“TEMOS COMO OBJETIVO REDUZIR OS GASES QUE PROVOCAM EFEITOS DE ESTUFA NO NOSSO PAÍS”
João Pedro Matos Fernandes é o ministro do Ambiente do Governo de António Costa, tendo como tarefa reverter as reformas no setor das águas e nos transportes urbanos. Matos Fernandes, de 48 anos, é engenheiro civil e já teve uma passagem pelo Ministério do Ambiente durante o primeiro Governo de António Guterres. Foi adjunto e depois chefe de gabinete do secretário de Estado Ricardo Magalhães, quando o Ambiente estava nas mãos da ministra Elisa Ferreira, entre 1995 e 1999. Desde que assumiu o controlo do Ministério do Ambiente, além do dossier do setor das águas, o ministro tem também outras pastas importantes em mãos, nomeadamente a reavaliação do Plano Nacional de Barragens, o cumprimento do Acordo de Paris ou a problemática entre a Uber e os táxis. Quanto ao Plano Nacional de Barragens, depois de uma avaliação feita pelo Governo, procedeu-se à anulação da construção de duas barragens das quatro que foram avaliadas. “Sabendo nós que estávamos em condições de cumprir as metas a que nos obrigámos para 2020, que é produzir 60% da energia elétrica a partir de fontes renováveis, conseguimos dessa forma poder anular a construção de duas barragens”, assegurou o ministro. Já em relação à reversão das concessões dos transportes públicos, João Pedro Matos Fernandes garantiu que a decisão administrativa da reversão “está tomada” e, uma vez que os contratos não eram perfeitos, não há lugar para “qualquer indemnização”. Na polémica entre a Uber e os táxis, é fundamental, na opinião de Matos Fernandes, sermos capazes de “olhar para a regulamentação existente, reconhecer a importância que os táxis têm na mobilidade urbana e criar condições justas para que novos operadores possam aceder ao mercado”. Para isso foi nomeado um grupo de trabalho para fazer recomendações ao Governo, que deve estar em condições de o fazer no segundo semestre de 2016. A mobilidade elétrica é, também, uma das bandeiras deste Governo, mas infelizmente, tal como revelou o ministro, o tempo que se perdeu “retirou-nos da linha da frente”. A mobilidade elétrica vai dar um salto muito grande e o papel do Estado é importante, nomeadamente através da “criação de uma infraestrutura de carregamento e da criação de benefícios fiscais”.
Que balanço faz destes meses de governação?
Foram seis meses muito intensos, numa pasta muito vasta, em termos de temas, mas onde penso que ficou muito claro o nosso empenho na descarbonização da economia, da sociedade, e se eu tivesse que reduzir estes seis meses a um verbo, era o verbo “descarbonizar” que eu escolhia. Tive a sorte de logo no início do meu mandato, dois dias depois de tomar posse, ter começado a COP de Paris e, passadas duas semanas, ter sido assinado o Acordo de Paris. Não posso nunca desligar o início do meu mandato a este facto. Temos como objetivo reduzir os gases que provocam efeitos de estufa no nosso país, adaptando também o país àquilo que já são os efeitos em termos de alterações climáticas. O litoral português é a zona da Europa que mais sofre, já hoje, com as alterações climáticas, e por isso estamos a fazer um enfoque muito grande nas políticas de proteção da costa portuguesa. Em termos mais genéricos, gostaria de recordar que foram seis meses em que pusemos a mexer os fundos comunitários na área do Ambiente, foram seis meses de grande motivação daqueles que trabalham na Administração Pública e, com isso, conseguimos já alguns sucessos que não passaram por mais do que articular quem cá trabalha, e que não estava muito motivado.
Quais são as nossas maiores falhas no setor do Ambiente? De que nos devemos orgulhar?
Portugal deve-se orgulhar do trajeto que fez sobretudo ao nível da melhoria dos sistemas urbanos ambientais, nomeadamente aquilo que aconteceu nos últimos 20, 25 anos, em termos da água de consumo humano, que é de excecional qualidade em Portugal, e aquilo que foi feito ao nível da recolha e tratamento de efluentes e dos resíduos. Todas estas são, sem dúvida, as matérias de que mais nos devemos orgulhar. Temos um longo percurso a percorrer na reabilitação dos edifícios nas cidades, embora eu queira acreditar que já foi feita a viragem da construção para a reconstrução. Estamos ainda mais atrasados na mobilidade urbana. Já foram tentadas várias coisas, certamente bem-intencionadas, mas parece-me evidente dizer que não conseguimos mudar o paradigma, e é esse o nosso grande empenho, de passar do transporte individual para o coletivo.
