“O REFORÇO QUE FIZEMOS AO DISPOSITIVO FOI, ESSENCIALMENTE, COM O OBJETIVO DE FAZER COM QUE A FALTA DE MEIOS NÃO CONSTITUA UMA DIFICULDADE AO NÍVEL DO COMBATE AOS INCÊNDIOS”
João Pinho de Almeida, o secretário de Estado da Administração Interna, é jurista e concluiu a sua licenciatura em Direito, na opção Ciências Jurídico-Económicas, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. É mestrando em Economia e Políticas Públicas, na opção Finanças e Administrações Públicas, no ISEG. Para o secretário de Estado, a grande prioridade até ao final do seu mandato é, sem dúvida, “a eficiência do dispositivo de combate a incêndios florestais”, contudo, João Pinho de Almeida identifica ainda outras questões importantes, tais como “a nova carta de condução por pontos e a elaboração da nova estratégia de segurança” ou a “efetivação do processo eleitoral das eleições legislativas”. No que toca ao dispositivo de combate a incêndios para 2015, o Ministério da Administração Interna quis dotar a Autoridade Nacional de Proteção Civil de um dispositivo que “tenha os meios necessários para responder às dificuldades”. Por outro lado, houve também, tal como já tinha acontecido em 2014, uma forte aposta na formação dos bombeiros. “Aquilo que estamos a fazer é aumentar o número de formandos, o número de bombeiros que passam por formação entre um ano e outro, ao nível do combate aos incêndios florestais”, refere o secretário de Estado. Quanto à introdução da carta de condução por pontos, o modelo que Portugal vai adotar é muito semelhante ao que existe noutros países da Europa, designadamente em França e em Espanha: “cada condutor, à partida, tem um número de pontos – o proposto são 12 – que, em função das infrações graves e muito graves que cometa, vai sendo reduzido”, explica João Pinho de Almeida. Na opinião do secretário de Estado, a grande vantagem deste sistema é a “perceção mais fácil, pelo cidadão, da sua situação”.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) garante que nunca esteve tão bem preparada para o combate aos incêndios no verão e adianta que tem a postos “um dispositivo partindo dos cenários mais desfavoráveis”. Contudo, durante este ano a vegetação cresceu bastante e, em 2014, registaram-se poucos incêndios. Além disso, no último mês de março bastaram alguns dias com temperaturas elevadas para que deflagrassem múltiplos fogos pelo país. Vários especialistas admitiram que o cenário é preocupante e muito dependente das condições climatéricas, sobretudo do vento. Considera que 2015 possa ser um ano crítico em termos de incêndios?
Todos os anos preparamos o dispositivo para as dificuldades que podemos vir a encontrar. O que este ano fizemos foi dotar a ANPC de um dispositivo que tenha os meios necessários para responder às dificuldades que são previsíveis, e essas dificuldades são sempre previstas de acordo com os anos mais difíceis. Nós não preparámos este dispositivo com base no ano de 2014, que foi um ano com menos ocorrências e com menos área ardida – aliás, foi o ano com menos ocorrências e menos área ardida dos últimos 30 anos. Fizemo-lo em comparação com um ano difícil, como foi o de 2013, em que, aí sim, tivemos uma área ardida e um número de ocorrências muito superior e, portanto, a ideia foi a de maximizar o dispositivo e termos, dessa forma, um dispositivo que fosse, quer em quantidade, quer, principalmente, em qualidade, o mais bem preparado de sempre.
Qual o papel do Ministério da Administração Interna no combate e fiscalização dos incêndios?
O Ministério da Administração Interna tutela duas entidades que têm essa responsabilidade. Do ponto de vista da fiscalização, é uma responsabilidade da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, mas está delegada nas forças de segurança, pelo que compete à PSP e à GNR fazer essa fiscalização. Por outro lado, o combate é organizado pela ANPC. São entidades muito relevantes que têm essa função de fiscalizar e de, de alguma forma, evitar o número de ocorrências. Depois, no fim da linha, o combate é connosco, e o que procuramos fazer, enquanto Ministério da Administração Interna, é dotar essas entidades dos meios materiais e, muitas vezes, dos instrumentos legais necessários para desempenharem essa missão com eficiência.
