JORGE BARRETO XAVIER

JCF_1945“DEMONSTRÁMOS QUE PORTUGAL TEM CONDIÇÕES, MESMO NUMA SITUAÇÃO DIFÍCIL, DE ASSUMIR UM PERFIL COMPETITIVO”

Jorge Barreto Xavier nasceu em Goa, Antigo Estado da Índia, em 1965. O secretário de Estado da Cultura é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tem uma pós-graduação em Gestão das Artes, do Instituto Nacional de Administração, e o diploma de Estudos Avançados em Ciência Política, da Universidade Nova de Lisboa. Acérrimo defensor da participação dos cidadãos na sociedade em que se inserem, Jorge Barreto Xavier afirma que “é fundamental que os cidadãos estejam envolvidos na vida política”. Para o secretário de Estado, a cultura sempre foi a sua forma de “participação política”, daí ter fundado o Clube Português de Artes e Ideias, que liderou durante 17 anos. Na sua opinião, o atual Governo desenvolveu “uma das tarefas mais difíceis da história da democracia”, uma vez que teve a responsabilidade de conduzir o Estado e a política nacional numa situação de “quase falência”. Contudo, mesmo nesta situação o apoio às artes nunca deixou de existir, embora tenha diminuído. Para o secretário de Estado, “contribuir para que, em Portugal, as crianças, os jovens e a população em geral tenham um acesso mais facilitado à fruição cultural é contribuir para um modelo de desenvolvimento desejável para o país”. Jorge Barreto Xavier considera que o trabalho que o Governo tem vindo a desenvolver, no âmbito do mandato, está a meio e que exige “continuidade”. Assim, num claro ataque à oposição, sublinha que não podem ser “promessas vagas” de que se vai fazer melhor que poderão “substituir o trabalho concreto”.

Como é que começou a sua ingressão na vida política?

Eu comecei muito cedo naquilo a que chamo a vida política. Esta expressão é para mim algo muito forte, porque “vida política” é a vida de qualquer cidadão que se envolve na sua sociedade. Eu acho que todos temos o dever de ter uma vida política. Ou seja, não creio que a vida política seja, apenas, algo como ocupar um lugar de responsabilidade política, como é o caso do lugar que hoje ocupo. Esses lugares são momentos na vida das pessoas. A vida política, na minha perspetiva, não deve ser um momento na vida das pessoas, deve ser algo natural em nós. Julgo que é fundamental que, em geral, os cidadãos estejam envolvidos na vida política. Eu comecei cedo, porque o meu pai e os meus tios ajudaram a fundar o PSD na terra onde eu cresci, na Guarda. Assisti, em miúdo, a uma mudança de regime. Foi ainda miúdo que participei nas campanhas políticas, que na Guarda, e na região, eram campanhas muito ativas, porque eram tempos muito vividos de participação política. Nessa altura o grau de participação política era muito mais elevado do que é hoje, e isso era entusiasmante para as várias gerações. A liberdade de expressão, a possibilidade de as pessoas poderem formar partidos, de poderem afirmar as suas opiniões, fez com que a sociedade portuguesa vivesse anos extraordinários. Estive ligado à Juventude Social Democrata, e mais tarde, tendo vindo estudar Direito para Lisboa, a minha participação passou a ser um pouco diferente. Sempre gostei muito das coisas da cultura, como leitor compulsivo, como fotógrafo, ou na escrita, onde comecei cedo. Por isso, rapidamente percebi as dificuldades que havia, nomeadamente em Lisboa, para quem começava a trabalhar ou a mostrar o seu trabalho artístico. Havia na altura – e estamos a falar dos anos 1980 – suportes do Estado para apoiar artistas consagrados, mas não havia programas para apoiar artistas em início de carreira. Daí ter decidido criar, na altura, uma associação para apoiar artistas em início de carreira: fundei o Clube Português de Artes e Ideias, que liderei durante 17 anos.