O que podemos esperar a nível da reestruturação do setor das águas? Que medidas pretende destacar?
Podemos esperar sistemas municipais muito mais eficientes. O principal problema de eficiência dos sistemas de água está nos sistemas municipais de pequena dimensão. É insustentável gerir com eficiência sistemas com menos de 80 ou 100 mil habitantes e é aqui que devemos esperar uma grande mudança, que será uma mudança na qualidade da gestão. Isto é, uma grande redução da água não faturada, uma faturação eficiente a todos os clientes, uma capacidade técnica para intervir quando existem fugas de água e uma outra forma de gerir com smart grids – redes inteligentes –, onde é possível antecipar problemas. O mais importante aqui é garantir a qualidade da água de consumo humano e evitar que ela se perca, porque é um bem escasso.
Qual a função da unidade técnica de apoio aos municípios? Os municípios têm finalmente o poder de decisão que merecem ao nível do setor das águas?
Os municípios estão a readquirir esse mesmo poder de decisão. Para tal contam com a ajuda da ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) para os apoiar. Convém não esquecer que, na boa tradição municipalista, os municípios também têm algum hábito de cuidar sozinhos destas matérias. O que posso dizer é que chegámos aos dias de hoje já com 60 municípios a apostarem na criação de sistemas partilhados para a gestão da água “em baixa”, ou seja, da água que vai até às nossas torneiras.
Em que pilares assentou a reavaliação do Programa Nacional de Barragens?
Num pilar ambiental muito forte, num pilar económico e num pilar jurídico. Começo pelo último. O Plano Nacional de Barragens é, do ponto de vista do seu processo, um plano impecável onde houve concursos absolutamente transparentes; onde quem ganhou, ganhou por mérito; onde os contratos não tinham qualquer mácula e que assentou numa avaliação ambiental estratégica que precedeu todo este processo e, portanto, do ponto de vista jurídico era inevitável acautelar tudo aquilo que era uma relação entre o Estado e as empresas. Aquilo que se concluiu também é que, e avançando para os outros critérios, a situação de hoje não é a mesma de há 10 anos atrás: por exemplo, um rio como o Tejo reduziu, nos últimos 10, 12 anos, mais de 20% do seu caudal. Ao mesmo tempo avançaram bastante outras formas de produção de energia, onde a energia a partir da fonte solar é aquela que mais avançará em termos de produção. Aquilo que nós sabíamos é que as barragens, que têm certamente vantagens do ponto de vista da produção de energias usando energia limpa, são causadoras de impactos ambientais locais com significado. Sabendo nós que estávamos em condições de cumprir as metas a que nos obrigámos para 2020, que é produzir 60% da energia elétrica a partir de fontes renováveis, conseguimos dessa forma poder anular a construção de duas barragens das quatro que foram avaliadas. Uma terceira ficou em stand by, porque relativamente à meta para 2030, que é de 80% da energia em Portugal ser produzida a partir de fontes renováveis, nós não temos, neste momento, a certeza de conseguir atingir essa meta, e por isso mesmo ficou adiada a decisão de construção dessa barragem por mais dois ou três anos.
Este cancelamento dos trabalhos traduz-se em quanto, em termos de indemnizações?
O pagamento que foi feito a ambas as empresas, neste caso a EDP para o Alvito e a ENDESA para Girabolhos, não será devolvido.
A promessa do Governo de reverter as concessões dos transportes públicos sem encargos para os contribuintes pode cair por terra. Como comenta?
A decisão administrativa da reversão está tomada. Acreditamos que, não sendo estes contratos perfeitos, não há lugar a qualquer indemnização. Nada nos move contra quem concorreu e contra quem ganhou, e eu diria até que não tenho nada contra a ter privados a gerir os transportes. Os contratos que existiam, para além de terem algumas invalidades – que levaram à sua anulação – assentavam num modelo que não servia, em nada, a mobilidade urbana. Por exemplo, esses contratos permitiam que os autocarros fossem comprados em segunda mão e, obrigatoriamente, a gasóleo. Ora isso contraria, em absoluto, uma política de transporte metropolitano onde queremos que haja um crescimento.