Entrámos já numa das épocas mais críticas, a fase Bravo. Quantos profissionais e meios técnicos (aéreos e terrestres) estão já disponíveis para o combate às chamas?
Na fase Bravo temos 6583 homens no terreno e 30 meios aéreos. Durante a fase Charlie, a fase de alerta máximo, vamos ter mais de 9 mil homens e 49 meios aéreos. Esse é o dispositivo que está preparado e que entra progressivamente em funções, conforme as necessidades. De referir que este é o maior dispositivo de sempre.
A falta de meios aéreos para combate aos incêndios gera, todos os anos, grandes discussões no nosso país. Qual é o panorama atual? De que meios dispomos?
Nós aumentámos o número de meios aéreos no ano passado. Temos, neste momento, meios aéreos de que não dispúnhamos até então, no dispositivo, principalmente os aviões pesados anfíbios de combate a incêndios. Reforçámos também os nossos meios com uma parelha de aviões médios. Temos tido, na frota do próprio Estado, dificuldades ao longo dos anos. Fizemos alterações do ponto de vista da gestão contratual e não ignoramos que, este ano, ainda temos e teremos alguns problemas – estou a falar, concretamente, da frota KAMOV. Esperamos que, depois das alterações que foram feitas, este seja o último ano com esses problemas. O reforço que fizemos ao dispositivo foi, essencialmente, com o objetivo de fazer com que a falta de meios não constitua uma dificuldade ao nível do combate aos incêndios.
No início deste ano, a ministra Anabela Rodrigues anunciou a aquisição de dois meios aéreos para o combate aos incêndios florestais. Portugal conta já com estes dois equipamentos adquiridos com recurso a financiamento europeu?
Não, esses meios ainda não foram adquiridos. Estamos neste momento a preparar a candidatura, o quadro comunitário iniciou-se agora, já foi lançado o aviso. De salientar que nós contamos, este ano, com dois aviões da mesma tipologia no dispositivo, que foram locados durante três anos – o tempo previsto até que pudéssemos ter os meios aéreos adquiridos com o financiamento europeu.
A formação dos bombeiros surge sempre como justificação quando algo corre mal. Houve, para 2015, uma aposta na formação destes profissionais? Em que áreas mais apostaram?
Sim, para 2015 houve uma forte aposta na formação destes profissionais, contudo, já no ano passado tínhamos aumentado bastante a aposta na formação. Aquilo que estamos a fazer é aumentar o número de formandos, o número de bombeiros que passam por formação entre um ano e outro, ao nível do combate aos incêndios florestais, mas também temos como objetivo diversificar o tipo de cursos, tanto ao nível da segurança como do comportamento do incêndio florestal. Introduzimos um novo curso – que é muito importante para o bombeiro quando está no terreno, pois permite que ele identifique as dificuldades que enfrenta e saiba como se proteger –, ao nível da chefia de equipas e principalmente na componente de combate dos próprios incêndios florestais. Este curso tem cinco níveis de formação. O que procuramos é que mais bombeiros frequentem estas ações de formação, e posso adiantar que, no ano passado, tivemos 31.811 formandos – o que foi mais do dobro do que tivemos em 2013. Este ano ainda não temos os dados fechados.
Existe uma boa distribuição dos bombeiros voluntários pelo país? O que há a fazer para que exista uma melhor distribuição e para que deixem de existir casos como o de Viana do Castelo, onde há falta de efetivos?
É verdade que temos dificuldades em algumas zonas do país, e Viana do Castelo é, claramente, um distrito onde isso acontece. Os bombeiros são na sua esmagadora maioria voluntários, e há que ter noção, mesmo em relação aos que não são voluntários e que são funcionários das associações humanitárias, que a capacidade de recrutamento depende das características da população ao longo do território nacional, nós sabemos que essa distribuição também não é homogénea. No interior, naturalmente que temos maior dificuldade de recrutamento, e a forma de combater isso e de garantir essa homogeneidade passa muito pelos incentivos ao voluntariado e pela contratualização com as associações de equipas de intervenção permanente, que asseguram que há bombeiros que, a todo o momento, estão disponíveis para o socorro e que estão empenhados nessas missões. Temos trabalhado com a Liga dos Bombeiros Portugueses de modo a encontrar estes incentivos e de modo a garantir que existem sempre equipas de intervenção permanente.