Observando o seu currículo profissional, a área da Cultura já o sensibilizava. Sonhava vir a ter “voz” nesta área?JCF_1772

A cultura foi sempre a minha forma de participação política. Hoje ocupo um lugar de Estado, mas, para mim, o meu lugar representa apenas uma das modalidades de participação política na área da Cultura que sempre desenvolvi. Além do Clube de Artes e Ideias, onde desenhei o primeiro projeto de apoio a jovens criadores que ainda hoje funciona, criei nos anos 1990 o primeiro centro integrado de experimentação artística em Portugal, o que é também uma forma de trabalho político, a bienal de jovens criadores dos países lusófonos, o programa Paideia, arte nas escolas, e fi-lo porque acredito na importância da cultura.

Quais são os maiores atrativos para o desafio que, entretanto, representa?

Ser responsável por uma área governativa, num momento de grande dificuldade, é, por si só, um grande desafio. Este Governo tem uma das tarefas mais difíceis da história da democracia portuguesa, porque recebeu a responsabilidade de conduzir o Estado e a política nacional na sequência de uma quase falência, de uma quase bancarrota, e, obviamente, a tarefa ficou muito condicionada por circunstâncias e pelo contexto. Tal significou uma dificuldade acrescida da prestação do serviço público em todos os domínios da atividade do Governo, nomeadamente na área da Cultura.

Que medidas conseguiu implementar?

Aquilo que procurei fazer, desde que assumi esta responsabilidade, foi garantir a prestação do serviço público de cultura. Depois de assumir a garantia da prestação desse serviço, pude desenvolvê-lo nos domínios que considerei prioritários. Nas várias áreas da minha responsabilidade – museus, bibliotecas, arquivos, património arqueológico, construído, móvel ou imaterial, na área da criação artística ou cinematográfica e audiovisual, nos direitos de autor, entre outras –, coisas concretas aconteceram. Em três anos de governação, e para lhe dar alguns exemplos, o Governo já investiu mais de 80 milhões de euros em reabilitação de património, e estamos a falar de norte a sul do país, desde a recente reabilitação da Torre dos Clérigos até ao maior investimento de reabilitação de património feito em período de democracia na zona do Alentejo ou à reabilitação de um conjunto significativo de património religioso em todo o país, passando por uma série de equipamentos museológicos que estavam fechados e que foram reabertos. Estes são dados muito concretos de investimento em contraciclo. Com a nova Lei do Cinema e do Audiovisual conseguiu-se o maior montante disponível, desde sempre, para a área dos apoios a estes sectores. Por outro lado, há ainda que referir que este é o Governo que mais classificou o património cultural desde o início da I República, ou seja, o movimento de classificação do Património Cultural é o maior de sempre.

JCF_1881Tem sido fácil agregar apoios?

Não. Tem sido difícil e nem sempre tem havido consenso para o efeito. Com a Lei do Cinema e do Audiovisual, foi criada uma obrigação parafiscal que, obviamente, não foi considerada pelos respetivos destinatários como algo de positivo. Mas por vezes, nas políticas públicas, para obter um bem geral é preciso criar e tomar decisões que implicam algum tipo de custo social.

Mas mesmo em tempos de crise, considera que houve avanços e conquistas na área da Cultura?

Nós sentimos a crise. Nós temos dificuldades e limitações que antes não havia, mas isso não nos impede de trabalhar e acrescentar resultado ao que está a ser feito. Aliás, como poderá ver, com dados concretos, o número de visitantes dos museus portugueses aumentou em 2013 e 2014.

A redução atual dos meios económicos pôs em causa a sobrevivência de projetos e iniciativas culturais importantes? Quer dar exemplos?

A redução dos meios financeiros criou limitações, nomeadamente na área do apoio às artes, em que o suporte para apoiar a produção artística passou a ser menor do que era antes, mas aquilo que nós temos de perceber é que houve uma redução de meios gerais por parte do Estado. Não significou isso que essa redução de meios passasse a corresponder à ausência do apoio do Estado, o que aconteceu foi que passou a haver menos apoio para executar a produção artística, nomeadamente em 2012 e 2013.

