níveis de procura muito baixos. Temos vindo a crescer, paulatinamente. Em 2022, ficámos muito próximo dos níveis de procura de 2019. Em 2023 temos dados muito positivos, que significam mais gente nos transportes e, portanto, maior utilização dos mesmos.

QUE MARCA QUER DEIXAR NESTA SUA PASSAGEM PELO GOVERNO?

A ambição não tem limite, mas a realidade impera e temos de ser realistas naquilo que poderemos fazer. De uma forma genérica, o que gostaria de deixar como legado era poder dizer que a nossa açãofoi decisiva para alterar os padrões de mobilidade que hoje existem. E isso significa terem sido melhoradas muitas redes de transportes das grandes áreas metropolitanas. E, também, que nos soubemos organizar melhor, do ponto de vista da informação ao público, do ponto de vista da interoperabilidade, e que é muito mais fácil usar os transportes públicos no futuro. É uma visão que tem de facto uma grande abrangência.

 

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