O que é que foi feito, durante este ano, por parte do Estado, em termos de fiscalização e de limpeza da floresta?
A limpeza da floresta é da responsabilidade da área da Agricultura, mas sei que foram feitas diversas ações que tiveram a ver com a limpeza e desenvolvimento da rede primária, mas estou mais por dentro daquilo que foi feito ao nível da fiscalização. Alterámos a legislação relativa à fiscalização porque, no passado, eram as autarquias que instruíam os processos de contraordenação aos proprietários que não fizessem a limpeza dos terrenos, e isso, naturalmente, constituía uma dificuldade, porque as autarquias são as entidades que estão mais próximas dos cidadãos. Nós transferimos esse processo para o Ministério, para a Secretaria-Geral, que o delegou nas Forças de Segurança, e temos tido um sucesso muito grande – principalmente da GNR, porque grande parte dos terrenos florestais está sob jurisdição da GNR. Numa primeira fase temos sensibilizado as populações para cumprirem aquilo a que a lei obriga, nomeadamente em termos de limpeza, o que tem tido níveis de cumprimento voluntário de 70%. Só em casos pontuais é que é necessário aplicar as coimas previstas para casos de incumprimento.
A GNR tem vários edifícios emblemáticos dentro da cidade de Lisboa, mas será que são necessários tantos?
É verdade que a GNR detém muitos dos edifícios emblemáticos da cidade de Lisboa, mas é necessário referir que muitos deles estão em muito bom estado de preservação e até de fruição por parte das pessoas, o que provavelmente não aconteceria se a GNR não os estivesse a ocupar. O Carmo é o melhor exemplo disso mesmo. O quartel tem uma grande abertura à sociedade, com os concertos que aí são promovidos, com o museu, entre outras atividades que também aí são desenvolvidas.
Depois de toda a polémica que envolveu a atribuição dos Vistos Gold, o Governo mandou criar um manual de procedimentos e mecanismos de controlo dos mesmos. O que é que mudou?
Acima de tudo mudou alguma organização interna. Entendeu-se que se deveria criar mais um nível para instrução e decisão destes processos. Os processos estavam centralizados, a decisão era do diretor nacional e era um organismo do serviço que fazia a instrução do processo. O que nós entendemos é que, mantendo a decisão do diretor nacional, deviam ser as direções regionais a fazer essa instrução, exatamente por uma questão de criação do nível de segurança, e isso foi uma sugestão que resultou do relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna, que nós acolhemos. Acima de tudo, o que queremos deixar bem claro é que em nenhum momento foi posta em causa a atribuição indevida de nenhuma Autorização de Residência para Investimento, que é o nome mais acertado para os conhecidos Vistos Gold. Em conclusão, a lógica destas alterações é de manter no SEF a transparência e o rigor que já existia, no sentido de este instrumento, que é importante para o país, não ter qualquer risco do ponto de vista nacional em termos de segurança, e assegurar isso é função do SEF.
No seguimento deste caso foi também sugerido que seria importante uma auditoria ao sistema informático do SEF. Já há conclusões?
Não, ainda não há conclusões. Estamos à espera dos resultados da auditoria.
Têm vindo a aumentar os alertas sobre atividades terroristas em Portugal?
Os alertas sobre atividades terroristas não têm vindo a aumentar em território nacional.
Existem cada vez mais portugueses que fazem parte de redes internacionais de terrorismo. Qual a capacidade do Estado e das nossas autoridades de os detetarem e referenciarem?
Estamos a falar de matéria que tem alguma reserva, e a verdade é que não posso confirmar que haja cada vez mais portugueses a fazer parte dessas redes internacionais de terrorismo. O que posso confirmar é que as autoridades portuguesas têm condições, relativamente a cidadãos nacionais, e a cidadãos estrangeiros que passem por território nacional, de monitorizar e referenciar esses movimentos terroristas. Posso mesmo afirmar que Portugal está na linha da frente na monitorização desse tipo de movimentos.
Existe legislação para estes casos?