Também gostaria de dizer que houve alguns investimentos que gostaria de ter feito mais depressa e que foram feitos mais devagar, mas isso não nos impediu de obter ganhos, de garantir a concretização do serviço público. Não deixou de haver dinheiro para apoiar as artes. No ano passado, por exemplo, em vez de apoiarmos as artes com 19 milhões de euros, apoiámos com 14 milhões. Isto dá uma noção do ajuste do apoio – que teve impacto nos criadores, que naturalmente não ficaram satisfeitos – mas também demonstra que continua a ser dado.

O que é o Plano Cultura 2020? Na sua opinião, em que é que o mesmo vai contribuir para que os decisores políticos, agentes culturais e económicos e a sociedade civil, em geral, estejam mais preparados para tomar decisões e operar em domínios relacionados com a área da Cultura?

Portugal tem uma grande oportunidade com os fundos europeus, no âmbito do Programa 2014/2020. A área da Cultura tem todo o interesse em encontrar mecanismos para financiar a atividade cultural pela via do acordo de parceria que Portugal celebrou com a União Europeia. O modo como este acordo está desenhado é diferente do conjunto dos programas estabelecidos para o período de 2000/2006 ou de 2007/2013. O que nós esperamos para o período de 2014/2020 – em que não há uma lógica de fundos temáticos por área, mas sim linhas de trabalho transversais – é que os agentes candidatos à obtenção de fundos cruzem vários domínios de intervenção, que visam a competitividade do território, a sua diferenciação, a sustentabilidade, entre outras coisas. Nesta ótica, estamos a preparar os agentes culturais e as empresas que visam desenvolver o seu trabalho nesta área. Note-se que esta é uma área que, em Portugal, emprega diretamente mais de 70 mil pessoas, que gera riqueza e contribui, em cerca de 2%, para o PIB português. Uma vez que não temos dados completamente rigorosos nesta matéria, desafiei o Instituto Nacional de Estatística a criar a chamada Conta Satélite da Cultura, que corresponde a um agregado estatístico que permite aferir, de uma forma técnica e adequada, a participação cultural na vida portuguesa a nível do emprego, da geração de riqueza, de fruição. Essa conta está em preparação – ficará pronta ainda neste primeiro semestre – e nós vamos ser o quarto país da União Europeia a ter uma Conta Satélite da Cultura em termos de unidade estatística. Devo dizer que o conjunto de nove estudos que encomendámos para projetar o período 2014/2020 (e que se encontram concluídos e disponíveis) foi possível graças a fundos do chamado Programa de Apoio Técnico do QREN e tem por objetivo aferir como é que neste período podemos obter maior participação na área da Cultura. É o maior conjunto de estudos desenvolvidos na União Europeia para este objetivo.

 

Foi realizado um estudo, no âmbito do Plano Cultura 2020, o Estudo Augusto Mateus. Quais foram as principais conclusões doJCF_1894 mesmo?

Esse é um estudo que conclui que a cultura pode contribuir ativamente para a internacionalização da economia portuguesa e que, no quadro desse contributo ativo, pode ser maior do que é hoje. O estudo concluiu ainda que a questão cultural é relevante, visto que no âmbito das exportações portuguesas tem havido um aumento sucessivo da contribuição das exportações de bens culturais, ou relacionados, e que a tendência nos últimos 10 anos foi de crescente aumento da área cultural ou relacionada com as exportações. Neste momento ainda não existe, a nível de balança comercial, uma situação em que nós exportemos mais bens culturais do que importamos, mas sabemos que estamos a exportar mais e a importar menos, portanto, há uma tendência para o equilíbrio. Tudo vai depender, agora, das empresas portuguesas. Nós acreditamos que a ligação entre a área da cultura e a empresarial é importante. A cultura tem um valor próprio, mas associada à economia é geradora de riqueza. A clusterização é uma das formas, nomeadamente nas chamadas indústrias criativas, que vão da arquitetura ao design, das artes tradicionais à aplicação em publicidade ou em software.

Na sua opinião, como se tem desenvolvido em Portugal a relação cultura/turismo? Qual a importância da relação entre os dois setores? Como se poderá desenvolver esta relação?