Bruxelas considerou que a reversão das concessões dos transportes urbanos e as alterações da privatização da TAP exercem “novas pressões orçamentais”. Concorda com esta perspetiva? O que podemos esperar?
Bruxelas afirma que um operador interno de transporte, como é o caso da Carris ou do Metro de Lisboa, por exemplo, só pode ser subconcessionado em um terço, portanto, não entendo como é que Bruxelas, que diz uma coisa destas, ache ao mesmo tempo normal que se concessionem os três terços.
Equaciona fazer alguma alteração aos tarifários nos transportes públicos?
Não temos nada previsto, sendo normal que os transportes públicos possam aumentar com a inflação. Quero acreditar que conseguiremos ser suficientemente eficientes para, até isso, tentar evitar.
Uber vs táxis. Afinal quem tem razão?
É difícil responder de forma direta. É indesmentível que a Uber não providencia um transporte que esteja de acordo com as regras nacionais, aliás, o tribunal diz isso e a reguladora, a AMT, confirma. Também não é possível fechar os olhos às novas formas de contratar serviços. Tendo nós consciência de que o setor do táxi é muito regulamentado, mas que apesar desta muita regulamentação não houve uma melhoria da qualidade do serviço, é fundamental sermos capazes de olhar para a regulamentação existente, reconhecer a importância que os táxis têm na mobilidade urbana e criar condições justas para que novos operadores possam aceder ao mercado.
E quando é que serão criadas essas condições?
Está neste momento nomeado um grupo de trabalho para fazer recomendações ao Governo, até ao final do mês de julho, e acreditamos que durante o segundo semestre o possamos fazer.
Vamos aguardar pelas diretrizes europeias?
Não há necessidade disso, uma vez que as diretrizes europeias são, essencialmente, para a definição de regras para as plataformas. Cada país tem liberdade para definir as suas próprias regras.
Que taxas estão a ser preparadas, no âmbito da fiscalidade verde, para o Orçamento do Estado de 2017?
Aquilo que nós queremos, sobretudo, na fiscalidade verde não é obter mais receitas; pelo contrário, é essencialmente encontrar formas de compensar, dentro do domínio do ambiente, aquelas que são as receitas que já estão na fiscalidade verde. Há uma taxa que me parece indispensável vir a cobrar e que tem a ver com a utilização de chumbo na caça. É fundamental incentivar a alteração do uso do chumbo para outros materiais que cumprem a mesma função e que não entram na cadeia alimentar. Em termos de taxas genéricas, não estão pensadas nenhumas, as únicas taxas que podem aparecer têm exatamente a ver com comportamentos que eu chamo de nicho e que servirão para motivar comportamentos ambientais mais positivos. O que podemos também assegurar é que haverá reduções de taxas e de imposto, sempre em casos concretos e não genéricos, para toda a sociedade, para quem tenha comportamentos ambientais positivos, mas sobre essa matéria ainda é cedo para falar.
O Governo pretende juntar todos os fundos ambientais num superfundo ambiental. Qual o objetivo da criação deste fundo? Que benefícios trará?
O Ministério do Ambiente gere quatro fundos ambientais distintos (o que tem mais expressão é o fundo de carbono) e não faz sentido, embora esses fundos tenham receitas que estão consignadas, geri-los como se fossem quatro gavetinhas. É necessário gerir estes fundos em conjunto, respeitando naturalmente a razão pela qual foram criados. Das receitas que o Ministério do Ambiente tem tido, ficam por usar cerca de 50 a 60 milhões de euros, o que é muito dinheiro.
O que é a Economia Circular? Quais são as vantagens deste modelo e qual o papel do Ministério do Ambiente?