Temos legislação e revimo-la recentemente na Assembleia da República. Essa recente revisão da nossa legislação teve como objetivo consagrar respostas àquilo que é uma evolução permanente deste tipo de movimentos e alguma especialização que consegue, por exemplo, centrar-se na gestão do seu financiamento e que é algo que é muito importante para desmantelar este tipo de atividade terrorista. É necessário que os Estados estejam dotados de meios que lhes permitam monitorizar e combater aquela que é a atividade financeira associada a esta atividade terrorista, que é essencial para a manutenção desses movimentos.
Como é a legislação sobre o porte de armas em Portugal? Quem pode adquirir licenças? Que requisitos são necessários?
É uma legislação estável, em que quem pretende adquirir uma arma tem de reunir uma série de requisitos. Em Portugal, não temos um problema ao nível das armas. A PSP, que tem essa responsabilidade, tem feito ações de destruição muito relevantes de armas apreendidas, ilegais e que são intercetadas, mas não temos registado um aumento de armas ilegais em atividade criminosa. O quadro legislativo relativo às armas, no nosso país, permite-nos dar resposta àquela que é a realidade – que também não é das mais preocupantes – do número de armas que existem em Portugal e da sua utilização.
Quando entrará em vigor a carta por pontos?
O que prevê a proposta de lei é que a carta por pontos entre em vigor em junho do próximo ano.
Que modelo vamos adotar? Quais as suas vantagens?
Vamos adotar um modelo muito semelhante ao que existe noutros países da Europa, designadamente em França e em Espanha, que é um modelo em que cada condutor, à partida, tem um número de pontos – o proposto são 12 – que, em função das infrações graves e muito graves que cometa, vai sendo reduzido. No caso português existe uma inovação, que é o facto de o condutor poder acumular pontos positivos – até um máximo de 15 – se em determinado período de tempo não cometer nenhuma infração. A grande vantagem deste sistema é a perceção mais fácil, pelo cidadão, da sua situação. É muito mais percetível a evolução da situação do cidadão através do número de pontos que cada um tem a cada momento. Isto conjuga-se com uma inovação que já introduzimos, que é o Portal da Contraordenação, em que já é possível acedermos online ao nosso cadastro e aos nossos processos pendentes. Uma coisa é nós sabermos que temos uma ou duas contraordenações graves ou muito graves. Com o número de pontos, já se sabe que, chegando a zero, a carta é caçada, segundo a proposta de lei; chegando aos quatro pontos, há necessidade de frequentar uma ação de formação; e quando se atinge os dois pontos, há necessidade de fazer um exame teórico de código.
Quais são as principais desvantagens deste modelo?
Da análise que foi feita noutros países, procurámos que as desvantagens identificadas não fossem incluídas no nosso sistema, e, neste momento, não conseguimos identificar desvantagens.
Em Espanha tem sido identificada uma grande desvantagem, que é o facto de o cidadão conseguir recuperar pontos através da frequência de ações de formação. O que isso traduz, na prática, é que quem tem possibilidade económica de frequentar as ações de formação facilmente recupera os pontos. Mas não é igual para todos os cidadãos, pois nem todos têm a facilidade de pagar.
Que prioridades gostaria de eleger até ao final do seu mandato?
A grande prioridade, até ao final do mandato, é, sem dúvida, a eficiência do dispositivo de combate a incêndios florestais. Essa é uma área essencial da minha tutela, mas naturalmente que há outros aspetos importantes, tais como a nova carta por pontos e a elaboração da nova estratégia de segurança rodoviária – que é algo que trabalharemos até ao final do mandato –, ou a preparação e a efetivação do processo eleitoral das eleições legislativas, são questões que têm a ver com esta secretaria de Estado. Outra questão importante é a concretização da Agenda Europeia para a Migração, que se discute neste momento, a propósito do problema que temos no Mediterrâneo. É necessário que a Europa dê uma resposta de acordo com aquilo que é o projeto europeu. A Europa não pode ser indiferente ao que se passa, é necessário dar uma resposta, mas esta é uma matéria europeia.
Aproximam-se a passos largos mais umas eleições presidenciais. Na sua opinião, de que chefe de Estado Portugal precisa?
Não me pronuncio sobre essa questão.