“O QUE INTERESSA SÃO AS PESSOAS”
Com uma carreira consolidada como pianista, já com sete discos gravados, Gabriela Canavilhas enfrenta agora um novo desafio, à frente do Ministério da Cultura. De entre os maiores atractivos desta nova experiência, destaca o facto de poder dar o seu contributo para que todos possam desfrutar de mais e melhores propostas culturais, nas suas múltiplas formas. Porém, dirigir esta “orquestra” não é tarefa fácil e, tal como afirma, “há ainda muito por fazer”. Tocar esta sinfonia é “um desafio enorme, quer pela sua dimensão passional quer pela transversalidade que contém, quer ainda pela necessidade de acompanharmos a passos largos o ritmo de investimento”. Mas a ministra não baixa os braços e faz já um balanço bastante positivo destes primeiros meses de governação. Para tal muito contribuiu não só a equipa que a rodeia, como também as suas ligações ao mundo artístico: “Senti que fui bem recebida pela comunidade artística e cultural, com quem já mantinha profundos laços, construídos há muitos anos por uma proximidade real e prática.”
Que recordações tem de Angola?
Infelizmente, nenhumas. Apenas nasci em Sá da Bandeira e regressei aos Açores ainda bebé. O meu pai, militar de carreira, estava em Angola numa das várias comissões africanas em que esteve envolvido. A minha mãe, professora, acompanhou-o em duas delas, primeiro em Angola e depois em Moçambique, razão pela qual nasceram duas filhas em Angola. Também vivi em Moçambique aos quatro, cinco anos de idade. Dessa altura apenas recordo aspectos da paisagem, as mangas nas árvores do jardim, ter aprendido a escrever as primeiras letras com a minha irmã mais velha e a viagem no navio Príncipe Perfeito de regresso à metrópole.
E da infância/adolescência passada em São Miguel e na ilha das Flores?
Excelente. Apesar de Ponta Delgada ser uma cidade pequena, sobretudo nos anos 70, na minha adolescência, oferecia muitas oportunidades de formação e de lazer. Tinha um bom conservatório, uma elite cultural bastante interessante e a ilha de São Miguel, só por si, já era (e ainda é) um espaço magnífico para fruição e lazer. O mar, a beleza incrível das paisagens, o contacto com a Natureza, a facilidade de estar tudo “à mão”, a proximidade, a natural facilidade de convivência entre os jovens, tudo confluía para se criarem as condições ideais para uma juventude muito animada e cheia de actividade. O Liceu Antero de Quental, onde estudei na fase final do secundário, era uma excelente escola, com grandes professores. Também é certo que nessa altura viviam-se os primeiros tempos da revolução, a grande agitação das movimentações políticas, o envolvimento das populações em todos os domínios da esfera pública, era um tempo especial onde tudo parecia possível e parecia que o mundo se abria para nós, jovens. Não nos esqueçamos de que a televisão só chegou aos Açores em 1976! O que demonstra bem quanto foi importante para os açorianos a abertura ao mundo que veio com o 25 de Abril. Até à chegada da televisão, os tempos livres das crianças e jovens, como eu, era usado na leitura (li quase tudo o que havia disponível, quer em casa quer nas bibliotecas), em actividades culturais e na vivência dos usos e costumes açorianos, muito ricos culturalmente e particularmente marcantes na formação de um jovem. A ilha das Flores era o espaço para as férias de Verão, enormes naquele tempo, e inesquecíveis. Para chegarmos às Flores, vindos de São Miguel, levávamos três dias no navio Ponta Delgada, o que constituía, só por si, uma aventura. Foram tempos fantásticos e que moldaram a minha personalidade. O homem é a sua essência e a sua geografia, e a geografia é absolutamente determinante para os açorianos.(…)