Nós temos hoje um padrão de economia linear, que vai desde a matéria-prima ao produto, ao seu uso e, findo o seu uso, ao seu depósito e aterro, e aquilo que é evidente é que muitos dos materiais que chegam ao fim da sua vida útil são isso mesmo, materiais, mas podem ser matérias-primas. A Economia Circular é quase uma alquimia, no sentido de que iremos reintroduzir, no início do processo produtivo, uma boa parte daquilo que é hoje desperdício da atividade. Se pensarmos no setor industrial, em que o preço de um produto, descontando a logística, resulta do somatório dos materiais, das mercadorias e do custo do trabalho, é fácil perceber que se conseguirmos reduzir o custo dos materiais, podemos ter aqui uma folga financeira, seja para pagar maiores salários, seja para aumentar o investimento.
O Acordo de Paris deverá entrar em vigor em 2020. Quais são as principais linhas deste acordo? Conseguiremos ter, até 2050, autonomia relativamente ao uso de combustíveis fósseis?
O principal objetivo deste acordo é chegarmos ao final do século com uma temperatura não superior em dois graus, e idealmente próxima de um grau e meio, à temperatura da Terra no início da era industrial. É um acordo que tem uma vantagem muito grande pois é multilateral, isto é, mais de 190 países foram capazes de fazer as suas próprias propostas e comprometeram-se com elas. Essas propostas somadas ainda não chegam para o nosso objetivo, por isso, a cada cinco anos, elas têm de ser revistas. No caso de Portugal, temos um Plano Nacional de Combate às Alterações Climáticas que é claro, fizemos uma proposta que é clara, também, e que tem como objetivo chegar ao ano de 2030 reduzindo 30 a 40% dos gases que provocam efeito de estufa. Os transportes têm como objetivo reduzir 25% dos gases que provocam efeito de estufa até 2030, e por isso é tão importante alterar o padrão de mobilidade comum.
A mobilidade elétrica é uma das bandeiras deste Governo?
A mobilidade elétrica é uma das bandeiras deste Governo, sendo que, infelizmente, o tempo que se perdeu nos retirou da linha da frente. Se se tivesse continuado aquilo que veio do último Governo socialista, nós estaríamos, provavelmente, numa situação invejável, e perdemo-la. Já não a recuperaremos do ponto de vista tecnológico. Nós queremos muito, durante este ano, concluir todo o sistema-piloto de carregamento elétrico e queremos, ao longo do próximo ano, que em todo o país – pelo menos em todas as sedes de concelhos – existam formas de carregar os veículos elétricos. A mobilidade elétrica vai dar um salto muito grande, e o papel do Estado é importante, nomeadamente através da criação de uma infraestrutura de carregamento e da criação de benefícios fiscais. Mas aqui a indústria vai ter um papel nuclear e estou profundamente convencido de que, daqui a cinco ou dez anos, os veículos elétricos serão já uma fatia muito grande do mercado no nosso país e pela Europa fora.
Para quando está prevista a finalização da rede de mobilidade elétrica? Estender-se-á a todo o país? Quantos postos de abastecimento estão previstos implementar? Falamos de um investimento de quanto?
A rede-piloto compreende cerca de 1300 carregadores comuns e 50 carregadores rápidos e deve estar concluída até ao final deste ano. Durante o próximo ano será estendida a todo o país.
O que podemos esperar mais no que ao setor do Ambiente diz respeito?
O setor do Ambiente é hoje, cada vez menos, setor, isto é, o ambiente fruto daquilo que é a necessidade de protegermos os nossos recursos, de termos uma água de excelente qualidade(e quando falo em água estou a falar em relação aos recursos hídricos, porque a da torneira já o é). Quando falamos da necessidade de garantir a integridade do território nacional através da proteção de linha de costa; quando falamos da necessidade de nos adaptarmos àquilo que são as cheias que já vão acontecendo em consequência de fenómenos climáticos extremos; quando falamos da qualidade do ar das nossas cidades; quando nos referimos a todos estes assuntos, estamos claramente a falar de um conjunto de necessidades que ultrapassam, e muito, a perspetiva do Ambiente como setor. Por tudo isto, e uma vez que o ambiente tem um impacto tão grande na nossa qualidade de vida, na saúde pública, naquilo que é a perspetiva de futuro que podemos ter, podemos afirmar que o Ambiente deixou de ser um setor e passou a invadir todos os outros setores. Hoje, resolvida que está uma parcela muito significativa dos problemas básicos que Portugal tinha, somos, sobretudo, uma interface de políticas e de vontades económicas, sociais, territoriais, sem a qual o país não tem um futuro sustentável.