A relação entre a cultura e o turismo é fundamental. Temos de ter uma atividade distintiva de outros territórios que também têm bom clima, boa gastronomia e onde as pessoas são simpáticas. Obviamente que a nossa cultura é distintiva e é um elemento relevante no que diz respeito à criação de uma diferença específica para a competitividade, sendo que no modelo de desenvolvimento socioeconómico do país a presença da cultura é um ativo muito importante tanto ao nível do desenvolvimento interno como ao nível da projeção de Portugal no mundo.

Qual a necessidade de aproximação e integração da cultura na vida escolar desde o início do percurso escolar? Que medidas têm vindo a ser desenvolvidas para esta integração?

A nível escolar há ainda muito a fazer. Os países mais ricos do mundo, que têm um nível de qualidade de vida mais reconhecido, como a Noruega, a Dinamarca ou a Suécia, têm uma correlação positiva entre a fruição cultural e o nível de qualidade de vida. A qualidade de vida é maior quão mais alta for a fruição cultural, e não é por terem mais dinheiro que as pessoas têm uma maior fruição cultural. Contribuir para que em Portugal as crianças, os jovens e a população em geral tenham um acesso mais facilitado à fruição cultural, é contribuir para um modelo de desenvolvimento desejável para o país.

Quais as perspetivas para o futuro do cinema e do audiovisual em Portugal? Existe a possibilidade de haver um aumento de financiamento nestes setores?

Nós tivemos o maior crescimento de sempre nestas áreas, com o atual Governo, pelo que o aumento de financiamento é uma realidade. O cinema português e o europeu correspondem, percentualmente, a uma pequena fatia daquele que é o cinema visto na Europa, e aquilo que sabemos é que há uma tendência decrescente de ida às salas de cinema na Europa e em Portugal. Portanto, havendo um aumento do financiamento, coloca-se um desafio aos criadores e às empresas nesta área para, tanto no espaço de língua portuguesa como na competitividade internacional, haver um crescimento de indústria e promoção nacional e internacional, bem como um aumento de audiências.

Caso a coligação vença, este ano, estará disponível para integrar o novo Governo?

Desenvolvemos uma missão de grande dificuldade. Demonstrámos que Portugal tem condições, mesmo numa situação difícil, de assumir um perfil competitivo. Esse trabalho está a meio e exige continuidade, e não podem ser promessas vagas de que se vai fazer melhor, sem apresentação de propostas – aquilo a que estamos a assistir hoje, por parte da oposição –, que poderão substituir o trabalho concreto. Em relação à minha eventual participação num novo Governo, essa é uma decisão exclusiva do primeiro-ministro.

Considera que Portugal incentiva a criação artística e a difusão da sua própria cultura?JCF_1949

Portugal incentiva, naturalmente, a sua criação artística, se não fosse assim não existia apoio público às artes. Foi também o atual Governo que criou um programa de internacionalização das artes, que tem permitido colocar um número significativo de artistas portugueses em vários pontos do mundo. Este programa continuará em 2015.

Se tivesse de escolher uma obra emblemática do nosso património artístico, qual escolheria? E porquê?

Não tenho uma obra emblemática, tenho várias: gosto muito do Mosteiro da Batalha, do Mosteiro de Tibães, da Sé da Guarda… mas também há pequenas pérolas do nosso património cultural que merecem toda a nossa atenção, como é o caso da Igreja de São Roque ou o conjunto dos órgãos do Convento de Mafra. Nós temos, felizmente, um país riquíssimo em termos patrimoniais.

Que marca quer deixar no âmbito da nossa cultura?

Não tenho essa ambição, o que pretendo é garantir, durante o meu mandato, a prestação do serviço público e melhorá-lo. Acho um erro os membros do Governo quererem deixar marcas pessoais, porque o trabalho que desempenham não é para deixar marcas pessoais, é para cumprir um mandato de serviço público. Todas as áreas na minha responsabilidade merecem que eu dê o meu melhor, e estou a trabalhar para isso em todas elas.